quinta-feira, 30 de junho de 2011

A Curintiana

Sou de um tempo em que minha cidade era pacata, provinciana e adorável. Um tempo em que era gostoso viver, poder brincar ou conversar na rua até tarde da noite sem correr o risco de ser atropelado por algum maluco ou mesmo assaltado.

Sou desse tempo. Um tempo em que as pessoas se respeitavam e tinham respeito pelas autoridades.

Os policiais, por exemplo, não precisavam exibir armas ou ligar a sirene do veículo para serem notados. Bastava a simples presença de um deles e a lei naturalmente se fazia.

Lembro bem que a polícia, mesmo sem o contingente e a frota existentes na atualidade, dava conta do recado. O povo era mais pacato, mais respeitador e mais respeitado.

O policiamento consistia em alguns valorosos soldados como o Sargento Lima, o Simão soldado, o Tótero, o cabo Belluomini e, salvo algum lapso de memória, um ou outro menos conhecido. Todos muito respeitados e sabedores dos direitos e deveres de cada um.

Aquele era um tempo folclórico. Tempo em o povo gostava de dar apelidos para tudo e para todos.

E não era diferente com a polícia. Assim como a Banda Lira era conhecida como Furiosa, a dita cuja tinha a alcunha de Curintiana.

Como a ronda era feita em dois carros, se tanto, um Jeep e um Fusca. E, embora o termo fosse jocoso, a policia era conhecida como Curintiana por causa das cores de seus carros, pintados em preto e branco.

Se algum problema mais grave acontecia, bastava ligar na cadeia e lá vinha a Curintiana. E era só ela apontar na esquina para a coisa esfriar, o povo dispersar e a bagunça acabar.

Bem diferente de hoje, um tempo dominado por debilóides que têm por hobby incrementar seus carros com um equipamento de som capaz de derrubar um prédio.
Um tipo de gente que não respeita ninguém e passeia pelas ruas da cidade impunes e exibindo, além da falta de respeito para com as pessoas, um mau gosto musical terrível. Sem contar a falta de respeito com a polícia, que nada pode fazer contra esse bando de malucos.

Fosse no meu tempo de menino magricela de orelhas grandes, bastaria chamar a Curintiana e o problema estaria resolvido. Que saudade daquele tempo que, infelizmente, não volta mais.

Se pudesse, com certeza, nas noites de domingo, quando esse pessoal maluco começasse a desfilar desrespeito, impunidade, mau gosto musical e maus hábitos na rua de casa, eu chamaria a Curintiana e, certamente, tudo seria resolvido. Pena que não é mais assim.


Como seria bom se tudo voltasse a ser como naqueles tempos. Como seria bom poder brincar na rua até mais tarde, ciente de que se algo diferente ocorresse, bastaria ligar e lá vinha a Curintiana.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Para onde vamos?

Sou de um tempo em que o mundo iria acabar no ano 2000. Um tempo em que as pessoas eram mais tementes a Deus e mais respeitadoras de seus desígnios.

Lembro bem que cresci acreditando que tudo iria se acabar no alvorecer do ano 2000. Era questão de tempo para que tudo se transformasse em uma bola de fogo e todos nós virássemos churrasquinho.

Quando esses pensamentos me assolavam o jeito era procurar diversão para esquecer o problema momentaneamente. Durante a noite, quando eu ainda era um menino magricela de orelhas grandes e chegava a hora de dormir, minha aflição aumentava só de pensar no fim do mundo.

O ano 2000 já vai longe, o mundo segue sendo o mesmo, o fogo não veio e o que nos resta de certeza é que um dia iremos partir desta para algum lugar. Mas, para onde? Para onde iremos depois que a vida chegar ao ponto final?

Minha mãe vivia dizendo que alguém disse que ouviu dizer que depois que a gente fechasse o paletó de madeira o destino seria um bangalô. Sua certeza era tanta que passava as horas de seus últimos dias no aguardo do momento de se juntar ao seu ‘véio’ em um desses bangalôs.

Se isso realmente ocorreu não posso afirmar, mas a verdade é que torço para isso ser verdade. Dessa forma meus pais poderiam dar continuidade à bela vida que tiveram juntos por aqui.

Deixando o bangalô de minha mãe de lado, a indagação sobre o destino de cada um de nós continua sem resposta concreta. Ninguém, que eu saiba, voltou pra contar como é por aquelas paragens.

Às vezes me pego pensando como seria o lado de lá. Um campo de relvas e flores brancas para os bons? Um mar de fogo para os maus? Sei lá! Prefiro nem pensar nisso.

O melhor mesmo é aproveitar o que resta da vida para angariar boas ações e seguir aquilo que tenho como doutrina. Conquistar boas amizades, fazer boas coisas para quem necessita e conhecer lugares bonitos, pois só assim minha mala estará pronta para a última viagem.

O destino? Prefiro não pensar muito nisso e deixar para o próprio destino a resolução. Se for para um bangalô, ótimo. Desde que seja ao lado de todos aqueles que por aqui passaram e fizeram parte da minha breve história.

Caso o destino seja outro, que seja pelo menos algum lugar onde eu, enfim, possa descansar meu esqueleto em paz. Afinal, o bicho já tá ficando arcado e cansado de tanto carregar meu corpo por essas bandas.


Atenção passageiros com destino ao destino desconhecido. Queiram afivelar suas malas, apertar seus cintos e ocupar suas mentes com pensamentos positivos. A última viagem vai começar e o destino é...

sexta-feira, 17 de junho de 2011

O campo do riozinho e os torneios do Havelange

Sou de um tempo em que qualquer espaço servia como campo de futebol. Bastavam quatro tijolos para a demarcação dos gols e a bola podia rolar, fosse qual fosse a condição do chão.

Como um garoto apaixonado por futebol e ávido por correr atrás da bola, sempre que podia lá estava eu, um menino magricela de orelhas grandes, correndo com minhas pernas finas e chutando com o pé esquerdo. Fosse na rua de casa ou em um campinho qualquer, o que valia era ver a bola rolar.

Lembro bem de vários locais que eram transformados em campinhos. Como o terreno em que a Companhia Mogiana utilizava para descarregar enxofre, onde hoje está a Faculdade IESI, ou o campinho ao lado do riozinho da rua Sete de Setembro, onde mais tarde foi construída a residência do doutor Décio Galdi e que hoje abriga a casa de eventos Maison Galdi.

Ali, naquele local, muitos foram os jogos e torneios que realizamos. Como eram muitos meninos, geralmente formávamos três ou quatro times e a disputa ficava ainda mais acirrada.

Tudo girava em torno de um garoto, que organizava tudo e dividia os times. Sua habilidade para tal era tanta que o apelido de Havelange logo pegou e nunca mais foi esquecido.

Júnior, filho do doutor Hélio Amâncio de Camargo, era assim. Inteligente, hábil com a bola e craque para organizar os times, a tabela de jogos e as regras. Por isso ficou conhecido como Havelange, uma alusão a João Havelange, que naquela época comandava a CBD (Confederação Brasileira de Desportos), que mais tarde viraria CBF (Confederação Brasileira de Futebol), assim como ele viraria presidente da FIFA.

Lembro bem dele, um menino inteligente, habilidoso com a bola nos pés e também para organizar. E era na casa dele, ali na esquina da XV de Novembro com a Campos Salles que a gente se reunia antes de descer a ladeira até chegar ao campo do riozinho, como era chamado nosso estádio predileto.

Lá, naquele local, de chão sem grama, mas muito charmoso, corríamos atrás da bola e deixávamos que nossa mente fluísse pelos campos da imaginação. Afinal, estávamos na década de 60, época de ouro para o futebol brasileiro, recheado de craques como Ademir da Guia, Garrincha e Vavá, entre outros, sem contar Pelé, o maior de todos.

Parecem estar vivas em minha memória as disputas acirradas em busca da vitória. Atrás da bola, além de mim, garotos como Plininho Cremasco, Tato Monezzi, Paulo Marcos Zelante, Antonio Alberto (filho do doutor Antoninho), Carlinhos Cavenaghi, Decinho Galdi, Ari Cremasco, os irmãos gêmeos João Carlos e João Paulo, conhecidos como Broa e Parada, filhos da dona Mariana e do ‘seo’ Ico, e muitos outros, além do Havelange, claro. Todo mundo descalço, correndo naquele chão disforme e cheio de buracos, pedras e outros obstáculos.

Hoje, bem diferente daqueles tempos, os garotos têm chuteiras importadas, caneleiras, bola impermeável e um gramado macio para fazer a bola rolar. Mas, muitas vezes, acabam matando a bola de canela e mandando o sonho de se transformar em um craque para escanteio.

Como é bom lembrar de tudo isso. Nunca mais vi o Havelange. Inteligente, seguiu a carreira do pai, se transformou em médico e se mudou daqui.


Mas para mim ele vai continuar sempre aquele menino inteligente, educado, hábil com a bola nos pés e craque na organização dos times e dos torneios. Para mim ele vai continuar sendo sempre o Havelange.

sábado, 11 de junho de 2011

O apito da fábrica

Sou de um tempo em que o relógio da Matriz funcionava e servia de norte para as pessoas. Bastava olhar para a torre da igreja e a hora certa estava ali, pronta para ajudar no dia-a-dia das pessoas.

Naquele tempo, além do relógio de parede das casas e dos relógios de bolso – não eram todas as pessoas que possuíam um relógio no pulso -, alguns artifícios eram usados como indicadores da hora. Um deles era o apito das fábricas, que soavam forte em determinadas horas do dia.

Cresci ouvindo o apito da fábrica de papel que ainda hoje funciona no Cubatão, ao lado do ribeirão da Penha. No alvorecer, bem cedinho, quando eu ainda era um menino magricela de orelhas grandes, de casa já se ouvia a sirene chamando os trabalhadores para o batente.

Minha mãe, talvez por ter passado a juventude trabalhando na Fábrica de Chapéus Sarkis, sempre se guiou pelo apito da fábrica. Como ela sempre dizia, foram sete anos – dos 15 aos 22 – na faculdade do Sarkis, de onde saiu para se casar.

Esse hábito de se guiar pelo apito da fábrica acompanhou minha mãe até o fim da vida. Dava seis horas, o apito soava e lá estava ela, abrindo a porta do quarto para começar seu dia.

Às vezes eu pensava que se um dia o apito falhasse ou encrencasse minha mãe passaria o dia todo dormindo à espera do dito cujo para se levantar. Claro que isso nunca aconteceu, mesmo porque minha mãe nunca foi de se levantar depois que o sol desse as caras.

Lembro como se fosse hoje e posso vê-la no fogão à lenha de casa, preparando o almoço. Quando o apito soava anunciando que a hora do almoço havia chegado, ela já sabia que dali cinco ou 10 minutos meu pai estaria ali para almoçar, descansar um pouco e já voltar para a fábrica de móveis, lá no fim da avenida Rio Branco.

Esse apito estridente me acompanha até hoje. Mesmo não residindo mais na casa de número 20 da Comendador João Cintra, ainda ouço o bendito apito anunciar que são seis da matina. E, claro, já boto os pés no chão para começar mais um dia.

E faço isso com o coração apertado de saudade daqueles tempos de menino, quando eu ouvia aquele apito bem mais de perto e sabia que meu pai e minha mãe já estavam rumando para a cozinha e, logo logo, o cheirinho gostoso de café estaria invadindo meu quarto. Bons tempos aqueles, que já vão longe, mas que voltam a cada manhã quando o apito soa em meus ouvidos.

Se antes, por muitas vezes eu reclamava de seu estrilo ardido, hoje seu som me soa como melodia nos ouvidos, pois me transporta para um tempo distante que guardo com muito carinho no coração e na memória.


A fábrica continua lá, já mudou de nomes não sei quantas vezes, mas seu apito permanece forte e estridente, me chamando para relembrar bons tempos de minha vida. Que ele continue firme e forte, mesmo que a fábrica mude de nome um sem número de vezes. Amém!

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Os bancos do Grupo Escolar

Sou de um tempo em que escola particular era a forma encontrada pelos pais para dar continuidade ao estudo dos filhos que não se saíam bem na escola pública. Um tempo em que o ensino gratuito superava em muito aquilo que era oferecido onde se pagava para estudar.

Lembro bem de meus anos nos bancos escolares. Um tempo importante e que foi a base do pouco que sei.

Antes de completar sete anos, quando eu ainda era um menino magricela de orelhas grandes, rumei todo imponente em meu uniforme para o Grupo Escolar Dr. Júlio Mesquita. Apesar de não saber o que iria encontrar pela frente, tinha certeza de que iria gostar.

Aprendi a escrever e a ler pelas mãos e a sabedoria de dona Ismaelina Proença Pinto. Uma senhora que era tudo que um aluno de primeiro poderia querer, tamanha bondade e paciência.

Nos anos seguintes, já craque nas contas e na leitura, o aprimoramento veio com as professoras Genny Piva Zázera, Gilmery Vasconcellos Pereira Ulbricht e Ivone Pegorari Vieira. Todas também importantes para minha formação escolar.

Lembro como se fosse hoje daqueles tempos que ficaram lá atrás. Um tempo em que o aluno tinha que estudar de fato para tirar nota se quisesse passar de ano e não ser rotulado de repetente.

E como dava orgulho poder colocar uma listra azul a mais no bolso da camisa. Poder responder que havia passado de ano e cumprido com o dever de bom aluno.

Ainda hoje, quando passo defronte ao prédio secular da escola ou entro para exercer o direito do voto posso sentir o clima daqueles quatro anos que marcaram minha infância. E como tenho saudade daquele tempo.

Parece que ouço o burburinho do recreio ou a voz grave das professoras se empenhando em passar aos alunos a lição do dia. É como se estivesse ali, sentando na carteira, com minha camisa extremamente branca e meu short azul marinho.

Meu pensamento voa e me transporta para a fila formada no galpão do recreio para a entrada para as classes. Ainda posso ouvir o hino nacional ou da Independência ou mesmo o hino à Bandeira, que eram entoados antes da entrada.

E tudo era feito dentro do mais profundo respeito, tanto ao símbolo nacional como à professora que nos conduzia. Não havia algazarra ou bagunça.

Se pudesse voltar no tempo certamente não perderia a oportunidade de voltar àquela escola e ler minha cartilha Caminho Suave. Subiria correndo o escadão da ladeira São João para chegar logo ao grupo escolar.

Iria ouvir atentamente os ensinamentos de minhas professoras para angariar um pouco mais de saber. Recitaria novamente a poesia sobre o descobrimento do Brasil e me sentaria nos bancos do recreio para saborear o lanche preparado por minha mãe para o intervalo.

A quarta série ginasial

Faz tempo que isso não ocorre, mas um tempo atrás eu vivia sonhando que estava nas dependências da escola onde cursei o ginasial e também ...