domingo, 17 de fevereiro de 2013

“Vou morar num bangalô junto com meu véio"


Ao longo dos anos, quem passava pela rua Comendador João Cintra podia ver aquele casal, sempre sentado à porta. Sempre junto e sempre feliz.

Nos últimos cinco anos, com a ausência do marido, dona Dirce manteve o hábito de ficar ali, naquele mesmo lugar. Talvez, à espera do seu amado que partira.

Agora, quem passar pelo local não verá nem mesmo a dona Dirce. Esta semana ela foi ao encontro do seu grande amor. E como sempre dizia, para o bangalô em que iria reencontrar seu ‘véio’ no céu. Dona Dirce se foi para onde sempre quis estar nos últimos cinco anos.

Para quem a conheceu e com ela conviveu, ficam seus ensinamentos, seu jeito de contar piadas e a vivacidade com que gostava de responder adivinhações. Pessoa alegre e dedicada à família deixa um legado de bons exemplos e a lealdade ao único homem que amou em toda a sua existência, mesmo depois que ele partiu para preparar o tal bangalô e ficar à sua espera.

Com seu jeito alegre de conversar, sempre com uma piada nova na ponta da língua, costumava dizer que estudou sete anos na ‘faculdade do Sarkis’ (fábrica de chapéus onde trabalhou dos 15 aos 22 anos) até se casar com o marido, João Butti Filho. Tinha orgulho de tê-lo tido como companheiro durante mais de 50 anos e de todos os bons momentos que com ele viveu.

Depois de sua partida, embora deixasse sempre bem claro que seu maior sonho era ir ao encontro do esposo, nunca deixou de dar atenção à família e aos conhecidos. Guardava para si a tristeza da perda e não deixava que a mesma transparecesse.

Fiel aos costumes e ensinamentos dos pais, sempre dizia que da casa em nascera só sairia quando Deus a levasse. E foi esse o desfecho de sua passagem pela Terra. Foi ali, naquela casa da Comendador João Cintra que viveu os 79 anos de sua existência, criou os filhos e formou sua família.

Religiosa e de muita fé, estava sempre pronta para orar por aqueles que necessitavam. Na lista de falecidos pelos quais rezava, então, a relação era enorme e todos mereciam o mesmo ‘tratamento’.

Agora, que nos deixou, deve estar no seu bangalô, junto de seu ‘véio’, cuidando dos passarinhos que tanto gostava e dos vasos de violeta. Na porta, os dois banquinhos, onde ambos irão se sentar nos momentos de folga para darem continuidade a tudo que viveram nesse mundo. E quem passar por lá vai se lembrar daquele casal que ficava sentado à frente daquela casa de número 20 da Comendador João Cintra, feliz e unido, com está agora e estará para sempre...


Obrigado por tudo que nos deu e nos deixou. (escrito em julho de 2009, dias depois de sua partida)

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

A praça central como referência

Toda cidade tem uma praça central. Um local onde fica a matriz principal, o coreto e que sedia os principais eventos da cidade.

A praça central é o ponto de referência de toda cidade. É o local onde as pessoas se encontram, se divertem, se conhecem, se amam e se casam.

Ao redor dela estão os estabelecimentos que fazem a vida da cidade girar. Bares, clubes, cinemas, restaurantes, casas comerciais, agências bancárias, enfim, tudo o que é importante para o povo rodeia a praça central da cidade.

É na praça central de uma cidade que acontecem os grandes eventos, os grandes comícios, as grandes manifestações populares. É nela que as pessoas fazem o passeio dominical após a missa.

Itapira foi assim um dia. Na minha infância, adolescência, juventude e até mesmo em boa parte da minha fase de adulto a praça central sempre foi assim.

Até que tudo que tinha em sua volta foi se acabando como se uma praga assolasse aquele local. Os bares fecharam suas portas, os restaurantes mudaram para outras bandas, os cinemas foram desativados e a praça ficou órfã de seu movimento.

Quantos e quantos filmes vi nas telas do Cine Paratodos e do Cine Rádio. Desde os clássicos de Walt Disney até os impagáveis Mazzaropi e Renato Aragão. Dos bang bangs italianos aos épicos Ben Hur, El Cid e Os 10 Mandamentos. Dos lendários Hércules e Maciste aos musicais estrelados por Roberto Carlos nos tempos da Jovem Guarda.

Quantos shows tive o prazer de assistir no Centro Comércio e Indústria e no Clube XV de Novembro. Benito di Paula no Centrão, Simonal no Clube XV e assim por diante.

Era um tempo bem diferente. Um tempo em que as pessoas tinham na praça central o ponto de referência para tudo que fossem fazer.

Os jovens se reuniam defronte o Bar do Edifício, em frente o Chopão ou frequentavam os bailes dos dois clubes. Os bailes de debutantes eram realizados no Clube XV, que trazia grandes estrelas em seus bailes de aniversário, como Dick Farney, que vi em meados dos anos 70, na primeira vez que vesti um terno, emprestado pelo Beto Baldissin.

No Centrão a lotação era garantida nos bailes com o Corrente de Força, que depois virou Placa Luminosa. Os bailes de Natal e Ano Novo eram aguardados com ansiedade por todos e era para o Centrão que todo mundo se dirigia depois da tradicional ceia.

Na época do Carnaval o Clube XV abria sua programação com o Baile do Branco, sempre na sexta-feira. O Centrão, algum tempo depois, passou a realizar o seu Baile do Havaí.

Mas era nas quatro noites de folia que os dois clubes ficavam abarrotados de gente. As orquestras davam um verdadeiro show e no final do baile da terça-feira, já com o dia clareando para anunciar a Quarta-feira de Cinzas, as duas orquestras se encontravam no meio da praça para dar continuidade ao Carnaval por mais alguns instantes.

Tudo isso já não existe mais. O tempo passou, os bailes carnavalescos mudaram de endereço, foram para o Tênis Clube e depois para o Clube de Campo Santa Fé até agonizarem e morrerem para sempre.

Hoje, a realidade é bem outra. A praça central da cidade já não é ponto de referência para mais nada. Sua vida resume-se aos três dias da Festa Della Nonna em agosto e à Festa da Padroeira, no início de setembro.

De todos os bares, restaurantes, cinemas e clubes nada restou, nem mesmo a fonte luminosa com suas águas coloridas pelas luzes, dançando ao som da valsa. Apenas a perua do cachorro-quente permanece ali nas noites de domingo, sob o olhar imponente da estátua do Virgolino, em meio a penumbra desértica do restante da praça.


Por que será que tudo ali morreu? Será que alguém rogou alguma praga? Ou será que a praça central acabou ficando esquecida a ponto de deixar de ser o ponto de referência da cidade? 

Os latões gêmeos

Sou de um tempo em o leite vinha direto da origem, sem passar por indústrias ou processos avançados. Um tempo em que tudo era mais natural e simples.

Lembro bem que o leite consumido em casa era entregue pelo Sílvio Semolini, com sua carrocinha puxada por um cavalo. Mas, algumas vezes o produto vinha da casa da minha avó paterna, ou melhor das vacas do Valter Riboldi.

Meu avô João Butti trabalhou uma vida na olaria dos Riboldi, passava a noite queimando tijolos e pela manhã, quando deixava  trabalho no bairro dos Prados, fazia sua caminhada pelo chão batido da avenida Brasil e subia o morrão do sanatório, perto da mininha. Além da marmita vazia, trazia com ele o leite fresquinho que havia sido tirado ali mesmo nas cercanias da olaria.

Vez ou outra uma parte desse leite tinha como destino minha casa. E a incumbência de buscar o mesmo cabia à Vera, minha irmã mais velha, e a mim, um menino magricela de orelhas grandes.

O caminho era dos mais agradáveis, subíamos o escadão pela Ladeira São João e ganhávamos o Parque Juca Mulato, tomando a avenida dos Biris até chegar ao final do antigo campo Chico Vieira, que ficava onde estão as casas que compõem o quarteirão final da Rui Barbosa, entre a atual Casa da Cultura João Torrecillas Filho (antiga cadeia) e o SAAE, onde havia uma quadra de esportes. Ali desembocávamos na João Pereira, bem no primeiro quarteirão, onde ficava a casa de meus avós.

Nas mãos levávamos os recipientes para transportar o tão precioso líquido. Cada um portava um latãozinho feito em alumínio, idênticos, que estavam sempre reluzentes, tal o zelo e o capricho de minha mãe.

Na borda de ambos, lembro bem, estava escrito o nome de quem havia presenteado meus pais com as duas peças gêmeas. Gravado em letras maiúsculas o nome de meu tio Waldemar Franco de Godoy, marido de minha tia Ilda, irmã de minha mãe, dava o toque final aos dois recipientes.

Os latões gêmeos já não existem mais, assim como meus avós, meus pais e meu tio Waldemar, um homem de bom coração, pau para toda obra, como se dizia antigamente. Mas essa lembrança ficou gravada em minha memória como um marco de um tempo feliz, assim como um tombo que minha irmã levou um certo dia ao tentar se equilibrar na muretinha ao lado do antigo Posto de Puericultura.


Sua tentativa circence resultou na perda de uma parte do leite, além de um belo arranhão nas costas de uma das mãos e um pequeno amassado em um dos latões. O tempo curou tudo isso, menos a dor de saber que esse período de minha vida já vai longe, cada vez mais longe no horizonte. 

A quarta série ginasial

Faz tempo que isso não ocorre, mas um tempo atrás eu vivia sonhando que estava nas dependências da escola onde cursei o ginasial e também ...