terça-feira, 5 de março de 2019

A Palestina é logo ali


No final da década de 90, mais precisamente nos anos de 98 e 99, o rádio esportivo de Mogi Mirim e região viveu uma época de ouro. Pelas ondas da Rádio Chamonix de Mogi Mirim, uma equipe de esportes tornou-se a primeira e única a cobrir um jogo internacional fora do país.
Mogi Mirim sempre teve boas equipes de esportes em suas emissoras. Desde a luta do Mogi Mirim para ascender à divisão principal do futebol paulista a disputa pela audiência era acirrada.
Mas, sem desmerecer esse ou aquele profissional e foram muitos que passaram pelos microfones das rádios mogimirianas, pode-se afirmar que há um divisor de águas. Não há como negar que a equipe formada por um sonhador chamado Luíz Eduardo Gasparin, ou Gaspar Luiz nas ondas do rádio, marcou época e fez história.
Foram dois anos de um trabalho intenso, com cobertura, in loco, de competições como Libertadores, Mercosul, Brasileiro, Campeonato Paulista, entre outros, mesclando com as partidas do futebol amador da cidade. Foi um período de viagens constantes para a Capital paulista, cobrindo jogos no meio e no final de semana e distribuindo repórteres pelos gramados onde a bola rolava e atraía o interesse do ouvinte.
Com seu poder de convencimento e modo especial de tratar a todos, Gaspar Luiz formou uma das mais poderosas equipes do rádio regional. Eram dois narradores: Batista Gabriel e Valentim Antonio; eu atuava como comentarista e revezava na função com Osvaldo Ribas. E a relação de repórteres era extensa, formada por profissionais como Paulo Rogério Tenorio, Leo Santos, Marcelo Moraes, Ivan Resende, Paulo Henrique Tenorio, Palma Júnior e o próprio Gaspar. Sem contar com a inteligência e o profissionalismo de um Walter Abrucez na retaguarda.
Em junho de 99, com o Palmeiras na final da Libertadores, a cobertura do primeiro jogo em Cali, na Colômbia, tornou-se uma obsessão para o chefe da equipe. E essa obsessão fez com que o sonho se transformasse em realidade e a história começou a ser escrita.
Em um vôo em que a delegação do Palmeiras também estava, lá fomos nós para realizar a primeira cobertura internacional do rádio regional. Ao lado do próprio Gaspar e do narrador Batista Gabriel, viajei para ser o comentarista da partida realizada no Pascoal Guerrero de Cali.
Como chegamos na noite anterior ao jogo, tivemos tempo de descansar para no dia seguinte iniciar os trabalhos na cidade colombiana. Como eu era o único que arranhava o castelhano, fiquei incumbido de fazer a comunicação com o motorista do taxi, o garçom no restaurante e os funcionários do hotel.
Durante o dia do jogo, fomos ao estádio para conhecer e já deixar tudo preparado para a transmissão da partida. E foi lá que o Gaspar Luiz, que pela sua maneira de ser, sempre apressado, deu a nota cômica à viagem.
O programa esportivo da Chamonix estava no ar e, de lá, fizemos uma participação com as últimas informações do jogo que aconteceria logo mais. A cidade de Cali vivia um clima tenso, com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) mantendo reféns em uma igreja 99 pessoas.
Talvez empolgado pela importância do trabalho que estávamos fazendo, no momento que iria entrar no ar para passar o boletim com as notícias do Palmeiras, Gaspar Luiz trocou as bolas e mudou a Palestina de continente. E lá foi ele, microfone na mão e soltando as informações: “a cidade de Cali vive momentos de tensão por causa do sequestro de 99 pessoas pela OLP...”. Eu e o Batista Gabriel olhamos um para o outro e não conseguimos segurar o riso.
OLP é a Organização pela Libertação da Palestina, ou seja, não tinha nada a ver com o que estava ocorrendo na Colômbia. Depois que encerrou seu boletim e vendo que ríamos, Gaspar viu a confusão que tinha feito e também caiu na risada.
O Palmeiras perdeu aquele jogo por 1 a 0, mas venceu o segundo no Palestra Itália por 2 a 1 e levou o título nos pênaltis. Gaspar Luiz ainda continuou fazendo história ao embarcar para o Japão para cobrir a disputa do Mundial Interclubes entre Palmeiras e Manchester United, vencida pelo time inglês no início de dezembro, antes de falecer após um acidente quando a equipe Bola de Ouro voltava do Rio de Janeiro após cobrir um Flamengo e Palmeiras pela Mercosul.
Posso afirmar que ninguém fez mais que ele pelo rádio esportivo regional. Seu nome será sempre lembrado por todos nós, que tivemos a honra e a oportunidade de participar de um trabalho tão grande como aquele.

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