terça-feira, 5 de março de 2019

A goiabeira


Minha casa na Comendador João Cintra tinha um quintal onde sempre havia pé de alguma coisa. Era pé de pêssego, pé de laranja, pé de mamão, de goiaba...
Minha mãe sempre gostou de cultivar frutas no quintal e lembro bem dos pêssegos enormes e saborosos que o velho pessegueiro produzia a cada temporada. Até que um dia um vendaval derrubou ele e lá se foram nossos pêssegos amarelos e cheirosos.
Limão galego e mexerica poncã eram o sonho de minha mãe, mas cada vez que ela plantava lá vinham as formigas saúvas e depenavam os pés. Ficavam parecendo pescoço pelado de frango, feios de dar dó, até morrerem.
Mas a goiabeira, essa era forte, resistia a tudo. Ou melhor, a quase tudo;
Eu vivia em cima dela, sempre buscando as frutas, apanhando para quem quisesse ou comendo ali mesmo em seus galhos. Eram goiabas vermelhas, suculentas e que amadureciam praticamente o ano todo.
A goiabeira ficava bem no fundo do quintal, cerca de um metro do muro que fazia a divisão com o fundo do quintal do Carlos Venturini, onde havia mangueiras, e com o final do quintal do maestro Américo Passarella.
Um dia, mais precisamente dia 23 de junho de 1973, uma vizinha pediu para meu pai se ele podia dar uma goiaba para ela. Imediatamente meu pai, de bom coração como era, desceu até o quintal pra apanhar a goiaba. Como eu estava em cima da goiabeira, pediu que eu apanhasse a fruta.
Eu conhecia aquele pé de goiaba de cabo a rabo, sabia onde podia subir e onde não podia, tanto que quando ia descer, ficava de ponta cabeça no galho e pulava no chão. Certos galhos eu não me atrevia a pisar, pois sabia que estavam podres ou frágeis.
Quando meu pai pediu para eu pegar uma goiaba que estava em um local onde teria que me arriscar em um galho podre, disse que não poderia fazer isso, pois o galho cederia e eu iria cair. Mas, como todas as vezes que eu retrucava ele teimava em mostrar que estava errado, mandou que eu descesse da goiabeira que ele iria pegar a tal fruta.
Não deu tempo nem de descer e ele, ao pisar no galho podre, despencou lá de cima e caiu de costas no chão. Deus foi bom para com ele, pois se tivesse caído um metro para trás teria ido de encontro ao muro.
Quando vi meu pai caído, roxo de dor, ajudei-o a se levantar e subir as três escadas até chegar na sala de casa. Ali ele deitou no sofá e só saiu direto para a Santa Casa, onde foi constatava a fratura na quinta vértebra da coluna cervical.
Foram seis meses engessado do pescoço até a cintura e, sinceramente, não sei como meu pai foi capaz de suportar aquilo. Eu, em seu lugar, não teria forças suficientes.
Nunca mais meu pai ousou subir na goiabeira. A lição serviu para o resto da vida e, para mim, aquele sábado de junho ficou marcado para o resto da minha vida.

Nenhum comentário:

A quarta série ginasial

Faz tempo que isso não ocorre, mas um tempo atrás eu vivia sonhando que estava nas dependências da escola onde cursei o ginasial e também ...