terça-feira, 12 de março de 2019

Dores da vida


Existem vários tipos de dor. Há as dores físicas e as dores que sentimos sem saber como abrandar.
Quando a dor é física, a cura está no medicamento que utilizamos. Quando a dor que sentimos está no coração, dizem que o tempo é o melhor remédio.
Dores da vida, dores com as quais convivemos em todos os momentos. Mas, por que essa dor que sentimos no coração dói tanto e não conseguimos abrandá-la?
Será que é porque não é o coração que dói, mas o sentimento que temos, lá no fundo, é que nos deixa assim, com aquela sensação de vazio? Um vazio que dilacera a alma e destrói qualquer vontade de viver.
Ah, essa dores que a vida nos impõe. Dores que machucam o cerne do nosso ser, que avassalam as entranhas e perfuram o coração, tal qual uma lança.
Vez ou outra me pego pensando quantas vezes já senti essa dor. O quanto é difícil a cura e quantas são as sequelas que ela deixa.
Quando se é criança, nossas dores são na barriga, quando muito no dedão do pé. Mas quando crescemos e conhecemos as dores do coração, descobrimos que não há bálsamo que as cure e que, por muito tempo, elas insistem em martelar nossa mente e nosso coração.
Quem nunca sentiu esse tipo de dor? Uma dor impossível de se controlar, mas que, segundo os especialistas, só é curada quando um novo motivo para a próxima dor ocupa o espaço deixado pelo antigo.
Dores, dores de barriga, dores no dedão do pé, dores no coração. Dores que nunca acabam e que estarão para sempre, caminhando lado a lado durante nossa caminhada por esse mundo.
Se eu pudesse voltar no tempo, com certeza, faria tudo outra vez, do mesmo jeitinho. E estaria sofrendo as dores da mesma forma.

sábado, 9 de março de 2019

Domingo de aprendizado


Primeiro dia de julho de 2018, primeiro dia do segundo semestre. Um domingo ensolarado e especial para fazer algo especial.
E foi assim que transformei minha manhã de domingo. Ao chegar cedo ao Parque Juca Mulato, tive a oportunidade de oferecer um pouco de conhecimento do passado à minha filha Mariane.
Foi como uma viagem ao passado, podendo levá-la comigo para conhecer como eram diversos pontos no entorno do cartão postal da cidade. Em cada parada eu mostrava como era no passado através das fotos do meu acervo.
A primeira parada foi na Avenida dos Biris, hoje totalmente transfigurada pela ação do homem e do tempo. Sentamos em um banco e mostrei a ela, aquele mesmo local décadas atrás, com a avenida ainda sem pavimentação, cercada de frondosas e um visual espetacular.
Dali, seguimos em frente no sentido anti-horário e a próxima parada foi defronte o secular prédio da escola Júlio Mesquita. Uma olhada no prédio em seu estágio atual e outro na foto com diversos estágios, desde os primórdios, e o espanto dela ao ver que o prédio continuava ali, firme e forte, apesar dos anos e anos que já se foram.
Ali mesmo, parados de frente para o Júlio Mesquita, viramos nosso olhar para o lado esquerdo e a visão da caixa d’água do parque contrastou com aquela estampada na foto. Apesar de ser o mesmo monumento, hoje já não existe a mesma vegetação e o mesmo clima.
Seguimos em frente, dobramos a direita, e lá fomos nós em direção ao antigo prédio da cadeia, onde hoje está a Casa da Cultura João Torrecillas Filho. Pudemos comparar com o mesmo prédio, mas no tempo em que servia de cadeia pública, isso nos anos 60.
Ali mesmo já apresentei o antigo estádio Chico Vieira, que ficava no espaço onde hoje estão belas residências no final da Rua Rui Barbosa. A cada parada um pouco de história e seus olhinhos brilhando, maravilhada com tudo que estava aprendendo.
Aproveitei o tempo e a bela manhã de domingo para mostrar o Cruzeiro, a rua João Pereira que abrigava a casa dos meus avós paternos, contei sobre o Parque Infantil Narciso Pieroni, o funcionamento do SAAE e outras histórias daquele tempo longínquo que não volta mais. Acredito que pude ser útil para que seus horizontes fossem expandidos e não se limitassem a esse mundo de hoje, no qual a preservação passa muito longe.
Mas, de tudo isso que vimos, o que mais nos impressionou foi a falta de cultura e educação do povo. A cada passo nos deparávamos com depredação, pichação e lixo, muito lixo. Aí veio sua pergunta que mais me encantou: “pai, no seu tempo também era assim, ninguém respeitava o meio ambiente e os prédios?”.
Claro que fiquei feliz com sua preocupação, mas infelizmente não tive como negar que hoje isso não existe mais. Não existe preservação, não existe cuidado, não existe respeito e muito menos educação.

sexta-feira, 8 de março de 2019

Dois patinhos na lagoa


Todos nós temos boas recordações da infância, seja de passeios, brincadeiras de rua ou das emoções da época do Natal. Quem não tem um bom motivo para recordar da espera pelo presente, da ansiedade antes de dormir ou da alegria em descobrir que o Papai Noel não se esqueceu da gente?
Minha infância, apesar das dificuldades impostas pela época, foi rica em detalhes que deixaram marcas de felicidade. São muitos momentos que, apesar do tempo implacável insistir em colocar cada vez mais distantes, continuam vivos na memória e guardados no meu baú de recordações.
Todos os anos, além do presente que era deixado sobre meu par de sapatos, atrás da porta, ganhava também de meus avós paternos – os avós maternos já não estavam nesse mundo – e tios. Depois de abrir o presente deixado pelo Papai Noel, a ansiedade era pela chegada do momento de subir o escadão da ladeira São João, atravessar o Parque Juca Mulato, circundar o parquinho infantil, passar ao lado do antigo campo de futebol e rumar para a casa de meus avós na João Pereira.
Foram muitos presentes, entre bolas, carrinhos e jogos de tabuleiro, brinquedos que o tempo se encarregou de exterminar, mas um deles resistiu bravamente e até hoje, mais de 50 anos depois, está firme e forte graças ao cuidado que minha mãe teve em preservar.
Lembro que esse presente ganhei de minha tia Shirley. Era um jogo de tômbola com suas cartelas em papelão e as pedras em madeira, com os números pintados em vermelho.
Na época, para não perder uma pedra e, consequentemente o jogo, minha mãe costurou um saquinho com um retalho de pano listrado, desses que servem como forro de colchão. Mal sabia ela que o saquinho, assim como as peças do jogo, atravessaria o tempo e nosso jogo de tômbola serviria de diversão para as gerações que viriam.
Minha mãe era uma pessoa única, sempre preocupada em participar das brincadeiras com os filhos e, depois, com os netos. Desde jogar futebol comigo no quintal de casa, até se esconder para que os netos a encontrassem na simples brincadeira de esconde-esconde, sempre encontrava disposição para tudo.
Depois que meu pai partiu para o andar de cima ela ainda ficou entre nós por mais de cinco anos, apesar da dor da perda. E era nas tardes de sábado, depois que devorávamos os pastelões que ela preparava como ninguém, que nos sentávamos na mesa oval da copa para jogar tômbola.
Minha mãe se divertia e, ao mesmo tempo, preenchia os pensamentos para deixar a dor da saudade de lado. Em volta da mesa com suas cartelas e feijões para marcar os números, minha irmã Claudia, minhas sobrinhas Manon e Luê e eu nos divertíamos e, ao mesmo tempo fazíamos companhia para a vó Dirce por boas e divertidas horas.
Minha mãe foi ao encontro de meu pai no andar superior, mas o jogo de tômbola permaneceu e resistiu ao tempo, graças ao zelo de minha irmã, que até hoje guarda o mesmo  e até o surrado saquinho listrado para a diversão das tardes de sábado. E, a cada pedra cantada, vem à memória a figura de minha mãe na mesa da copa, marcando os números cantados pelas duas netas. Ou de quando era sua vez de cantar e ela usava as frases inesquecíveis como ‘dois patinhos na lagoa’ para o número 22 ou ‘idade de Cristo’ para o 33.

quinta-feira, 7 de março de 2019

Passagens e personagens da vida


Sempre acreditei que a vida é como uma roda, a cada virada que ela dá um novo ciclo se apresenta. E, em cada ciclo, novos personagens e novas emoções nos remetem a sensações que nem imaginamos que um dia iríamos viver.
Não que eu seja um ser repleto de personagens ao meu redor, mas minha roda da vida também girou e trouxe momentos e pessoas.
Quando somos jovens, cada encontro, cada namoro, cada momento se torna um motivo para que a vida seja bela e o coração dispare. O turbilhão de emoções transforma cada segundo em uma eternidade que desejamos que jamais termine.
Mas, a vida é bela, e o tempo é o senhor da razão. Ele passa, as pessoas passam, os personagens mudam e a vida segue.
Posso afirmar, com todas as letras, que emoções nunca me faltaram, desde as mais belas até as que se desfazem tal qual um torrão de açúcar em contato com a água. Mas, o que seria de nós sem essas sensações deliciosas e, ao mesmo tempo, cruéis?
Meu tempo passou, já dobrei, faz tempo, a casa dos cinquenta, marco regulatório para a vida, sinal de que a dobra da curva da existência já se inclinou para o outro lado. E, quando esse marco é atingido, acredito que é sinal que devemos viver intensamente o que a vida nos reserva para os momentos finais, a conclusão da história, o ápice de tudo que chamamos de existência.
Mas, será que o jeito é sentar e esperar o tempo passar? Ou a vida nos reserva o que há de melhor para os momentos finais desse filme?
Não me pergunte a resposta, pois não saberia dizer com propriedade. Só sei que a virada da curva dos cinquenta tem me proporcionado o que há de melhor.
Ser pai depois dos cinquenta, poder viver intensamente tudo isso e ver que só se é gente de verdade quando se é pai. Mas, será que isso basta?
Claro que não. Deus sabe o que faz e, mais dia menos dia Ele coloca em nossas vidas os personagens certos.
Ele colocou um anjo chamado Mariane que transformou minha vida e me fez ver o quanto é importante se dedicar a um ser tão indefeso e, ao mesmo tempo, tão forte para nos mostrar o caminho verdadeiro da vida.
Se não bastasse, ao ver que eu era uma pessoa triste, que se dedicava a fazer as outras pessoas felizes, me deu um presente que quero guardar até o fim da minha trajetória nesse mundo. Colocou no meu caminho um anjo chamado Eliana, um ser especial, capaz de tudo para me ver feliz e que entrou em minha vida para mostrar que vale a pena viver e ser feliz.
E assim, com o espírito repleto de alegria, só posso afirmar que a vida é feita de passagens e personagens. Passagens que guardamos como experiência de vida, personagens que quando menos esperamos preenchem nossa vida e nos fazem querer que fiquem até o final desse filme chamado existência.

Correndo contra o tempo


Costumo dizer que Deus nos dá tarefas que podemos realizar. Por isso caminho sempre em frente e procuro, na medida do possível, realizar tudo aquilo que me foi apresentado.
Fui pai aos 51 anos, depois de ter dobrado, como costumo afirmar, a curva que nos deixa de frente para a linha de chegada. Além da alegria que ser pai nos faz sentir, sobrou a responsabilidade de conduzir as coisas de forma a ver lá na frente um final feliz.
Sei que o tempo é implacável, que a cada dia ele passa mais rápido e que nossa tarefa deve ser cumprida no tempo de Deus. Sei que se Ele nos dá uma tarefa, também nos dá o tempo para que possamos cumpri-la.
O tempo está passando, ou melhor, voando, mas a cada dia enfrento os leões e sigo em frente. Sei que no final tudo vai dar certo, porque foi Deus quem escreveu esse enredo.
Só peço a Ele que me dê o tempo necessário para que minha pequena possa caminhar com as próprias pernas. Que eu possa vê-la pronta para a vida e aí sim eu vou poder descansar em paz e seguir meu destino lá no andar de cima.
Já terei cumprido a missão que Deus me confiou e poderei embarcar no trem que irá me levar até a estação em que estará meu canto, aquele que me foi destinado para prosseguir no segundo tempo da vida. Lá poderei desfrutar do sentimento do dever realizado, de ter podido cumprir a tarefa divina e ver que meu esforço hercúleo não foi em vão.
Aí, lá no bangalô em que irei viver, poderei observar sua caminhada por essas bandas, suas vitórias na vida profissional, suas conquistas na vida. E com certeza irei comemorar com uma boa taça de vinho, como nos bons e velhos tempos de vida terrestre.

quarta-feira, 6 de março de 2019

Corra que seu carro está pegando fogo


Em 1992, quando o Carrossel Caipira era uma das sensações do futebol paulista e brasileiro, comandado pelo técnico Osvaldo Alvarez, o Vadão, Mogi Mirim respirava futebol. A cidade apoiava o clube que sete anos antes havia subido para a Série A-1 do Paulista e dava trabalho para os grandes, principalmente quando jogava em seu estádio.
Naquela época eu era o chefe de redação do jornal O Impacto, um trissemanário comandado pelo Mauro de Campos Adorno Filho. O repórter esportivo era o Paulo Rogério Tenorio, mas eu também ia aos jogos para a cobertura e, conosco, o repórter fotográfico Emerson Araújo.
Naquela tarde do dia 15 de novembro, um feriado que caiu no domingo, quase 20 mil pessoas lotaram o estádio Wilson Fernandes de Barros para ver o confronto válido pela fase final do Paulista. O Mogi, com uma campanha excelente, havia terminado a fase inicial como primeiro colocado do grupo B e estava entre os oito que foram para a fase mais aguda da competição.
O jogo foi decidido apenas aos 39 minutos do segundo tempo quando Zinho fez o gol palmeirense. Era o começo da era Parmalat e o clube alviverde começava a armar o elenco que no ano seguinte quebraria um jejum de 16 anos sem conquistar o estadual.
Mas, o fato bizarro aconteceu fora das quatro linhas, mais precisamente fora do estádio. Naquele tempo ainda não havia a arquibancada que fica de frente para as cadeiras cativas e apenas um muro alto separava o gramado do estacionamento que ficava no terreno ao lado do estádio.
O espaço era explorado pelo CCI (Centro de Convivência Infantil), uma escola para alunos em idade pré-escolar que fica no Jardim Nazareth. Naquela tarde o local estava abarrotado de veículos, assim como as arquibancadas do estádio.
Das cadeiras, onde eu estava ao lado do Paulo, vi uma fumaça subindo do estacionamento. E, aí veio a nota do dia.
O serviço de alto-falantes do estádio era feito pelo Luiz Almeida, o Luizinho Bananeira, funcionário da Barros Auto Peças, que fazia o serviço a título de colaboração. Gente boa, simples, que vez por outra dava um fora.
Certa vez anunciou que havia sido encontrado um molho de chaves contendo uma chave. Se era apenas uma chave, então não era um molho, nome que se dá para uma porção delas.
Mas, naquele dia ele se superou. Ao ser informado que uma perua Kombi estava em chamas no estacionamento, imediatamente ligou o microfone e disparou: “atenção proprietário da perua Kombi placas..., corra, seu carro está pegando fogo”.
Duro de gente como estava o estádio, seria humanamente impossível o dono da Kombi chegar até o veículo, estacionado lá fora, para tentar alguma coisa. Não lembro se o veículo foi salvo, mas pelo menos o Luizinho Bananeira fez o seu serviço e deu o recado.


Coragem


A vida nos ensina que o mais importante é sempre seguir em frente, ter um objetivo a ser alcançado. E o mais importante nessa busca, além da fé em Deus, é ter coragem.
Muitas vezes perdemos a noção do caminho, pegamos a estrada errada na encruzilhada e acabamos percebendo, mais tarde, que o outro caminho era o correto, aquele que deveria ter sido seguido. A vida é assim, cheia de escolhas nem sempre corretas, amizades nem sempre bem escolhidas, decisões nem sempre acertadas.
E é aí que entra a coragem. Quando tudo parece perdido, sem solução, é ela que nos levanta do nada, nos ergue e recoloca nos trilhos mostrando o caminho certo.
Nem sempre escolhi o caminho das pedras, entendendo que elas poderiam ferir meus pés. Mais tarde percebi que era por ali que deveria ter seguido, enfrentado as feridas causadas pelas pedras e obter o resultado almejado lá na frente.
Nessa vida não se descansa nunca, sempre temos leões a enfrentar, às vezes um por dia, em muitas outras uma porção deles. Iniciamos a batalha sem saber se vamos vencer, mas tendo a coragem como aliada o percentual de chance é bem maior.
Ter coragem é primordial para seguirmos em frente, enfrentar os percalços da vida, agradecer pelos degraus superados e iniciar uma nova batalha. E tudo isso ciente de que só iremos descansar quando não houver mais objetivos a alcançar, que a luta acabou e a vida nos venceu.
Sigo em frente, com fé e coragem, pois sei que minha tarefa é árdua e ainda está longe de acabar. Afinal, Deus não dá um fardo mais pesado que aquele que podemos suportar.
Se um dia eu estiver sem forças para prosseguir, desorientado por não encontrar o caminho, desanimado por não descobrir a solução para o problema, me dê a mão e uma dose de coragem. Certamente estarei pronto para seguir lutando.
Coragem é o que a vida nos pede. E, como Guimarães Rosa deixou gravado para sempre em Grande Sertão: Veredas – “o correr da vida embrulha tudo, a vida é assim, esquenta e esfria, sossega e depois desinquieta, o que ela quer da gente é coragem”.

Com asas nos pés

Vi esse menino correndo atrás da bola, aterrorizando as defesas contrárias nos campinhos da vida. Fosse no campo dos Prados, onde o trem passava atrás de um dos gols, ou na Santa Cruz, bem pertinho do cemitério.
Não importava quem estivesse pela frente, grande ou não, ele passava como um bólido, sempre com a bola grudada no pé direito, driblando laterais, zagueiros, buracos e touceiras.
Naquele tempo não havia as facilidades de hoje, os gramados de hoje ou os recursos oferecidos aos garotos, como chuteiras macias, caneleiras, bolas impermeáveis e tudo mais. Era na raça mesmo, descalço, com bola que quando abria a costura mostrava a câmara de ar que havia dentro dela.
Sílvio, ou Dé, como era conhecido por todos nós, parecia ter asas nos pés. Quando partia em direção ao gol adversário era difícil ser parado.
Vi aquele jovem, antes um garoto, progredir e ganhar espaço no time da cidade. Com a camisa grená do Itapira, despontava como grande promessa de seguir carreira e para tanto bastava uma chance de provar seu talento.
A chance veio, e justamente no Palmeiras, seu e meu time do coração. E lá se foi o garoto de 18 anos tentar a sorte em um time grande, recheado de craques.
Não demorou muito e lá estava ele, envergando a camisa 7 do Alviverde do Parque Antarctica. Suas jogadas pela direita, suas infiltrações defesa adentro levavam pânico ao adversário e eram uma arma mortal utilizada para alcançar a vitória.
Acompanhei sua trajetória, pelo rádio, pela TV ou mesmo in loco, no estádio. Vi ele desmontar a defesa do Botafogo do Rio em um jogo no Pacaembu, até ser sacado do time pelo técnico Jorge Vieira, que ouviu o tradicional coro de ‘burro’ entoado pela torcida.
Vi aquele veloz camisa 7 contribuir com seus passes para o Palmeiras eliminar o Internacional no Morumbi e chegar à final do Brasileiro de 78. Se não foi campeão, pelo menos provou seu talento com a bola nos pés.
Com dor no coração ouvi pelo rádio o lance em que um lateral de nome Manoel, do Botafogo de Ribeirão Preto, usou a violência para parar aquele ponta veloz e praticamente selar sua passagem pelo Palmeiras. Assim quis o destino, senhor de todas as ações.
Sílvio seguiu sua carreira, defendeu outros clubes, mostrou que sabia o que fazer com a bola, mas a vitrine já não era a mesma. Encerrou sua carreira em outro alviverde, o União São João, de Araras, cidade que escolheu para seguir a vida, constituir família e ensinar o que sabia aos garotos da base.
Só quem viveu aquela época sabe do que estou falando. Só quem viu aquele garoto com asas nos pés sabe que talento não se compra no mercado da esquina, mas já vem no sangue que corre nas veias.



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terça-feira, 5 de março de 2019

Cor da pele não é referência


Nunca tive preconceito algum, principalmente em relação à cor da pele das pessoas. Tive e tenho muitos amigos afrodescendentes que valem muito mais que muitos brancos que se julgam superiores.
Na minha infância um dos meus grandes amigos e que conservo até hoje foi Vicente Gomes. De família pobre, Vicente morava na Ladeira São João, na casa humilde que ficava depois da residência do Santos Giovelli.
Morava com os avós Zulmira e Calixto e era dono de uma categoria inigualável no trato com a bola. Normalmente, apesar de ser mais velho, era o meia-armador do nosso time o Paulistinha.
Vicente era muito querido por todos na rua de casa. Já adolescente, seu primeiro emprego foi na Fábrica de Móveis Santa Terezinha, da qual meu pai era um dos sócios.
Lembro que, por fazer aniversário junto com minha irmã Claudia, no início de agosto, certa vez, em uma festa de aniversário dela, minha mãe convidou ele para que assim pudesse comemorar seu aniversário também.
Quando se casou meus pais foram seus padrinhos. E até hoje, quando vez por outra encontro com ele, sempre relembramos aqueles bons momentos da infância e adolescência.
Sempre tive bons amigos da raça afrodescendente. Todos queridos e parceiros em muitas oportunidades.
Nos tempos de Centrão um dos amigos sempre presente era o Luís Sérgio Rosa, o Rosinha, que por muito tempo foi guarda na Caixa Federal. Todos os domingos ele e o Paulo Sérgio da Rocha, o Rochinha, eram meus companheiros de discoteca.
Hoje, nesse mundo globalizado, mas tão vilipendiado pela mentalidade humana, que a cada avanço na tecnologia sofre regressão na capacidade de raciocinar e avaliar as verdadeiras relações entre os seres humanos. Cada vez menos a maioria das pessoas se vê diante de facilidades oferecidas pela tecnologia e perde a noção do quanto é importante o relacionamento, a convivência, o respeito e a valorização do semelhante.
Se cor da pele for motivo para diferenciação entre povos, então creio que o ser humano regride a cada instante. Cor da pele não significa status, inteligência, posse ou poder, mas significa apenas a miscigenação de raças.
Ser negro, branco, amarelo ou mulato é apenas um pequeno detalhe que não esconde o valor da pessoa. Julgar alguém tendo a cor da pele como referência é ter a mentalidade tacanha, retrógrada e merecedora de desprezo.

Centroavante de verdade


Ele não tinha porte e muito menos altura para ser um centroavante. Não chutava forte, mas quando a bola caía nos seus pés, as chances de gol eram notórias.
Wilson Foraciepe foi o que se pode chamar de terror das defensivas contrárias. Em 1969, aos 23 para 24 anos, foi o artilheiro do Campeonato Paulista da Terceira Divisão atuando com a camisa nove da Sociedade Esportiva Itapirense e ainda ajudou a Vermelhinha a chegar ao título após uma campanha memorável.
Naquele tempo o jogador clássico tinha seu valor. Quem sabia tratar a bola com habilidade era tido como craque.
Eu vivi esse tempo e tive o prazer de ver Foraciepe jogar. As tarde de domingo no Chico Vieira eram imperdíveis e eu, aos 13 anos, era fã daquele camisa nove que tinha sede de gol. Eram raros os jogos em que ele passava em branco e naquele campeonato deixou sua marca em quase todos os confrontos, aniquilando as defensivas contrárias.
O time da Esportiva era respeitado. A diretoria havia mesclado jogadores da cidade com outros de cidades vizinhas como o goleiro Écio, o zagueiro Ivan, o volante Fausto e o meia Didi, que atuava aberto pela ponta. .
O time titular era conhecido por 10 entre 10 torcedores. A formação era Écio;, Tu, Zé Frangueiro, Ivan e Edi Picolli; Fausto, Zé do Ítalo e Didi; Ronoel, Foraciepe e Bugiu, mas o técnico Zé Coradi tinha no banco jogadores como o goleiro Bonga, o lateral Reginaldo, Kally, Joel de Melo, Lobeto e Mineiro, entre outros, que quando eram chamados davam conta do recado.
Mais tarde, cerca de quatro anos depois, tive o prazer de conhecer aquele centroavante de perto. Foi quando passei no concurso e fui trabalhar no escritório da Usina Nossa Senhora Aparecida.
Minha mesa era justamente atrás da que ele ocupava e muitas histórias eu pude ouvir daquele que eu idolatrava ao ver jogar. Certa vez ele me disse que por ser tímido havia deixado de ir para um time grande.
E, se vê-lo atuar, sentado na arquibancada do Chico Vieira já era maravilhoso, o que dizer de atuar ao seu lado no time usinense? E eu tive essa honra, pois pude jogar ao seu lado e ver sua habilidade e sua rapidez de pensamento na hora de definir o lance.
Wilson Foraciepe marcou seu nome no futebol itapirense e fez história dentro de campo. Certa vez, em um jogo da Terceira Divisão de 69, o campo lotado e os torcedores ansiosos para ver o time vencer e vê-lo estufar as redes adversárias, mas naquele dia, ciente de sua capacidade, só marcou depois que driblou praticamente o time adversário inteiro. Depois disso ainda fez outros gols em mais uma grande vitória do time itapirense.


Carnaval de rua e a disputa das escolas de samba

Tudo começou com o Broskio da Negada. Um bloco carnavalesco criado em meados da década de 70 e que pode ser considerado o ponto de partida para a era de ouro do Carnaval de rua de Itapira.

Formado por jovens da época, o Broskio era a grande atração do carnaval itapirense naquela época. Sua contribuição para o crescimento da festa popular na cidade é inestimável e foi dele que nasceu a inspiração para a criação de escolas de samba.

Na segunda metade da década de 80 o Carnaval de Itapira era tido como um dos melhores da região. Suas escolas de samba disputavam, ponto a ponto, as notas dos jurados e o título de campeã.

Essa disputa, nem sempre saudável, fazia com que a cidade se transformasse no centro das atenções. Quem morava em outra cidade vinha para os bailes, para desfilar nas escolas ou simplesmente assistir aos desfiles.

Era o tempo da Unidos da Nove de Julho, Imperatriz da Santa Cruz, Acadêmicos da Vila Ilze, Mocidade Alegre da Vila Boa Esperança, Mocidade Unida da Vila Bazani e outras menos votadas. Aliadas aos blocos dos Bichos e Nheco, levavam multidões às arquibancadas da praça Bernardino de Campos.

Adilson Ravetta, Gordo Moraes, Fifo, Bujija, Neguinho, Claudio Maria, Paulinho Manha, Mano Colferai e tantos outros nomes eram as estrelas maiores desse espetáculo que culminava com a apuração na noite de quarta-feira de Cinzas, na Casa da Cultura João Torrecillas Filho.

A partir do início de janeiro as escolas buscavam o que havia de melhor no que diz respeito a passistas, músicos, cantores e alegorias com o intuito de vencer a disputa. Colocavam seus blocos na avenida as escolas como Nove de Julho, Imperatriz da Santa Cruz, Mocidade Alegre da Vila Boa Esperança, Acadêmicos da Vila Ilze, Unidos da Vila Bazani e outras menos votadas.

A multidão que lotava as arquibancadas montadas na Praça Bernardino de Campos delirava durante a passagem da escola preferida. Sem falar do Bloco dos Bichos e suas sátiras e a Banda do Nheco, que nasceu na década de 80 e ainda hoje encanta crianças e adultos.

A disputa das escolas era tão intensa que a Rádio Clube de Itapira dedicava boa parte de sua programação na divulgação das escolas e seus sambas de enredo. Os programas Clube do Ouvinte, do Dácio Clemente, pela manhã, e Super Plá, comandado por Paulo Marin, à tarde, atendiam ouvintes pelo telefone e entre as músicas pedidas estavam os enredos das escolas locais, normalmente gravados em estúdios profissionais.

Sem contar que à noite a emissora abria espaço para os programas carnavalescos comandados pela Conceição Pavezzi Dantas, que entrevistava dirigentes, passistas, costureiras e quem quer que fosse, desde que estivesse envolvido na folia. A audiência era maciça devido ao grande apelo popular que o Carnaval sempre teve na cidade.

Itapira, naquela época, vivia de forma intensa o Carnaval. Mas tudo isso acabou ficando no passado. O Carnaval de rua também perdeu o encanto. As arquibancadas, apesar da gratuidade, só lotam nas noites em que a Banda do Nheco se apresenta.

As escolas fecharam suas portas e apenas algumas insistem em desfilar, mais pela garra de alguns abnegados. A Rádio Clube, apesar de transmitir os desfiles, quando eles ocorrem, não enfatiza mais o Carnaval em sua programação, mesmo porque não há o que divulgar ou quem entrevistar.


Carne, queijo ou palmito?


Em uma época não muito distante, na metade do século passado, Itapira tinha os pontos prediletos das pessoas. Fosse para um simples cafezinho, um pastel ou uma bebida, cada um tinha seu local preferido.
E um desses locais, sem dúvida, era a Pastelaria Kashiba, que ficava na parte inferior do Palacete Anastácio, bem em frente a parte baixa da Praça Bernardino de Campos. Um local pequeno para o movimento que tinha, principalmente pelas delícias que comercializava.
Lembro bem das delícias que o Hideo Kashiba preparava, os pastéis de carne, queijo ou palmito, o café cheiroso e fresquinho e meu refrigerante preferido, a Cerejinha, que só ali era encontrada. Vez ou outra, sempre que podia, meu pai nos levava naquela pastelaria de balcões altos para o meu tamanho, mas com um cheirinho inconfundível de pastel frito na hora.
Certos lugares, mesmo depois de tanto tempo, permanecem vivos em nossa memória. Assim como o Bar do Odilon, o Bar Central, o Itapira Bar, o Cine Paratodos, o Cine Rádio, o Cine Bar, o Bar do Edifício e o Chopão, a Pastelaria Kashiba formava o bloco de opções para quem frequentava a praça central da cidade.
Fosse nos finais de semana ou mesmo durante os dias de trabalho, era comum aquele pequeno espaço estar lotado de pessoas ávidas por um café fresco ou um pastel saboroso.
Cresci aprendendo a valorizar esses momentos que hoje permeiam a memória de quem viveu tudo isso. Lembro da forma gentil como o ‘seo’ Hideo e sua família tratavam as pessoas, desde as mais abastadas até mesmo aqueles que muitas vezes nem tinham o dinheiro suficiente para um pastel.
O Hideo se foi para o andar de cima, levou com ele uma parte de todos os que frequentaram seu estabelecimento, mas deixou uma família inteira formada por pessoas de boa índole. Marcou seu tempo nesse mundo e aqui deixou sua história.
Carne, queijo ou palmito? Não importava o sabor ou o recheio, o bom mesmo era sentir o aroma e o sabor daqueles pasteis.

Carrinho de rolimã


Todos nós, pelo menos uma vez na vida, já andamos em um carrinho de rolimã. Feito em madeira, com rodinhas que giram através das bolinhas colocadas em uma espécie de engrenagem, o carrinho normalmente é dirigido com os pés.
O quarteirão que eu morava desde que nasci era propício para esse tipo de brinquedo. Com a calçada dotada de leve declive, era só embalar o carrinho lá na esquina onde ficava a Farmácia Nossa Senhora da Penha e torcer para que ninguém entrasse na frente.
A rua de casa, mais precisamente o quarteirão entre a Rua XV de Novembro e a Ladeira São João, era repleto de crianças. E a cada época do ano a brincadeira era diferente.
Tinha a febre do pião, das pipas, das brincadeiras de rua e tinha também a épocas do carrinho de rolimã. Aí a coisa fervia e era carrinho pra cima e pra baixo o dia inteiro.
Por causa das rodas em aço, além do barulho que produzia, o brinquedo muitas vezes riscava a calçada, principalmente na hora de colocar o pé no chão e brecar. E era aí que a confusão se formava.
Meu pai, sempre austero, não era muito chegado a esse tipo de brincadeira e quando ficava irritado saía na porta de casa e reclamava com os meninos que estavam descendo a calçada com os carrinhos. Isso fazia com que muitos deles tivessem medo dele e outros, mais rebeldes, davam de ombros e a brincadeira continuava.
Mas, o que meu pai não sabia era que o chefe da turma, ou melhor, a chefe da turma era sua filha mais nova. Minha irmã Claudia, que sempre gostou de fortes emoções, era a líder do grupo dos carrinhos de rolimã.
Claro que se soubesse da proeza dela meu pai iria virar o bicho, então tudo era feito as escondidas. Lembro de uma vez que, ao descer de patinete a calçada de casa, ela perdeu o controle do brinquedo e deu na parede, esfolando o tornozelo.
Com medo da reação do meu pai, que estava para chegar do trabalho para o almoço, entrou em casa escondida, sem que minha mãe visse, e quem curou o pé da corredora fui eu. Aliás, era sempre assim: ela aprontava das suas e eu acobertava e livrava ela do pior.
Talvez seja por isso que nos damos tão bem e somos não apenas irmãos, mas parceiros de todas as horas. Recordar esse tempo nos remete a um costume praticamente em desuso nos dias de hoje, tão atrelado à tecnologia e às telas de celulares, iPhones, tablets e outros brinquedinhos do gênero.


Camisa branca de gola vermelha


Era uma vez um grupo de garotos que residiam no mesmo quarteirão. Todos eles tinham a mesma paixão: a bola.
Se fosse um conto ou uma fábula, bem que poderia começar assim, mas o fato é que tudo isso é real. Éramos garotos e, como a maioria deles, gostávamos de jogar futebol.
Naquele tempo qualquer terreno baldio servia para nossas peladas, transformadas em nossa imaginação em verdadeiros clássicos. Até mesmo a rua de casa, pavimentada com paralelepípedos disformes, era palco para nossos jogos noturnos.
Mas havia também os jogos contra times de outros bairros e nessas ocasiões era necessário ter nosso uniforme. Jogar sem camisa ou com a roupa do corpo não era de bom tom e havia a necessidade de um uniforme, mesmo que fossem somente as camisas.
E tínhamos também os dias de glória, esperados meses a fio, que era o momento de subir o escadão da Ladeira São João para enfrentar o time do Parque Infantil Narciso Pieroni. A disputa por vaga na fila para enfrentar o time do parquinho era árdua, tinha muitos times que queriam jogar naquele campinho gramado com traves pintadas em verde escuro.
Nossa sorte mudou quando o José Eduardo Rocha, que era nosso vizinho de quarteirão, ganhou um uniforme de presente. Eram sete camisas brancas com golas vermelhas em V e uma camisa de goleiro.
Era o que bastava para vestir nosso time. No campinho do parque jogavam sete na linha e um no gol.
Era difícil ganhar daquele time, mas nossa estatística no confronto era das melhores, com equilíbrio entre vitórias e derrotas. Sempre com nosso garboso uniforme branco de golas vermelhas.
Lembro de uma manhã qualquer de um dia de semana que fomos até o caminho perto do cemitério enfrentar o time do bairro. Chegamos na perua Kombi do Tinho Venturini e já descemos para o campo uniformizados.
Vencemos por 2 a 1 em um jogo difícil. No primeiro tempo joguei na linha e contribui com um gol de cabeça, no segundo tempo fui para o gol para revezar e dar vez para quem estava na posição poder jogar na linha também e acabei defendendo um pênalti.
São momentos inesquecíveis para aquele menino magricela de orelhas grandes que um dia envergou uma camisa branca de golas vermelhas e defendeu o time da sua rua como se estivesse jogando um clássico. Momentos inesquecíveis que jamais deixarão de ser lembrados.

Caixão não tem gaveta


Um dia todo mundo vai embora desse mundo. Essa é a única certeza que temos durante nossa passagem por essas bandas.
Se vamos ser ricos ou pobres, só Deus sabe. O certo é que quando fizermos o embarque para a última viagem, o caixão, aquele em que nossos restos mortais serão colocados, não terá gaveta, cabide, cofre ou estacionamento.
Nunca me prendi por bens materiais, sempre quis ter apenas aquilo que provém, o que dá para o sustento, principalmente de minha pequena Mariane. Fui constatar isso somente depois que me tornei pai.
O dinheiro é bom? Sim, não nego. Mas é o mais importante de todos os bens? Nem de longe.
Para mim, o que vale mesmo são os princípios, a consciência tranquila e o sentimento do dever sendo cumprido a cada etapa. De nada adianta ser abastado se o espírito é pobre.
Sou capaz de dar tudo que possuo para ver a felicidade de alguém que esteja necessitado. Talvez por isso nunca tive muito ou apenas aquilo que era o suficiente.
Nunca fui escravo do dinheiro e nunca serei. Posso passar necessidade, deixar de comer, contanto que quem dependa de mim tenha o necessário.
Já passei por muitas etapas de penúria nessa vida e não culpo esse ou aquele, a não se eu mesmo, por isso. Mas, a partir do momento que do meu lado tinha um ser indefeso e que dependia de mim, enfrentei e venci inúmeros leões diariamente.
Tenho orgulho de ter sobrevivido a tantas etapas difíceis, como quando me vi sem emprego por ter sido dispensado do meu trabalho na administração municipal meramente por questões políticas. Sai do paço municipal com uma mão na frente e a outra segurando a mão da minha pequena, ciente de tudo que teria pela frente e estou aqui, cada vez mais forte.
Não poupo esforços para que ela tenha a melhor escola, boas roupas, um lar, comida decente e carinho, principalmente carinho. O resto, como se diz, eu corro atrás.
O dia em que me sentir incapaz de oferecer a ela tudo o que merece, então estará chegada a hora de embarcar naquele caixão sem cofre, sem gaveta, cabide ou estacionamento. Irei sim, mas irei feliz, sabendo que nunca deixei de me doar para ver alguém feliz e isso se chama riqueza de espírito.

Bife a rolê enrolado


Minha mãe sempre cuidou da comida com esmero, pelo menos enquanto a saúde permitiu. Sempre foi de fazer belas roscas, doces, pudins e outras iguarias, principalmente nas tardes de sábado.
Mas de seus dotes culinários também faziam parte pratos salgados e sempre experimentava alguma receita nova. Seu macarrão feito em casa, por exemplo, era de se comer rezando como dizem por aí quando a comida é boa, o mesmo se podia dizer do nhoque, que ela mesma preparava depois de ir ao mercadão e, de faca em punho, testar a batata para ver se dava liga.
Dizia que a batata boa para o nhoque era a binge. Ela cortava uma ao meio e juntava as duas partes outra vez. Se grudasse era porque dava liga e aí o nhoque seria de qualidade.
Mas, ao mesmo tempo em que cozinhava bem, sempre se preocupava com a família. Principalmente quando preparava algum prato diferente.
Certa vez, na hora do almoço, inventou de fazer bife a rolê. Lembro que o recheio tinha bacon, cenoura e outras iguarias que deixavam o bichinho com um sabor muito bom.
Naquele dia, como não tinha palitos para prender a carne depois de enrolada, deu uma de professor Pardal e amarrou cada bife com linha de costurar para que o recheio não escapasse quando fosse cozinhar no molho. A invenção deu certo e tudo ficou em seu lugar.
Mas, preocupada que ninguém se esquecesse de tirar a linha na hora de comer, avisou todos nós da tal da linha. A cada bife que saia da travessa era um aviso.
Até que aconteceu o inesperado. Mesmo avisando todo mundo que a linha podia enroscar na garganta e que era para termos cuidado, ela acabou esquecendo e comeu o tal do bife a rolê com linha e tudo. Imediatamente sentiu que tinha feito besteira e a coisa ficou ainda pior quando a linha fez sua parte e enroscou na garganta.
Passado o susto e refeita do problema, minha mãe riu dela própria por ver que avisou tanto a gente e acabou se esquecendo de tirar a linha antes de comer. Daquele dia em diante, cada vez que ela fazia bife a rolê, mesmo colocando os devidos palitos para segurar o recheio, já recebia o aviso de tomar cuidado com a linha.

Belas tardes de domingo


Mitos marcam os ciclos de nossas vidas e ajudam a formar nossa memória e nossa história. Quem nunca idolatrou um mito que atire a primeira pedra.
Nos meus tempos de adolescência tive meus ídolos e mitos. Não apenas aqueles inalcançáveis como grandes jogadores de futebol ou heróis de seriados ou histórias em quadrinhos.
Tive ídolos e mitos que viviam na mesma cidade e que podiam ser vistos a qualquer momento. Mas, era nas tardes de domingo que eu mais gostava de vê-los em ação.
Era no velho Chico Vieira, lá longe de casa, que eu passava minhas belas tardes de domingo para em 90 minutos ver o que eram capazes de fazer com a bola nos pés. Para mim eram verdadeiros heróis, pois treinavam no período noturno, quando treinavam, para depois enfrentarem os adversários nas tardes de sol escaldante.
Se na minha pré-adolescência tive a oportunidade de ver a Esportiva ser campeã da Terceira Divisão de 69, nos anos 70 foi a vez de idolatrar um grupo que, apesar das dificuldades e de não ganhar nada para jogar, ficou vários anos sem perder no Chico Vieira.
Vi muita gente vestir a camisa grená do Itapira Atlético Clube. Uns com maestria, outros nem tanto, mas todos com a mesma valentia.
E todos, sem exceção, se transformaram em mitos para os jovens e adolescentes da época. E tinham o respeito e carinho dos mais velhos.
Costumo dizer que sem personagem não há história para contar. E sem os ídolos e mitos não há feitos para relatar.
Aquele foi um tempo diferente, todos jogavam pelo amor a bola e a camisa que vestiam. Não havia chuteiras coloridas, cabelos descoloridos ou tatuagem encobrindo braços, pernas e outras partes do corpo.
Era um tempo mais romântico, um tempo em que muitos daqueles jovens se agigantavam dentro das quatro linhas davam o que tinham e o que não tinham pela vitória. Sem contar que algumas vezes saíam de um baile na noite anterior praticamente direto para o vestiário, mas mesmo assim estavam lá, prontos para a batalha que os esperava.
Ver as defesas de um Luizinho, um Sabadini, um Roberto Cremasco ou de tantos que envergaram a camisa 1 do time era fantástico. Assim como era bom ver o trato com a bola de um Almir, um Toninho Bellini, um Mineiro; a raça de um Pirulito, um Nelsinho, um Tadeu Venturini, um Carlinhos Mendes; a vontade e a capacidade para marcar um gol de um Dado, um Tuia, um Fifo, um Pedro Paulo, um Dé, um Kalu, um Cabrita e tantos outros que lá na frente tinham no meio-campo a maestria de um cara chamado Flávio Boretti.
Tempos bons aqueles! Nem sempre o dinheiro do ingresso estava disponível, mas meu pai, sabedor da paixão que eu tinha pela bola, colaborava e lá ia eu a pé até aquele templo do futebol, mas feliz por ter a oportunidade de viver mais uma bela tarde de domingo.
Mitos marcam os ciclos de nossas vidas e ajudam a formar nossa memória e nossa história. Esses foram meus mitos da juventude, que me ajudaram a construir minha memória e minha história.

Avenida sem biris


A Avenida dos Biris sempre foi um dos pontos principais da cidade. Sua vista para a parte baixa que compreende o Cubatão, parte dos Prados e até a Vila Izaura, sempre foi algo deslumbrante, principalmente no nascer do sol, que desponta atrás das montanhas.
Suas frondosas árvores, que deram o nome ao logradouro, além de enfeitar, protegiam a encosta e ofereciam às crianças os biris que serviam para diversas brincadeiras. Desde a curva onde começa o barranco que divide o parque da Avenida Brasil, até quase onde hoje está a lanchonete, tudo era bem diferente.
A partir da luminosa ideia que alguém que se acha dono da cidade teve de mudar a avenida, acabou-se o que era doce. A Avenida dos Biris perdeu suas árvores frondosas, as crianças perderam seu brinquedo, a natureza perdeu o sentido e tudo ficou igual a qualquer outro lugar.
O encanto do local era a sua cara de natureza, os raios de sol entre os galhos dos birizeiros, a brisa soprando suas folhas, aquele ar bucólico e a vista que tudo isso proporcionava para quem por ali passava. Hoje, o que restou disso foi apenas a vista da parte baixa da cidade, algo que ser humano nenhum, nem mesmo aqueles que se acham donos de tudo, podem tirar.
Para quem não sabe, o birizeiro é uma árvore rara encontrada no cerrado, principalmente em Mato Grosso. Acabar com elas, além de acabar com um dos cartões postais da cidade, foi agredir a natureza. Qual cidade tem ou tinha árvores tão belas enfileiradas em uma avenida?
Hoje, a encosta do parque é cercada por uma mureta com balaústres, que serve apenas para que o lixo depositado por vândalos e negligentes fique escondido. Mas, quem se debruça na tal mureta para observar a vista, se olhar para baixo com certeza irá se deparar com uma montanha de garrafas pet, copos, sacolas plásticas, entre outros detritos.
Será que um dia o ser humano voltará a ter consciência que não se deve mexer com a natureza, mesmo que seja para se autopromover? Mexer no que é belo aos olhos de quem vê deveria ser crime inafiançável, pois só assim nossos patrimônios jamais seriam destruídos.

Apelidos exóticos


Que o brasileiro é pródigo em inventar apelidos todo mundo sabe. Basta comparar times de futebol de outros países com os nossos, recheados de nomes exóticos.
Nos tempos atuais nem tanto, salvo algumas exceções a maioria é conhecida por nome e sobrenome ou nomes duplos. Mas, antigamente, era Pelé, Didi, Vavá, Garrincha, Tostão, Beto Fuscão, Zico, Quarentinha e por aí afora.
Durante nossa vida mesmo, quantas e quantas figuras ficaram conhecidas pelo apelido ou até mesmo por um nome que não era o seu. Alguém por acaso sabe que o Pedro, pai do Dão Rossi, não se chama Pedro e sim Onofre?
Acredito que muita gente desconhece esse detalhe que fez até mesmo o Onofre se esquecer de seu próprio nome. Certa vez, quando ainda era sócio do Mingo Bruzasco no açougue, ao atender uma ligação telefônica e ouvir a pessoa do outro lado da linha pedir para falar com o Onofre, virou-se imediatamente para o sócio e perguntou quem era esse tal de Onofre.
Mas, povo pródigo em colocar apelidos e daqueles bem exóticos eu conheci nos meus tempos de Usina Nossa Senhora Aparecida. Lá, dificilmente alguém era conhecido pelo nome.
E tinha cada apelido! Era Cido Bacate, João Cudiguia (melhor escrever emendado, embora leia-se separado), Gatão, Zé Sóco, Pacu, Bertozo, Zé do Mato, Coitão, Canário, os irmãos João de Lau e Cido de Lau, entre tantos outros.
Tinha também os que eram conhecidos pelo local onde trabalhavam como Sebastião Manoel, que era o Bastião da Bomba; o José Luiz Gonçalves, transformado em Zé Luiz da Balança; o José Scholz, conhecido como Zé do Armazém. Ou aqueles que já carregavam o apelido desde criança como o Lito e o Nô, filhos do Zé Luiz da Balança; o trio Lelo, Nado e Dô, filhos do José Maria de Queiroz; o Zezinho do Juca, assim conhecido por ser filho do Juca; o Chupeta, o Pará e o Murilinho, nascido Waldomiro Fernandes, mas até hoje chamado assim por ser um pouco parecido com o doutor Murillo Arruda.
Infelizmente, nos dias de hoje já não há mais a habitantes na colônia, como eram conhecidas as casas da longa rua que ligava a estrada até a moenda. Já não há mais casas, já não há mais habitantes, restou apenas a história de vida de cada uma das pessoas que ali viveram, formaram suas famílias e ganharam apelidos exóticos.


Alô, telefonista


A velocidade com que conseguimos os comunicar nos dias atuais, cada vez mais globalizados e integrados através de uma infinidade de canais, contrasta com o que havia em um tempo em que só por Deus era possível falar com alguém via telefone. Era sentar, esperar, rezar e torcer.
Nos meus tempos de criança a única forma de se falar com alguém via telefone era tirar o aparelho do gancho, aguardar a telefonista atender e pedir para completar a ligação para um determinado número; Daí em diante, podiam ser minutos, horas... e haja paciência.
Lembro que na minha casa não tinha telefone e quando dava aquele comichão de ligar na Rádio Clube e pedir uma música no programa do Dácio Clemente o jeito era ir na vizinha e pedir para que deixasse a gente usar seu telefone. A vizinha ao lado era a dona Olga Passarela, esposa do maestro Américo Passarela, e sempre que pedíamos, ela gentilmente abria as portas de sua casa para que pudéssemos realizar nosso desejo.
Ligar para algum parente em outra localidade era outro problema. Era necessário ir até a Telefônica, que ficava na Campos Salles, onde hoje está a Agrocentro, pedir a ligação, sentar e esperar que a mesma fosse completada.
Lembro que por lá passaram pessoas boas, atenciosas e pacientes como a Dezolina Eugênio Tossini, a Zola; a Malqui Martins Bayod, e a Albina Robustes, a Bina, prima da minha mãe, que detestava o próprio nome e inventou um outro que era do seu agrado. Mudou o nome para Sandra, mas a fuça continuou a mesma.
Tudo isso faz parte do passado, um passado que já vai longe. Mais de meio século já foi embora e tudo isso virou motivo de chacota para quem não viveu aquele tempo.
Mas, você lembra disso tudo? Lembra de ter pedido música no programa do Dácio Clemente utilizando os serviços da telefonista? Lembra de ter usado aquele telefone preto pesado, que não tinha o sistema de discagem e funcionava quando a pessoa tirava o fone do gancho? Se lembra, então está ficando velho como eu.

Alma pura, coração de ouro


Conheci Leo Santos em 82 durante os Jogos Regionais da Zona Leste que Itapira sediou, naquele ano, pela primeira vez. Eu fazia um bico pelas ondas da Rádio Clube e ele era fotógrafo do jornal Cidade de Itapira.
Nossa amizade nasceu ali e posso afirmar que é uma amizade que prezo e conservo. Leo, nascido Leovaldo, tem uma alma pura, um coração enorme e de ouro, e, como dizia Luiz Antonio da Fonseca, o Toy, nos nossos tempos de rádio, “o Leo pode estar com um baita problema, mas está sempre com um sorriso estampado no rosto”.
Ao longo do tempo tive esse amigo como companheiro de trabalho em várias situações e órgãos de imprensa. Trabalhamos juntos nos jornais Cidade de Itapira e O Impacto de Mogi Mirim, nas rádios Clube de Itapira e as mogimirianas Cultura, Chamonix e CBN, e vivenciamos muitas experiências.
Fui seu padrinho de casamento com a dona Penha em 86 e me orgulho disso, pois vi aquele amigo construir sua família com muito esforço e amor. Desse casamento nasceram a Júlia e a Isabela e hoje Leo é avô do Miguel.
Mas, por trás daquela alma pura e daquele sorriso constante tem algumas coisas que fazem desse amigo um ser ainda mais especial. Talvez, pela pureza de sua alma, Leo nunca pensou duas vezes para falar ou agir.
Nós, do meio jornalístico, costumamos dizer que falar do Leo daria para escrever um livro, daqueles grossos, tantas são as passagens bizarras proporcionadas por ele.
Uma delas ocorreu no dia 15 de abril de 93. Era meu aniversário e eu chefiava a equipe de esportes da Rádio Cultura de Mogi Mirim, da qual Leo era um dos repórteres de campo.
O Mogi Mirim, de Leto, Válber e Rivaldo, iria enfrentar o Palmeiras no Palestra Itália e lá fomos nós para fazer a cobertura. No volante o Ismael Rodrigues, do seu lado o saudoso Valentim Antonio, grande narrador; no banco de traz, além de mim, o Leo e o saudoso Ademar Hernandes.
Mal a viagem se iniciou e o Leo já fez das suas. Ao ver uma pessoa bêbada no meio do mato, bem no trevo de acesso para Limeira, mandou ver e me disse: “aquele ali era comentarista”, querendo insinuar que eu ficaria daquela maneira no futuro.
Qual foi sua surpresa ao ver, quando o carro se aproximou, que aquela pessoa era seu tio. “Meu tio Dino”, disse, espantado e ao mesmo tempo desconsertado.
A viagem toda, durante a transmissão e no nosso jantar de comemoração em uma cantina do Bexiga, Leo teve que ouvir as brincadeiras sobre seu tio Dino. Claro que tudo de maneira saudável, que Leo absorveu e levou na brincadeira.
Grande fotógrafo e profissional competente, tive o prazer de cobrir, ao seu lado, a segunda edição dos Jogos Regionais na cidade, isso em 91. Trabalhávamos no Cidade de Itapira e o jornal circulava diariamente com todas as informações da competição.
Lembro bem de uma foto feita por ele, com seu faro de fotógrafo. O jogo acontecia no Bento Nunes, no bairro do Cubatão, e reunia Araras e uma outra cidade que não me recordo.
Na lateral-esquerda do time ararense ninguém menos que Roberto Carlos. Não o cantor, claro, mas o dono de um dos chutes mais potentes que o futebol mundial já viu.
Ao cobrar uma falta, que por sinal foi parar nas redes do adversário, Roberto Carlos colocou toda sua força e a foto registrada pela objetiva do Leo Santos mostrou toda essa força traduzida em músculos enrijecidos daquele que mais tarde se transformaria em um dos grandes laterais do futebol mundial.
Leo Santos merece minhas reverências, não apenas como profissional, mas como uma pessoa pura, de alma leve. Um ser humano daqueles que podemos contar nos dedos das mãos.

Ah, se eles ainda estivessem por aqui


Nesse mundo de hoje, em que as músicas de Carnaval já não existem mais e o conceito sobre essa festa popular é totalmente contrário a tudo que o vivemos, como seria bom se pudéssemos voltar no tempo e reviver os grandes bailes carnavalescos de outrora. Seria como um reencontro com grandes músicos da terra e grandes orquestras que davam o tom para os bailes.
Talvez fosse pedir muito ao Homem lá cima para que liberasse, mesmo que por uma noite, alguns dos grandes músicos itapirenses de uma época de ouro. Seria uma forma de oferecer às pessoas que não viveram aquele período maravilhoso uma oportunidade para que pudessem ouvir e descobrir o que é música de verdade.
Fico imaginando se pudéssemos receber por aqui nomes como Antonio Brianti, o Tocha, músico de primeira linha e líder de uma das mais famosas orquestras da região. Com ele poderiam desembarcar, vindo do andar de cima, Alair Toledo de Oliveira, o Ito do Teté; Benedito Avancini, o Naite, dentista e baterista dos bons; Milton Guinesi, violonista de mão cheia; Guido Atílio Cremasco, o Tite Cremasco e seu violino; Aylton Riberti e Aparecido Ampélio Riberti, o Cidão Riberti, cujo sobrenome já diz tudo em matéria de talento musical, e tantos outros que me fogem à memória no momento, mas que contribuíram para que aquele fosse um tempo mágico e inesquecível.
Que bom seria se, pelo menos por uma noite, as orquestras do Clube XV e do Centro Comércio e Indústria se encontrassem na praça Bernardino de Campos e nos enchessem de alegria e nostalgia com clássicos como O Abre Alas, Allah-la Ô, Mamãe Eu Quero, As Águas Vão Rolar, Cabeleira do Zezé, Cidade Maravilhosa, Jardineira, Daqui Não Saio, As Pastorinhas, e tantas outras marchinhas que embalaram nossa juventude e que até hoje permanecem na memória de quem teve o privilégio de viver esse período. Mas, sei que tudo isso não passa de um simples devaneio de quem sente saudade de tudo que foi bom e não volta mais, mas pelo menos restou essa doce lembrança desses verdadeiros artistas, músicos de verdade, que nunca precisaram da mídia para se tornarem conhecidos.
Feliz de quem vai poder ir aos bailes de Carnaval lá de cima, pois é lá que irão rolar as mais belas e tradicionais marchinhas. Como não chegou nosso tempo, nos resta relembrar e engolir as lágrimas de saudade.


Acabou a gasolina


No final da década de 80 Itapira era uma cidade que respirava esporte. Eram muitas competições e muitas delas com projeção nacional, como a Mini Maratona Professor Cândido de Moura, que reunia atletas de várias partes do país.
O trabalho efetuado pela equipe do DECET (Departamento de Esportes, Cultura e Turismo), comandado pelo professor Oscar Soares de Campos Filho, o Kally, era reconhecido de forma merecida e colocava a cidade nas altas esferas do jornalismo esportivo. E o ponto culminante, sem dúvida, era a famosa corrida de 21 quilômetros, que mesclava em seu percurso trechos de terra com ruas da cidade, até adentrar o estádio municipal Chico Vieira, local da chegada.
Naquela época eu comandava a equipe de esportes da Rádio Clube e a cada ano montávamos um esquema para transmitir a prova do início ao fim. Era trabalhoso, mas muito gratificante.
Tínhamos o apoio da prefeitura, que cedia um Fusca com aparelho de rádio amador para que a prova fosse acompanhada em todo o trajeto. Para que isso fosse possível, uma base era instalada no almoxarifado da prefeitura, onde ficava a torre de recepção do serviço de rádio.
Com a destreza do Jorge Luiz Bonaldo, o som que chegava na torre era retransmitido para o estúdio e de lá para nossa transmissão. E assim tudo que se passava no trajeto era relatado.
Não me recordo o ano, mas lembro que o carro era dirigido pelo meu pai, que ao seu lado tinha o Tuia Pires de Souza, que narrava a prova e no banco de trás o Ademar Hernandes, que carregava a listagem com os atletas, para auxiliar na narração. E assim era possível para o ouvinte saber quem estava na frente e a posição dos demais competidores.
No estádio ainda tínhamos três repórteres no gramado. Lá estavam Léo Santos, Glauco Lauri e Humberto Luchetti, enquanto eu ocupava a cabine do estádio para narrar a volta final e a chegada e tinha no plantão, no estúdio da emissora, o José Roberto Destro, acompanhando e informando os resultados dos jogos daquela tarde de sábado.
Tudo corrida dentro do planejado, até que veio a informação que poderia acabar com todo o trabalho. Segundo o Tuia o carro apresentava problemas e estava ficando para trás enquanto os competidores seguiam na prova.
Nossa sorte foi a presença dos três repórteres, que passaram a entrevistar quem quer que fosse até que o problema fosse resolvido. Mas o tempo passava e nada de o carro ficar bom de novo, até que tudo se normalizou e novamente a transmissão pode continuar até que os primeiros colocados surgissem no portão do estádio e eu passasse a narrar os metros finais.
Mais tarde, já com o trabalho encerrado e satisfeitos com o sucesso, meu pai, o Tuia e o Ademarzinho já conosco no estádio, que fiquei sabendo o ocorrido. O carro que tinha sido destinado para nosso trabalho não tinha sido abastecido e a gasolina acabou no meio do percurso.
Passado o susto e agradecidos pelo sucesso da transmissão, só nos restou sentar no Chopinho e comemorar nossa vitória. O vencedor da prova? Confesso que não lembro quem foi, mas naquele instante nada importava, somente o fato de termos concluído mais uma façanha nas ondas do rádio;

A véspera de Natal


Se existe um dia favorito na vida da gente, o meu com certeza sempre foi a véspera do Natal. Principalmente na infância, era o dia que eu mais esperava, talvez por anteceder a chegada do Papai Noel ou por causa de todo aquele clima de preparativos para o dia seguinte.
Na minha casa a véspera do Natal sempre foi muito especial. Na verdade, a véspera começava bem antes, uma semana talvez, quando minha mãe subia os degraus do escadão da Ladeira São João, atravessava o Parque Juca Mulato até ganhar a Rua João Pereira, onde ficava a casa da minha avó Leonor.
Era lá que tudo acontecia durante a semana. Os doces eram feitos artesanalmente e com capricho. Era doce de figo feito com os figos do pé que havia no quintal da casa de meus avós, de laranja, duas cores, pudins e outras iguarias de dar água na boca.
Na véspera propriamente dita, o cheiro inconfundível de assados tomava conta do ar e completava o clima natalino. Aí, era só esperar pela chegada do Papai Noel, acordar, abrir o presente e depois fazer o caminho até a João Pereira para ganhar mais presentes e depois degustar as delícias naquela mesa enorme, cheia de gente e de alegria.
Tempos depois, quando eu já era jovem, principalmente depois que meus tios José Rubens e Ivan e meus avós João e Leonor foram para o andar de cima, nosso Natal passou a ser em casa. Minha mãe preparava o jantar da véspera com os assados, o tutu de feijão, o arroz branquinho, a maionese e, claro, os doces, tudo isso completado com as frutas natalinas que meu pai nunca deixou faltar, como nozes, avelãs, castanhas-do-pará e portuguesa.
Tudo isso faz parte do passado. Hoje meus pais também já estão comemorando o Natal no andar de cima, juntamente com aqueles que partiram antes.
Eu ainda permaneço por aqui e procuro oferecer para quem está comigo um pouco de tudo isso, dessa alegria da véspera de Natal, dessa magia que me comove mesmo depois de tanto tempo. Por isso que costumo dizer para quem queira ouvir que Papai Noel existe e está sempre presente em nosso coração.

A várzea dos Riboldi


Sempre afirmo que embora não tenha nascido ou residido nos Prados, minha ligação com o bairro é muito estreita. Desde os jogos de futebol até a época em que descia a ladeira São João com meu pai para caçar rã, tudo era direcionado para aquele lado da cidade.
A começar pelo meu avô, que por anos a fio trabalhou na Olaria dos Riboldi, que ficava na Avenida Brasil. Era lá que eu ia buscar barro para brincar ou para, mais tarde, fazer os trabalhos manuais.
E, falando nos Riboldi, que têm parentesco com minha família, era na várzea que tinha atrás da olaria que eu e meu pai íamos caçar as saborosas rãs folhagem e, às vezes, as mais encorpadas, chamadas de rãs pimenta pelo cheiro forte que exalavam. Naquele tempo anda não existia a Avenida dos Italianos e apenas uma cerca separava a várzea dos fundos da olaria.
Quando chegava a época de caçar rã, após a temporada de chuva principalmente em setembro e outubro, a várzea ficava repleta de pequenas lagoas formadas pela chuva pelo transbordo do ribeirão da Penha. Meu pai, profundo conhecedor daquele lugar, principalmente por ter morado nos Prados quando criança, sabia onde encontrar as bichinhas que mais tarde virariam um prato e tanto.
Lembro das inúmeras vezes que desci a ladeira, com um saco vazio em punho, caminhando ao lado do meu pai e esperando a hora em que ele iria acender o pavio da lanterna de carbureto. Era só começar a cair a noite e ele já providenciava a luz que nos levaria até os locais onde teríamos êxito na caçada.
Algumas vezes meu avô João nos acompanhava na caçada. Quando chegávamos à várzea ele ia por um lado e meu pai e eu por outro, assim era possível visitar todas as lagoas e encontrar mais rãs.
Quando meu tio José Detlinger, marido da tia Shirley, vinha para Itapira, também participava da caçada e na hora de limpar as rãs, gozador que era, deixava minha vó Leonor em polvorosa. Ela tinha pavor de rã e se trancava no quarto para se esconder, mas meu tio um dia quase matou a ‘véia’ do coração ao colocar uma rã por debaixo da porta.
Quando saiu do quarto, depois que meu pai recolheu a bichinha, de vassoura em punho correu atrás do genro para dar o troco. Era um tempo muito bom e feliz para todos nós.
Lembrar de tudo isso só traz alegria ao coração, pois me remete a um tempo em que minha família era numerosa, um tempo em que a mesa do rancho da casa de meus avós estava sempre cheia. Um tempo que se foi, mas que deixou boas recordações.


A quarta série ginasial

Faz tempo que isso não ocorre, mas um tempo atrás eu vivia sonhando que estava nas dependências da escola onde cursei o ginasial e também ...