sexta-feira, 2 de março de 2012

Medos da infância

Sou de um tempo em que era só falar em morrer que eu já morria de medo. Tinha medo de morrer, tinha medo que meu pai morresse, que minha mãe morresse, enfim, a morte me metia um medo danado.

Lembro bem que quando ainda era um menino magricela de orelhas grandes e acreditava em tudo que me diziam, fiquei assustado quando ouvi que o mundo acabaria no ano 2000. Não dormia à noite e ficava imaginando como seria sem o mundo.

Ainda me recordo de um dia em que fui ao cinema assistir um filme daqueles que tinha Hércules, Maciste e aqueles monstros de sete cabeças. Não consegui ficar no cinema de tanto medo que aquela fosse a forma que o mundo iria terminar.

Fui pra casa e na minha cama, remexendo com meus pensamentos, ouvia a gritaria do público que estava em um circo montado no campo do Coraça, onde hoje é o campo Bento Nunes. Como o rio estava bufando por causa das chuvas, imaginava que a água estava entrando no circo e levando todos embora.

Tudo isso era coisa de criança, medo que todas as crianças têm. Mas eu não sabia disso e custava a dormir de tanto pensar.

Quando morria alguém da vizinhança então, era um Deus nos acuda quando a noite chegava. Era só ficar na penumbra do quarto, sozinho com meus pensamentos, para o medo voltar.

O porão de casa era outro calcanhar de Aquiles para mim. Descer à noite no quintal, nem pensar.

Tudo por causa de um sonho que tive certa noite no qual um bicho esquisito, parecido com aqueles de filme de Hércules, saía do porão. Daquele dia em diante nunca mais esqueci do sonho e muito menos do medo que ele causou.

O tempo passou, o ano 2000 já vai longe, o mundo não acabou e a vida continuou. Hoje, lembro de tudo aquilo e acho engraçado.

Já perdi meu pai, minha mãe também já se foi e, apesar da dor que isso provoca, sei que é a lei da vida. Não temos como lutar contra isso.

É a única certeza que todos nós temos, de que um dia iremos tomar o trem para a viagem final. Só resta descobrir qual o destino, pois nunca ninguém voltou ou ligou pra dizer como é naquelas paragens.

Espero que seja uma continuação daqui, pois assim poderei ter tudo e todos de volta. Tudo aquilo que tive na minha infância e que hoje sinto muita falta.

Ter meus pais, em um bangalô, como minha mãe sempre dizia. Os passarinhos cantando, o cheiro do pão assando, os banquinhos da cozinha na porta de casa, os parentes e vizinhos queridos que já partiram e até os medos que toda criança tem.

Já vivi mais de meio século, já estou na curva que aponta o caminho de todos nós e nada mais me assusta. Por isso, a única coisa que sempre peço a Deus é que me dê saúde para continuar por aqui até que minha pequena Mariane já seja uma moça e saiba se defender.


Só assim poderei entrar no trem e fazer a tal viagem. Não sem antes pedir para dar uma parada naquela lanchonete que tem na porta do ‘morituris’ para tomar a última... 

A quarta série ginasial

Faz tempo que isso não ocorre, mas um tempo atrás eu vivia sonhando que estava nas dependências da escola onde cursei o ginasial e também ...