quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Vassouradas de cal

Sou de um tempo em que minha família se reunia nas festas de Natal e Ano Novo. Um tempo feliz, em que nos reuníamos na casa de meus avós paternos, no alto da Vila Pereira, bem pertinho do Bairral.

Lembro bem dos afazeres de minha mãe no preparo dos doces nos dias que antecediam as festas de final de ano. O clima natalino, bem mais intenso que nos dias atuais, era algo que encantava e enchia nossos corações de alegria.

A expectativa pela chegada das festas e pela reunião que acontecia para o almoço no rancho, bem ao lado da parreira de uva e do pé de limão galego, aumentava a cada dia. Para nós, crianças, havia também a espera pelos presentes de Natal.

A mesa grande ficava repleta de gente. No Natal, além dos meus avós, meus tios Ivan, José Rubens e Marly e de minha família, vinha também a família de minha tia Lia.

No Ano Novo era a vez da família de tia Shirley marcar presença. Sem contar os vizinhos e parentes mais próximos, que sempre apareciam para os cumprimentos, criando um clima ainda mais gostoso.

Diversos momentos daquela época são avivados em minha memória a cada Natal que chega. A saudade daquele tempo, bem diferente e mais feliz, chega a doer no cerne da alma.

Talvez seja por não ter mais a presença da grande maioria dos personagens que escreveram a história daquele menino magricela de orelhas grandes. Ou, então, por não tem mais o que comemorar, a não ser a presença de minha Mariane, um presente que Deus colocou em minha vida e por quem enfrento qualquer tipo de adversidade.

E, dentre tantas passagens felizes daquele tempo, uma não sai de minha memória. Lembro bem que era Ano Novo e que a casa de meu avô havia passado por uma pintura. No quintal havia uma caixa d’água com os restos da cal que havia sido utilizada na pintura.

Tudo começou após o almoço. Meu pai, meus tios e meu avô João passaram a fazer guerra de água. Lembro da cena do meu tio José Rubens, ainda seminarista, postado em cima do telhado com uma tigela cheia d’água, aguardando a primeira vítima passar por ali.

A brincadeira durou um bom tempo e, para completar a farra, meu avô foi a vítima. Com vassouras embebidas na cal, meu pai e meus tios pintaram meu avô de branco da cabeça aos pés, apesar dos protestos de minha avó, sempre avessa às brincadeiras.

Quando tudo terminou e todos estavam brancos como fantasmas, veio o pior. A guerra de água minou o reservatório da casa e não havia nem uma gota para o banho.

Sem alternativa para resolver o problema o jeito foi procurar uma solução do lado de fora. E o chuveiro do vestiário do velho estádio Chico Vieira, ao lado do parque Juca Mulato, virou a tábua de salvação.

Esse tempo não volta mais, muitos personagens dessa história não estão mais entre nós, mas sinto a presença deles. Ao fechar os olhos posso enxergar o presépio montado na sala, posso ouvir o burburinho das vozes e as músicas natalinas saindo da picape Phillips de minha tia Marly, posso sentir o sabor da comida colocada à mesa e a alegria no semblante de cada um.


Mas, quando abro novamente os olhos tudo isso se dissipa como uma nuvem e a realidade, cruel e implacável, me devolve ao tempo atual. Me sinto órfão, sem forças para prosseguir minha caminhada. Mas basta olhar para minha pequena Mariane, companheirinha de todos os momentos, e minhas forças se renovam.

Um comentário:

Denise Pires disse...

Adoreiiiii!! Lindas lembranças.... Também tenho as minhas assim.....repleta de encantos e magia.....que possamos replicar para as crianças de hj um pouco desse tempo de respeito a infãncia!!!

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