segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Rojões não combinam com o Natal

Sou de um tempo em que Natal se comemorava em família, dentro de casa, com a ceia e o almoço entre familiares. Um tempo que ficou bem lá trás, esquecido no tempo.

Lembro bem que a noite de Natal era dedicada à Missa do Galo e à ceia com a família reunida. Minha mãe preparava a leitoa, o frango assado, a maionese, a farofa, o arroz, o virado de feijão e a sobremesa. As castanhas-do-pará, nozes, castanhas portuguesas, avelãs e as frutas ficavam por conta do meu pai.

Tenho gravadas na memória as noites natalinas de minha infância. Geralmente a hora de dormir era bem antes da meia-noite. O silêncio imperava nas ruas, não se ouvia carros buzinando, gente berrando ou rojões, como nos dias de hoje.

A noite de Natal era dedicada à confraternização e ao encontro com familiares que vinham de longe. Não havia essa loucura dos dias de hoje, quando não se tem paz nem mesmo para uma simples troca de presentes, tal o barulho dos fogos e das buzinas.

Talvez os tempos tenham mudado ou eu esteja ficando velho, mas a verdade é que rojões, gritaria e buzinas não combinam com a celebração do nascimento de Jesus. Esse tipo de algazarra, típico da juventude atual, está mais para o Ano Novo, que para mim não tem significado algum, a não ser o fim de um ano e o começo de outro.

Sei que minhas lembranças de um tempo que não volta mais são apenas lembranças, mas como seria bom se o tempo parasse e o relógio retrocedesse para tudo aquilo voltar. Seria bom ver tantas pessoas que já se foram, sentir novamente a ansiedade pela espera para abrir o presente de Natal, acreditar em Papai Noel e olhar no espelho e ver um menino magricela de orelhas grandes.

Mas, como não sou senhor do tempo, é preciso viver o tempo de hoje e me contentar com o que tenho, que não é pouco. Na noite de Natal, deitado em minha cama, tive o prazer de acariciar a cabeça de minha pequena Mariane para protegê-la do barulho dos fogos.


Sentir que aquela pequena criatura confiava no pai para não ter medo do barulho foi o maior presente de Natal que eu poderia ter. Muito mais do que qualquer presente material de grande valor. Ouvi-la perguntar se o barulho já ia acabar preencheu o vazio que meu coração sentia pela falta de meus pais e das noites de Natal de antigamente.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Água e capim

Sou de um tempo em que o respeito aos pais era o ponto de partida para a educação dos filhos. Um tempo em que pai e mãe eram figuras imponentes no seio de uma família. Cada um com seu valor dentro da criação dos filhos, mas com o mesmo peso no momento das decisões.

Lembro bem de minha infância e da participação que cada um teve para minha formação. Aquele era um tempo em que, geralmente, só o homem trabalhava, enquanto que para a esposa sobravam os deveres de casa e a criação dos filhos.

Minha mãe tinha seus métodos eficazes para resolver as situações que surgiam, deixando meu pai em paz para que pudesse desenvolver suas atividades como marceneiro. Se algum problema mais grave ficasse pendente, somente após o jantar é que o mesmo seria levado ao seu conhecimento.

Sua forma de agir e pensar sempre colocou em evidência sua inteligência e perspicácia para resolver algum problema ou influenciar nas decisões dentro de casa. Como ela mesma dizia, era preciso usar a cabeça e a psicologia para resolver as mais diversas situações.

Naquele tempo a última palavra era do homem da casa, mas minha mãe sempre conseguia, com sua psicologia, influenciar nas decisões e mudar o rumo das coisas.
Lembro bem como ela foi decisiva para que minha irmã mais velha continuasse seus estudos após o quarto ano primário, ao invés de entrar para um curso de corte e costura, como era desejo de meu pai.

Em minha memória guardo inúmeras passagens de minha infância, dos tempos em que eu era um menino magricela de orelhas grandes. E a presença de minha mãe nessas recordações é forte e reflete sua importância em minha existência. Uma dessas passagens, embora de consequência não muito agradável para mim, ficou gravada em minha memória pela forma como ocorreu.

Lembro bem que, por algum motivo, depois de ter torrado bastante a paciência de minha mãe, ouvi dela que se não sossegasse iria levar um pescoção. Sem saber o que era aquilo, disse a ela que queria saber o significado daquela palavra.

Depois de tanta insistência de minha parte minha mãe me pegou pelo cangote e me aplicou o tal pescoção. Com o joelho ralado, levantei do chão e imediatamente recebi um abraço de minha mãe e começamos a rir da situação.

Daquele dia em diante nunca mais ousei duvidar das coisas que ela dizia, procurando sempre ficar atento ao seu método eficaz de resolver cada problema. Ainda hoje, depois de ter dobrado a curva dos cinqüenta, sempre recordo de como ela agia nas mais diversas situações.

Lembro bem também de como minha mãe cuidava para que minha crença em Papai Noel se mantivesse viva. No dia 24, apesar das tarefas finais na cozinha, ela sempre encontrava um tempinho para cortar o capim que eu colocaria ao lado dos meus sapatos, junto com a vasilha com água.

Segundo ela, se o Papai Noel chegasse em casa e o capim e a vasilha com água não estivessem ao lado dos meus sapatos, seus burrinhos não poderiam se alimentar e matar a sede antes do velhinho seguir sua viagem. Claro que, quando eu acordava e corria para abrir o presente, a água e o capim já haviam sumido, aumentando ainda mais minha crença na existência daquele velhinho de barbas brancas e roupa vermelha.


Talvez seja por isso que até hoje eu goste tanto do Natal e guarde na memória tantas boas recordações. E, claro, já esteja com a vasilha pronta para colocar a água e o capim preparado para que minha pequena Mariane coloque perto de seus sapatinhos, ao pé da árvore de Natal, ávida para abrir seus presentes de Natal.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Meu pai

Sou de um tempo em que tudo caminhava de forma mais branda. Um tempo em que não havia essa loucura de hoje.

Um tempo em que se podia andar pelas ruas sem medo de ser atropelado ou assaltado. Tempo em que as pessoas se conheciam mais, valorizavam mais cada minuto vivido.

Lembro bem das noites de dezembro, das lojas com as portas abertas, expondo as novidades de final de ano. Os pais à procura do presente para os filhos. Os filhos, ávidos pela chegada do Natal e do presente tão aguardado.

Meu tempo de criança não foi diferente. Com a chegada do mês de dezembro tudo mudava, parecia que o tempo teimava em caminhar ainda mais devagar. A espera se tornava mais angustiante, mas ao mesmo tempo podia se viver aqueles momentos de forma intensa.

Lembro do meu último presente de criança. Meu pai, que nunca deixou de nos dar um presente no Natal, fazia mistério o tempo todo, não deixava que a gente visse o que era, apenas dizia que era um presente só para os três filhos, aumentando ainda mais a nossa ansiedade e, claro, a curiosidade.

Sempre que a gente perguntava sobre o dito cujo, meu pai, sempre sorridente, nos enchia de curiosidade e ficava feliz como se ele fosse a criança a espera do presente de Natal.
E era com esse espírito de criança que meu pai guardava a surpresa a sete chaves.

Quando tirava da caixa fazia questão de trancar a porta do quarto e somente minha mãe tinha acesso. O máximo que eu minhas irmãs conseguíamos era ouvir o barulho que o misterioso brinquedo fazia.

Com a chegada do dia de Natal a ansiedade tomou conta daquele menino magricela de orelhas grandes. A noite custou a passar e quando o dia amanheceu pudemos finalmente ver o que tinha naquela caixa enorme.

Meu pai, com sua bondade e o coração do tamanho do mundo, havia comprado um jogo eletrônico de futebol, algo raro naqueles tempos, na Casa dos Presentes, e nossa alegria era tanta que dava pra ver seus olhos brilhando de satisfação com a felicidade dos filhos.

Lembro dessa época como forma de reverenciar a figura de meu pai, que apesar das dificuldades que aquela época impunha, nunca nos deixou sem um presente de Natal, sem os chocolates, as castanhas e, principalmente, sem a alegria de se viver em uma família feliz. Um pai que sempre foi um exemplo, rígido, austero, mas que nunca deixou de cuidar de sua família e de todos que o cercavam.

Um pai que Deus levou para junto de si, mas que nos deixou um legado de ensinamentos e um mundo de boas recordações. Recordações que o tempo não apaga e que para sempre estarão presentes em nossas vidas, principalmente nessa época em que ficamos mais sensíveis às emoções.

E, quando se escreve com o coração, as palavras fluem em nossa mente e escorregam para os dedos banhadas pelas lágrimas de saudade que escorrem dos olhos e teimam em turvar a visão. Por isso, a cada lembrança, volto no tempo e revivo cada momento como forma de alegrar meu coração.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Tenho saudade

Sou de um tempo em que tudo era mais difícil. Um tempo em que, por ser mais difícil, tudo era mais saboroso.

Ao contrário dos dias atuais, naqueles tempos eram poucas as opções em qualquer das situações. Além da pouca variedade, não havia tanta facilidade para se adquirir algo.

Lembro bem de como era gostoso poder saborear um refrigerante ou um chocolate. Apesar das dificuldades que a vida impunha, meus pais nunca deixaram de comprar aquilo que tínhamos vontade.

Apesar das facilidades de hoje tenho saudade daqueles tempos. Tenho saudade de sentir o sabor do guaraná da Itamira, que eu tomava pelo furo na tampo feito por um prego só para que ele durasse mais, ou dos chocolates Sonksen que meus pais compravam no final de ano no Buraco da Onça.

Tenho saudade das noites em saímos para passear e da felicidade que tomava conta de nós quando parávamos na doceria das irmãs Dini, que depois passou a ser Brasília Bar. Posso ver aqueles doces e sentir o sabor de cada um.

Tenho saudade de ir ao Itapira Bar com meu pai após a missa de domingo pela manhã e saborear uma Crush. Ou de ir à praça Bernardino de Campos nas noites de domingo e ver tanta gente sentada nos bancos ou simplesmente passeando.

Tenho saudade de ir à praça ver a fonte luminosa. Saudade de ouvir a banda Lira, naquela época apelidada carinhosamente de Furiosa.

Tenho saudade dos doces de batata-doce que minha mãe fazia e colocava ao sol em uma assadeira para secarem em cima do telhado do rancho de casa. Saudade de subir nesse mesmo telhado e comer esses doces antes mesmo que eles secassem, deixando apenas marcas na assadeira.

Tenho saudade de descer ao quintal de casa para subir na goiabeira. Saudade de ouvir o canto dos canários que minha mãe fazia gosto de ter em casa.

Tenho saudade de atravessar a coloninha e comprar biscoitos e sequilhos no Tico Donatti. Saudade de descer a ladeira São João e ver a represa do ribeirão da Penha e sua água limpa.

Tenho saudade dos meus tempos de infância, quando eu era um menino magricela de orelhas grandes que atravessava o parque Juca Mulato para ir à casa de meus avós paternos na rua João Pereira. Saudade da parreira de uva, do pé de limão galego e do rancho daquela casa que já não existe mais, mas que continua firme e forte em minhas lembranças.

Tenho saudade de chegar à casa de meus avós e ver o presépio enorme que minha avó Leonor montava no chão da sala, ao pé da árvore de Natal enfeitada com bolas enormes. Saudade de sentir o aroma dos assados preparados para o Natal ou Ano Novo, do corre-corre com os preparativos para o almoço natalino.

Tenho saudade de ver a mesa grande repleta de gente, das músicas natalinas e do valor que tudo isso tinha pra todos. Saudade de ser criança e não ter tanto ainda para recordar e sofrer com a falta que tudo isso faz.

Tenho saudade desse tempo que não volta mais. Tempo em que tudo era mais difícil, mas ao mesmo tempo muito melhor e mais valorizado.


Como dói ter tanto para recordar. Mas como é bom ter vivido tudo isso e sentir saudade desse tempo que não volta mais.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A menina magricela de orelhas quase grandes

Sou de um tempo em que se dizia ‘cara de um, focinho do outro’ quando duas pessoas se pareciam. Um tempo em que as pessoas se davam mais, se conheciam mais e se valorizavam mais.

Um tempo bem diferente dos dias atuais, mas que me faz lembrar, mesmo que por alguns instantes, meus tempos de infância. Instantes que me fazem retroceder no tempo e ser novamente um menino magricela de orelhas grandes.

Volto no tempo a cada momento que sento para brincar com minha pequena Mariane. A cada gesto dela me é possível fazer uma analogia entre nós. Não que eu tenha pretensão de afirmar que era tão bonito quando criança ou mesmo que ela tenha orelhas grandes como as minhas, mas as semelhanças são muitas entre as duas figuras.

Seu corpinho miúdo, o rostinho afilado e as orelhas destacadas fazem dela um retrato fiel daquele menino canhoto e miudinho. E essa semelhança enche meu coração de alegria e orgulho, principalmente quando a ouço dizer que sou seu ‘amigãozão’ e ela é minha companheirinha.

Olho para ela, com seu jeitinho meigo de cantar ou desenhar e imediatamente retrocedo no tempo. Vejo aqueles olhinhos brilhantes e atentos a tudo e lembro do meu interesse por tudo que era diferente.

E essa relação, que se estreita a cada minuto que passamos sentados frente a frente com as pernas cruzadas, desenhando, cantando ou, como ela mesma diz, conversando, me faz entender o quanto é bom ser pai.

E, mais do que isso, vivenciar tudo isso em sua plenitude. Poder participar de seu desenvolvimento


E é essa criaturinha magricela de orelhas quase grandes que me renova e revigora minhas forças a cada dia. É dela que saem os fluidos que movem meu corpo e minha mente.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Alicerce da vida

Sou de um tempo em que casamento era para a vida toda. Um tempo em que a união de duas pessoas era o alicerce para a construção de um lar e uma família verdadeira. Cresci acreditando nisso e tive como exemplo vivo a vida a dois de meus pais, que por mais de meio século formaram um casal exemplar.

As regras básicas que regem a união perante Deus eram encontradas com facilidade no seio daquela união. Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, e por aí afora. Tudo isso fez parte da vida a dois dessas duas criaturas que me colocaram nesse mundo.

Quando vejo um casal já com os cabelos pintados pelo tempo, a pele marcada pela longevidade e o corpo arcado pelo peso dos anos e das dificuldades por eles imposta vem à minha memória a cena de meus pais sentados na porta de casa, sempre juntos, sempre com algum assunto para conversar. E não tem como segurar as lágrimas e o nó que se instala na garganta.

O tempo é cruel e implacável e nos leva tudo que temos. Somente a lembrança doída, mas ao mesmo tempo gostosa, é que permanece.

E é nesse tempo de aproximação das festas natalinas que essa lembrança fica mais viva. Voltam à tona os tempos felizes em que aquele menino magricela de orelhas grandes ficava com o coraçãozinho repleto de felicidade pela ansiedade que tomava conta na espera pelo Natal.

São tempos que não voltam mais, que guardo em minha memória como cristais indestrutíveis. Capazes de iluminar minhas lembranças e colocar à minha frente cenas que me fazem chorar e rir ao mesmo tempo.

É como se eu pudesse ver o presente atrás da porta, perto dos sapatos colocados na noite anterior junto com o capim e a água para os burrinhos do Papai Noel, como dizia minha mãe.

Relembrar tudo isso, apesar da triste constatação de que não é possível entrar no túnel de tempo e retroceder, revigora minhas forças para a batalha em busca da paz e da felicidade. Busco naquele tempo o que é necessário para seguir em frente no caminho da vida, aplicando na educação de minha pequena Mariane os ensinamentos que tive enquanto criança.

Se um dia Deus me permitir reencontrar meus pais e lhes dirigir algumas palavras, com certeza direi obrigado. Obrigado pela educação que me foi dada, pelo sentimento de respeito pelas pessoas, pelos momentos – e não foram poucos – em que encheram meu coração de alegria.


E, mais que tudo, pedirei perdão. Perdão por não ter feito por eles tudo o que mereciam.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Vassouradas de cal

Sou de um tempo em que minha família se reunia nas festas de Natal e Ano Novo. Um tempo feliz, em que nos reuníamos na casa de meus avós paternos, no alto da Vila Pereira, bem pertinho do Bairral.

Lembro bem dos afazeres de minha mãe no preparo dos doces nos dias que antecediam as festas de final de ano. O clima natalino, bem mais intenso que nos dias atuais, era algo que encantava e enchia nossos corações de alegria.

A expectativa pela chegada das festas e pela reunião que acontecia para o almoço no rancho, bem ao lado da parreira de uva e do pé de limão galego, aumentava a cada dia. Para nós, crianças, havia também a espera pelos presentes de Natal.

A mesa grande ficava repleta de gente. No Natal, além dos meus avós, meus tios Ivan, José Rubens e Marly e de minha família, vinha também a família de minha tia Lia.

No Ano Novo era a vez da família de tia Shirley marcar presença. Sem contar os vizinhos e parentes mais próximos, que sempre apareciam para os cumprimentos, criando um clima ainda mais gostoso.

Diversos momentos daquela época são avivados em minha memória a cada Natal que chega. A saudade daquele tempo, bem diferente e mais feliz, chega a doer no cerne da alma.

Talvez seja por não ter mais a presença da grande maioria dos personagens que escreveram a história daquele menino magricela de orelhas grandes. Ou, então, por não tem mais o que comemorar, a não ser a presença de minha Mariane, um presente que Deus colocou em minha vida e por quem enfrento qualquer tipo de adversidade.

E, dentre tantas passagens felizes daquele tempo, uma não sai de minha memória. Lembro bem que era Ano Novo e que a casa de meu avô havia passado por uma pintura. No quintal havia uma caixa d’água com os restos da cal que havia sido utilizada na pintura.

Tudo começou após o almoço. Meu pai, meus tios e meu avô João passaram a fazer guerra de água. Lembro da cena do meu tio José Rubens, ainda seminarista, postado em cima do telhado com uma tigela cheia d’água, aguardando a primeira vítima passar por ali.

A brincadeira durou um bom tempo e, para completar a farra, meu avô foi a vítima. Com vassouras embebidas na cal, meu pai e meus tios pintaram meu avô de branco da cabeça aos pés, apesar dos protestos de minha avó, sempre avessa às brincadeiras.

Quando tudo terminou e todos estavam brancos como fantasmas, veio o pior. A guerra de água minou o reservatório da casa e não havia nem uma gota para o banho.

Sem alternativa para resolver o problema o jeito foi procurar uma solução do lado de fora. E o chuveiro do vestiário do velho estádio Chico Vieira, ao lado do parque Juca Mulato, virou a tábua de salvação.

Esse tempo não volta mais, muitos personagens dessa história não estão mais entre nós, mas sinto a presença deles. Ao fechar os olhos posso enxergar o presépio montado na sala, posso ouvir o burburinho das vozes e as músicas natalinas saindo da picape Phillips de minha tia Marly, posso sentir o sabor da comida colocada à mesa e a alegria no semblante de cada um.


Mas, quando abro novamente os olhos tudo isso se dissipa como uma nuvem e a realidade, cruel e implacável, me devolve ao tempo atual. Me sinto órfão, sem forças para prosseguir minha caminhada. Mas basta olhar para minha pequena Mariane, companheirinha de todos os momentos, e minhas forças se renovam.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Retalhos de bala

Sou de um tempo em que as casas tinham o teto alto e as lâmpadas ficavam penduradas pelo fio de eletricidade. Tempo em que eram poucas as construções em estilo moderno. A maioria delas tinha a mesma aparência e no interior os móveis e utensílios também não primavam pela beleza.

Naquele tempo em que aparelhos de TV eram raridade não havia muito o que se fazer à noite. Em geral as pessoas costumavam sentar-se em cadeiras colocadas na calçada após o jantar e ali ficavam horas colocando os assuntos em dia.

Minha família não era diferente. Minha avó materna, minha mãe e meu pai gostavam de ficar conversando por longas horas, aproveitando a brisa da noite.

Lembro bem que em muitas dessas noites o programa mudava e meus pais acompanhavam minha avó nas visitas que ela fazia a um tio de minha mãe. Eu e minha irmã mais velha também fazíamos parte da comitiva.

José Martellini, cunhado de minha avó, residia na Manoel Pereira em uma casa bem antiga. Acometido por um derrame, sem poder deixar o leito, as poucas visitas que recebia serviam para mudar um pouco a rotina daquele senhor que eu não conheci, embora sempre acompanhasse as ditas visitas.

Lembro que enquanto minha avó e meus pais entravam no quarto para levar um pouco de conforto àquele senhor, eu, um menino magricela de orelhas grandes, e minha irmã Vera, quatro anos mais velha, ficávamos ali naquela sala aguardando pela recompensa por nos comportarmos de forma educada. Ficávamos ali, naquele sofá surrado pelo tempo, imóveis pela ação das sombras que a luz da lâmpada fraca que pendia do teto provocava nos objetos espalhados pela sala.

O tempo se arrastava e a visita durava uma eternidade para aquelas duas crianças. Nossa agonia terminava quando, finalmente, a porta do quarto se abria e, junto com minha avó e meus pais, vinha tia Vicência, irmã de minha avó. Em suas mãos estava o que esperávamos enquanto permanecíamos ali naquela sala.

Cada um de nós recebia uma pelota colorido, formada por retalhos de bala de todas as cores possíveis e imagináveis, produto do que sobrava na fábrica de balas Zanovello.
A mistura de sabores ainda está guardada na minha memória e posso sentir cada um deles a cada lembrança daqueles tempos. Íamos embora para casa, felizes com o presente e, principalmente, por ter cumprido mais uma das visitas àquela casa repleta de sombras e objetos estranhos.

Esse tempo não volta mais, mas a lembrança dele está viva e bem guardada em meu baú de memórias.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Esse menino vai ser padre

Sou de um tempo em que ter um padre na família era como uma graça recebida dos céus. Cresci acreditando nisso e assim penso até hoje.

Mas naquele tempo essa dádiva era ainda mais valorizada. Afirmo isso com a certeza de quem teve esse privilégio desde que nasceu.

Cresci tendo um tio seminarista, que infelizmente partiu desse mundo pouco tempo depois de sua ordenação. Além de ter inúmeras qualidades como homem, tio Zé Rubens era também meu padrinho.

Quando foi pedida sua presença no andar superior eu não era mais um menino magricela de orelhas grandes. Aos 15 anos já era um adolescente cheio de sonhos.

Lembro bem que, certo dia, com a família ainda vivendo a dor da perda, fui interpelado por minha avó paterna e por uma religiosa que atendia por Irmã Mariana. As duas queriam porque queriam que eu seguisse a carreira sacerdotal como forma de suprir a ausência de meu tio querido. Claro que declinei daquele ‘convite’ por entender que para tanto havia a necessidade da vocação.

Sempre acreditei que a vocação, para qualquer caminho na vida, nasce com a pessoa. E o exemplo maior disso vivia bem próximo.

Afinal, cresci ouvindo que o menino que minha mãe havia amamentado quando eu nasci e que para todos nós era como se fosse da família seria padre. De fato, todos os caminhos levavam meu ‘irmão de leite’ ao sacerdócio.

Sua devoção, seu jeito de ser e pensar indicavam que aquele menino seria um padre. Ele sim tinha vocação, tinha nascido para aquilo.


E assim acabou ocorrendo. O menino, de nome José Eduardo, amamentado por minha mãe, cresceu, ordenou-se padre e hoje, com as barbas brancas apesar de ainda estar na casa dos 50, já completou 25 anos de vida religiosa.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

O amigo da onça

Sou de um tempo em que o ensino público superava, de longe, o particular. Ao contrário do que ocorre na atualidade, estudava em escola particular quem era jubilado da escola pública.

Naquele tempo, quem estava prestes a completar sete anos já rumava para os bancos escolares para o aprendizado que nunca mais seria esquecido. Um mundo de letras, números, cores e desenhos, totalmente novo para aquele menino magricela de orelhas grandes.

Lembro bem de minha passagem pelos quatro anos de grupo escolar. A pequena distância entre minha casa e o Júlio Mesquita era cumprida pelo escadão da ladeira São João.

Foram quatro anos de conhecimento para aquele menino sempre atento as novidades. As notas altas no final de cada semestre revelavam que o aprendizado estava sendo absorvido de forma satisfatória.

Algumas passagens ficaram guardadas em um canto do meu baú de memórias. Mas foi um fato ocorrido já no quarto ano do primário que ficou marcado para sempre em minhas recordações. Sempre que vou ao velho Júlio Mesquita para cumprir meu dever de eleitor a cena volta e tudo que ocorreu naquele dia revira minha memória, avivando cada segundo como se tudo estivesse acontecendo novamente.

Apesar de ser um aluno dedicado e sempre tirar notas altas, naquele dia cometi um erro fatal para os moldes rígidos do ensino da época. Um erro que poderia ter sido evitado.

O dever de casa passado pela professora Ivone Pegorari Vieira era escrever uma composição sobre um passeio nas férias. Por algum motivo eu havia esquecido de escrever a composição.

Quando fui escalado para ler meu dever de casa um frio percorreu minha espinha, pois sabia que alguma coisa ruim estava para acontecer. Lembro bem que minha carteira era na primeira fila e do meu lado estava o Lula. Não o presidente, mas o Luís Carlos Santa Luzia.

Quando ouvi meu nome proferido pela professora pensei rápido e abri o caderno em uma folha em branco. Passei a ler uma composição inexistente, deixando minha imaginação fazer o serviço que eu não havia feito em casa.

Talvez meu senso jornalístico já estivesse presente e minha interpretação corria da melhor maneira possível, até ser delatado pelo colega de carteira. ‘Professora, não tem nada escrito no caderno dele’, disse o amigo da onça.

Aquela frase gelou minha alma e temi pelo pior. E ele veio de uma forma cruel. Depois de constatar que eu havia tentado burlar as regras inventando uma composição de cabeça, a professora reagiu prontamente e aquela mão veio como um bólido em minha direção.

Imediatamente senti a dor do tapa no lado direito do rosto. Mas senti muito mais a vergonha que passei pelo duro castigo que me foi imposto.

Quase cinco décadas depois ainda consigo ver tudo aquilo novamente. São fatos que teimam em retornar a cada lembrança dos meus tempos de Júlio Mesquita.


Fatos que ficaram gravados na memória daquele menino magricela de orelhas grandes. E a lembrança deles dói tanto quanto o tapa que deixou meu rosto marcado pela força daquela mão impiedosa.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Brincar de cor

Sou de um tempo em que um simples brinquedo de madeira ou plástico já fazia uma criança feliz. Um tempo em que jogos eletrônicos, videogames e outras parafernálias eram apenas projetos futuros.

Lembro bem de muitos brinquedos que tive. Cada um com sua peculiaridade.

Mas, nem sempre eram os carrinhos, jogos ou mesmo a bola que atraíam aquele menino magricela de orelhas grandes. Muitas vezes, olhar pela janela do banheiro de casa e ver as casas que compunham o cenário à minha frente era uma atividade mais atraente.

Pode parecer um tanto quanto estranho uma criança gostar de ver casas e suas diversas cores, mas talvez pode sido ali, naquela janela, que minha predileção por números e estatísticas tenha começado. Ficava ali, olhando aquelas casas no Cubatão, contando quantas eram amarelas, quantas tinham a parede pintada em azul, verde ou outra cor qualquer .

Invariavelmente a brincadeira de contar as casas de cada cor era sempre feita a dois. Minha mãe, com paciência de Jó, estava sempre pronta para me fazer companhia.

E, brincar de cor talvez seja hereditário. Depois de tantos anos, com os cabelos já pintados pelo tempo, minha relação com as cores continua, mas de uma forma totalmente diferente.

Minha tarefa agora é árdua, parecida com aquela que minha mãe realizava, mas muito prazerosa. A cada convite da Mariane, minha pequena de quase dois anos, para brincar em seu quarto, já sei que vou viajar no tempo e vislumbrar aquelas casinhas e suas cores que me fascinavam.

Na sua simplicidade de criança, chamar o pai para brincar de cor é sua diversão preferida. Passo horas sentado no tapete com seus lápis coloridos e a cada resposta correta sobre a cor do lápis em minha mão é um prêmio para quem já imaginava passar pela vida sem ter o privilégio de ser pai.

Vê-la se ocupando com as cores é um bálsamo que cura qualquer ferida aberta pela ação do tempo. Ficar ali, sentado ao seu lado, ao contrário de ser um incômodo para o esqueleto de quem já fez a curva dos 50, é uma viagem até a janela do banheiro de minha casa na Comendador João Cintra.


Olhando para aquela garotinha compenetrada acabo enxergando um garotinho com os olhinhos buscando cores e mais cores entre as casinhas no longínquo alto do Cubatão, pertinho da mata que existia onde hoje está o Cemitério da Paz. Segundo minha mãe, era lá naquela mata que os urubus pousavam para descansar.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Retrato do tempo

Sou de um tempo que as fotos em preto e branco retratavam a vida em família. Diferente dos dias de hoje, em que as digitais e os celulares facilitam a tarefa de quem gosta de registrar fatos e passagens, naquele tempo as famílias costumavam perpetuar os momentos importantes com a presença de todos os membros, sentados ao redor dos patriarcas.

Comparo nossa passagem pela vida a essas fotos. Quando se é criança os personagens presentes na foto compõem a família que nos rodeia. Mas, aos poucos, cada figura daquelas retratadas na fotografia vão sumindo, pouco a pouco, deixando apenas os rastros de boas lembranças.

Minha fotografia genealógica sempre foi repleta de personagens. Uns mais próximos, outros, nem tanto, mas sempre presentes na vida daquele menino magricela de orelhas grandes.

Cada personagem que o passar dos anos apaga se torna um desfalque que nos deixa órfãos de vida em família. Afinal, pessoas que gravitam ao nosso redor durante a infância são como pontos de apoio durante nossa caminhada.

Meu retrato do tempo já está bastante desfalcado. Olho para ele e vejo apenas vazios, antes ocupados por avós, tios, pais e primos, que hoje figuram em outro retrato. O retrato das boas lembranças, que nem mesmo o tempo consegue esvaziar.

A vida nos ensina a dura realidade da perda. A cada figura que se apaga, um pouco de nós segue com ela. São como golpes de punhal que perfuram e dilaceram nossa alma.


Por isso, de vez em quando, corro os olhos da mente pela foto para ver se ainda estou nítido nela ou se minha figura está se tornando opaca, sem brilho e desfigurada. E é nesse instante que um calafrio percorre o corpo de alto a baixo e me faz sentir que nada somos além de meras figuras em um retrato do tempo.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Minha tia de longe

Sou de um tempo em que viajar no tempo era coisa de seriado de TV. Hoje percebo o verdadeiro significado dessa expressão a cada vez que minha mente me remete a fatos e passagens de minha infância.

Quando eu ainda era um menino magricela de orelhas grandes o seriado Túnel do Tempo estava na moda. Apesar de não ter aparelho de TV em casa, eu sempre dava um jeitinho de assistir no sobrado dos Secchi Franco, local de encontro da criançada para a sessão de TV do início da noite.

Talvez por ainda ser criança e ter pouco ou quase nada para relembrar, não entendia como minha avó Carmela e minha mãe ficavam rememorando tantos fatos do passado. E a resenha era ainda maior quando minha tia Nira vinha da longínqua Álvares Machado para uma temporada em casa. Ávida por notícias de pessoas com as quais conviveu em sua juventude, minha tia, alegre e extrovertida, era uma companhia agradável e muito esperada por todos nós.

Como residia muito longe de Itapira, tia Nira visitava os familiares uma vez por ano, se muito. E o tempo que passava conosco era uma festa, com verdadeira peregrinação para rever familiares e conhecidos.

E foi em um desses passeios que ocorreu uma cena inusitada, que ficou gravada até hoje em minha memória. Tudo se passou em uma viagem de trem até Martim Francisco, última parada antes da pequena viagem de charrete até a Fazenda São Miguel, onde residia a família de minha tia Jacira.

A viagem era curta, mas havia a necessidade da troca de trem em Mogi Mirim. A famosa baldeação.

Era preciso descer de um trem e subir em outra composição. E, para tanto, havia a necessidade de atravessar por entre os trilhos.

Sempre bem arrumada, minha tia Nira acabou enroscando o salto do sapato no dormente dos trilhos e o tombo foi inevitável. Apesar do contratempo, seu bom humor falou mais alto e, sentada no meio da linha férrea, deu boas risadas da situação, até se levantar e prosseguir pelo trajeto até o trem que nos levaria até Martim.

Hoje, já com o baú de memórias abarrotado pelo tempo que passou, posso entender o valor de tudo o que temos de bom para relembrar. E é num simples fechar de olhos que viajo no tempo. Tão rápido quanto a passagem dos personagens daquele antigo seriado, que viajavam no túnel e caíam em um ponto do passado.


Mas, diferente das aventuras irreais vividas pelos personagens do seriado, minha viagem é recheada de lembranças. Lembranças como essa do tombo hilário de minha tia. Um fato simples, mas marcante, pois retrata um tempo feliz de minha infância.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Sebo nas canelas

Sou de um tempo em que se jogava futebol no meio da rua. Um tempo em que as noites eram calmas e demorava muito para que um carro passasse e atrapalhasse a brincadeira. O gol era feito com dois pedaços de tijolo e arrancar a champa do dedão do pé nos paralelepípedos da rua era algo comum.

A bola rolava todas as noites na rua de casa e o jogo parava pouco antes das dez. Afinal, antes da diversão vinha o respeito às pessoas e às ordens que nossos pais impunham como regras básicas para as brincadeiras.

Nos finais de semana o jogo era transferido para o campinho que ficava às margens do ribeirão da Penha, onde hoje passa a avenida dos Italianos, pertinho da ponte da rua Sílvio Galizoni, que faz a ligação com o Cubatão.

Era ali que o Paulistinha mandava seus jogos. Mas quando surgia um convite de algum time de fazenda ou sítio lá íamos nós para enfrentar o desafio.

Fazenda Jardim, Sítio Grande, Córrego do Cocho era adversários tradicionais e fregueses contumazes. Nosso time era redondinho e dificilmente era batido.

E a viagem até o local do jogo era feita em charretes. Cada uma levava três ou quatro integrantes do time e a romaria partia cedo pra dar tempo de chegar para o jogo.

Um belo domingo de sol fomos nós, já devidamente uniformizados, até os Limas, enfrentar o time local. O convite partiu de um dos moradores daquela localidade que, virava e mexia, estava na rua de casa.

Fomos muito bem recebidos, principalmente por ter entre nós o Hermenegildo Giovelli, amigo de escola daquele morador que havia convidado nosso time para o jogo. Quando a bola rolou a amabilidade acabou.

Jogo difícil, equilibrado e a gente, ainda garotos, enfrentando aqueles marmanjos acostumados com a vida da roça, calejados e de porte físico muito mais avantajado. Mas isso não intimidava nosso time, que tinha técnica e corria bastante. E essa facilidade para correr acabou nos salvando de apanhar daquele pessoal de pele curtida pelo sol e que ficava bravo de verdade quando perdia um jogo.

A história começou quando o jogo, já no segundo tempo, estava empatado em 3 a 3. Rápido e driblador, o Vanderlei Zalgelmi, nosso ponta-direita, levou meio time deles na corrida e quando entrou na área foi derrubado. Pênalti claro que podia nos dar a vitória.

Aí veio o aviso: “se vocês baterem o pênalti e marcarem o gol vão apanhar”. É claro que o medo bateu naqueles garotos, mas a vontade de vencer era mais forte.

Ficamos todos prontos pra correr, só esperando a bola passar pela linha do gol na cobrança do pênalti. Como era o que mais corria, o Vanderlei ficou encarregado de bater o pênalti.

O chute saiu forte, longe do alcance do goleiro. E, imediatamente, iniciamos nossa fuga até as carrocinhas ‘estacionadas’ bem atrás do gol.

Lembro bem da cena dantesca. A gente correndo e pulando nas charretes e aquele pessoal todo atrás de nós.

E, como se dizia antigamente, era sebo nas canelas. Claro que escapamos e ainda saímos de lá comemorando a vitória por 4 a 3 e, principalmente, o fato de ter ludibriado nossos algozes.


Esse tempo não volta mais, mas as lembranças de infância ainda estão bastante claras. Hoje já não é mais possível se jogar futebol no meio da rua, mas se fechar os olhos ainda posso ver aquele menino magricela de orelhas grandes correndo atrás da bola.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Dois frangos e um mico

Sou de um tempo em que frango de granja era novidade. As galinhas e os frangos caipiras predominavam na face da terra e os branquelos eram motivo de curiosidade.

No meu tempo de criança quase todo sábado era dia de pagar mico. Está certo que essa gíria ainda não existia, mas, com certeza, cairia como uma luva diante da situação que me era imposta.

Quando tinha meus 10 ou 11 anos meu pai era um dos sete sócios da Fábrica de Móveis Santa Terezinha. Situada no final da avenida Rio Branco, onde depois funcionou a Fábrica de Calçados Bellini, a empresa fabricava móveis de qualidade, que eram comercializados em lojas de móveis de toda a região, além do atendimento direto ao cliente.

E para fabricar os móveis era necessário serrar a madeira que vinha de Caçador, em Santa Catarina. O processo resultava também em um monte de cavaco, que virava piso de granja.

O destino desse cavaco era um granja de Serra Negra, que em troca oferecia aos proprietários alguns galináceos. O presente era dividido de forma justa e cada um dos sócios da fábrica levava dois frangos para casa. Quer dizer, levavam coisa nenhuma, pois essa tarefa cabia a nós, filhos, que tínhamos que buscar os bichinhos e fazer o trajeto de volta com eles a tiracolo até chegar em casa.

Atravessar a Rio Branco inteira com aqueles dois bípedes, um em cada mão, era uma tarefa árdua. Talvez, por saberem que o destino deles seria uma panela, ficavam irriquietos e tentando a todo custo subir pelos braços daquele menino magricela de orelhas grandes, ávido por chegar em casa e se livrar daquele mico.


Está certo que depois de virarem um belo e suculento complemento para a polenta que minha mãe fazia os bichinhos até que se tornavam simpáticos, mas a viagem de pouco mais de um quilômetro com eles a bordo era terrível. Sorte mesmo tinham o Tatão e o Tatinha, filhos do Tila Avancini, que por serem dois podiam dividir a tarefa e o mico.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

O trem das seis

Sou de um tempo em que o trem era um dos principais meios de transporte do país. Um tempo em que nossos políticos ainda não tinham tido a infelicidade de extinguir esse meio de locomoção de cargas e pessoas.

E, naquele tempo, andar de trem era uma das mais fantásticas aventuras que havia. Demorava pra chegar? Sim, mas valia a pena e, quem não teve a oportunidade de viajar de trem não sabe o que perdeu.

Quando eu tinha meus seis anos de idade e era um menino magricela de orelhas grandes, passear na fazenda São Miguel, em Martim Francisco, era algo que me fazia feliz. Minha tia Jacira, irmã de minha mãe, residia naquela propriedade, que era administrada por meu tio Osório.

Bem cuidada, a fazenda, de propriedade dos Cavenaghi, tinha um pomar defronte a casa em que meus parentes residiam que era algo de dar inveja a qualquer produtor. Ali eram encontradas as mais variadas frutas, desde a simples laranja até a castanha portuguesa, aquela que se cozinha antes de comer.

Lembro bem de como era gostoso acordar cedinho no sábado e descer a rua José Bonifácio até a esquina da Alfredo Pujol e depois subir até a estação da Mogiana. O trem saía às seis da manhã com destino a Mogi Mirim, onde era feita a baldeação até Martim Francisco. Dali até a fazenda o trajeto era feito na charrete em que meu primo Beto ia nos buscar.

Lembro de tudo isso com aquela saudade que aperta o peito, dá um nó na garganta e nos deixa triste e feliz ao mesmo tempo. Triste por não ter mais como voltar no tempo e reviver tudo aquilo. Feliz por ter vivido aqueles momentos prazerosos.


Lembro também de como minha avó materna descia a José Bonifácio em desabalada carreira com medo de perder o trem. Até aí tudo bem, não fosse o fato do trem sair as seis da estação e minha avó iniciar o trajeto quando o velho relógio de parede de casa ainda não ter dado as cinco badaladas.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

O exame de admissão

Sou de um tempo em que o respeito, com o perdão da redundância, era tratado com respeito. Lembro bem das noites de domingo, quando a praça central da cidade recebia centenas de pessoas, ávidas por um bate-papo com conhecidos e por momentos de lazer ao som da banda Lira.

A praça, recém reformulada, ostentava a matriz como baluarte da arquitetura e da fé das pessoas. O soar dos sinos era o sinal para que todos que ocupavam a praça parassem de andar, falar ou o que estivessem fazendo naquele momento. Era a senha para que as pessoas que ocupavam os bancos se levantassem e aguardassem pelo final do repicar para retomarem o que haviam interrompido.

Esse tempo, claro, ficou no passado, um passado repleto de costumes e gestos respeitosos, como pedir a bênção aos pais, avós, tios e padrinhos. Ou chamar de senhor ou senhora os mais velhos.

Lembro bem das brincadeiras na rua de casa todas as noites. Podia ser pega-pega, futebol ou qualquer outra brincadeira. Quando os ponteiros do relógio se aproximavam das dez da noite era hora de tomar o rumo de casa, sem esperar pelo chamado dos pais.

No meu tempo de criança estudar no ginásio era o sonho de 10 entre 10 alunos do primário. Para conseguir uma vaga era preciso passar pelo exame de admissão e, para tanto, aulas particulares eram ministradas na Escola Técnica de Comércio.

Lembro bem dessas aulas, à tarde, em período contrário ao das aulas no Júlio Mesquita, onde menino estudava no período da manhã e menina frequentava as aulas à tarde. No cursinho preparatório para o exame de admissão era importante aproveitar ao máximo as instruções dos professores Fenízio Marchini e Orlando Dini, pois só assim as chances de entrar para o ginásio eram concretas. Fiz a minha parte, garantindo minha vaga com sobras e notas expressivas.


São lembranças de um tempo que não volta mais, que ficaram guardadas no meu baú de memórias e que são desenterradas sempre que algum fato me transporta no tempo. Aí, volto a ser aquele menino magricela de orelhas grandes, sempre atento aos fatos e aos ensinamentos que a vida nos reserva.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O Saratoga do meu avô

Não conheci meu avô materno. Anos antes do meu nascimento um câncer o levou aos 54 anos. ‘Seo’ Antonio Papaléo, pelo que minha mãe contava, era um homem austero, inteligente e muito bem informado.

Além de algumas parcas fotos que restaram do seu tempo aqui na terra, sobrou para minha família um rádio, daqueles bem antigos, da marca Saratoga. Por muitos anos aquele aparelho ficou num canto da sala, sem muito uso pois, apesar da nossa casa ainda não ter um aparelho de TV, minha mãe tinha outro rádio no quarto e era nele que ouvia as novelas da rádio Nacional do Rio de Janeiro todas as tardes, enquanto bordava, fazia crochê ou tricô.

Quando passei a gostar de ouvir rádio e a ter acesso a eles foi naquele velho aparelho herdado do meu avô que comecei a procurar por emissoras e programas. Lembro bem do som forte e limpo que seu potente falante emitia.

À noite era nele que eu ouvia a programação da rádio Mundial do Rio de Janeiro, uma AM que botava qualquer emissora de FM, principalmente as de hoje, no chinelo. Era gostoso ficar horas e horas olhando pro nada, imaginando como era a emissora por dentro e ouvir as baladas e as vozes incomparáveis de seus locutores.

O Saratoga resistia bem ao tempo e à minha curiosidade. Seu único defeito estava no botão da sintonia, que não funcionava mais por ter escapado do cordão que girava o dial. Mas isso não era problema para aquele menino magricela de orelhas grandes que já estava se tornando um jovem.

Era só meter a mão por detrás do aparelho e girar o barbante com a mão. É claro que de vez em quando dava umas queimadas nos dedos por causa das válvulas, mas valia a pena.

Mas, como tudo que é bom dura pouco, meu velho companheiro acabou me deixando sozinho. Não por minha ou sua culpa, mas por causa de um primo, que ‘entendia’ de tudo e se meteu a enrolar o motorzinho do Saratoga.

Na esperança de ver o velho rádio novo em folha, vi ele levar a peça embora e, depois de um bom tempo, voltar com a mesma toda melada, dizendo que não prestava mais. Foi o fim de uma parceria muito prazerosa, que me fez viajar nas ondas do rádio e tomar ainda mais gosto por esse meio de comunicação incrível, capaz de aguçar nossa imaginação.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Só vão restar as lembranças

Dizem que dessa vida nada se leva. Será? Sinceramente, acredito que são muitos os ingredientes que levaremos na bagagem quando o trem chegar para nos levar daqui para o lugar que, dizem, está reservado para cada um de nós.

Todas as vezes que viajamos, a serviço ou para um simples passeio de férias, a preocupação com o espaço na mala é evidente. O que levar? Roupas, sapatos, escova de dente, objetos pessoais, máquina fotográfica e outras bugigangas lotam todos os espaços.

Para aquela que dizem ser nossa última viagem não deve ser diferente. As boas lembranças devem ficar em um local de fácil acesso, prontas para serem encontradas no primeiro momento de saudade. Afinal, é pra isso que servem. Para apaziguar o aperto no peito e o nó na garganta.

As boas amizades que conquistamos nessa nossa passagem pela Terra precisam ficar bem acomodadas em um local da mala. Como não sabemos qual será nosso paradeiro final, é a elas que iremos recorrer em caso de solidão, medo, insegurança ou necessidade. Se angariamos bons amigos por aqui, com certeza eles não nos faltarão no primeiro momento de fraqueza.

Os lugares bonitos que conhecemos também deverão estar entre os pertences. Como um manual de viagem, daqueles que utilizamos quando saímos sem destino definido, eles irão servir como ilustração para nossa caminhada rumo ao ponto final.


E, finalmente, as boas ações que praticamos por aqui preencherão os espaços que sobrarem na mala. São elas que irão garantir que seremos bem recebidos, onde formos parar nessa viagem. Serão nosso cartão de visita em qualquer ponto ou paradeiro.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Um mundo chamado quarteirão

Sou de um tempo em que todo mundo conhecia todo mundo. Um tempo em que havia mais respeito pelas pessoas e laços de amizade mais sinceros com a vizinhança.

Lembro bem dos meus tempos de criança, época em que os vizinhos eram como se fossem da família. No primeiro quarteirão da Comendador João Cintra, onde nasci e vivi grande parte da vida, ali pertinho do início da avenida Brasil, as pessoas se davam bem e se ajudavam quando necessário.

Guardo na memória cada habitante daquele pedaço que, para mim, um menino magricela de orelhas grandes, era tão grande que tinha a imensidão do mundo. Lembro da feição de cada um, suas particularidades e até mesmo a forma engraçada que minha avó materna, italianíssima de Nápoles, tratava cada um.

Do lado de lá da ladeira São João, na esquina, tinha a casa do Nilo Boretti e da dona Wilma. Ele, um cozinheiro de mão cheia, principalmente quando o assunto era uma boa massa, e ela sempre debruçada nas costuras.

Na descida da ladeira moravam o Santim Giovelli e a dona Cida, nossa vizinha de muro e de receitas, pais do Hermenegildo e da Rosângela. Na esquina, já na Comendador João Cintra, ficava a residência do sapateiro Antonio Nóris, que minha vó Carmela chamava de tritacuni ou corta couro na tradução para o português, e da dona Catarina. Antes da nossa casa ainda tinha a moradia da dona Dinha, irmã da Cida Giovelli.

Do outro lado, também vizinhos de muro, o maestro Américo Passarella e a dona Olga. Como era bom ouvir os ensaios do ‘seo’ Américo, que comandava a Banda Lira Itapirense e tocava pistão.

Na sequência vinha a alfaiataria do Carlos Venturini e da dona Nega. Era ali que eu me informava sobre as notícias do esporte lendo a Gazeta Esportiva.

Seguindo em direção à XV de Novembro vinha a casa de minha tia Angelina Venturini, o armazém e residência de seu genro Zé Breda, e a casa do Nando Venturini. Um pouco mais adiante morava o Zé Rocha e em seguida o Tunim Avancini, que alugava a casa de baixo para o Hélio Jacomini. O consultório dentário do Naite Avancini era o último antes do armazém dos Tellini, que ficava na esquina com a XV.

Do outro lado da rua, ao lado do escadão, reinava absoluto o palacete que abriga até hoje o Cartório Civil, sendo que em cima dele residia o Ângelo Lizi. A casa ao lado pertencia ao Zinho Modonezi, que tinha como vizinha a ferraria do Bertino, mais tarde substituída pela sede da Banda Lira.

Do lado dela tinha o sobrado da família Secchi Franco, única do quarteirão que possuía uma televisão. Era lá que as crianças do pedaço, no início da noite, como se fosse uma sessão de cinema, assistiam os desenhos animados e seriados.

Na casa seguinte residia o Hildebrando Banzatto. Depois vinha a casa da igreja presbiteriana.


Como era bom aquele tempo em que se podia brincar à noite na rua sem medo e sem os perigos dos dias atuais. Como era bom aquele tempo em que cada quarteirão era como uma comunidade, pois era ali que girava o nosso mundo e a vida de cada um.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Minha primeira eleição

Sou de um tempo em que se aprendia, de fato, nos bancos escolares. Um tempo em que os valores morais ditavam as regras e o respeito para com os educadores era o mesmo que tínhamos em casa, para com nossos pais.

E, naquele tempo, o aluno saía do quarto ano primário afiado, sabendo de fato ler e escrever. Se não aprendesse era reprovado e havia a necessidade de cursar novamente a mesma série no ano seguinte. Bem diferente do que temos hoje no ensino de modo geral.

Tive excelentes educadoras, principalmente nos quatro anos de primário. Professoras como Ismaelina Proença Pinto, Genny Piva Zázera, Gilmery Vasconcellos Pereira Ulbricht e Ivone Pegorari Vieira foram pessoas fundamentais na minha educação, tanto na formação escolar como na formação moral.

Lembro bem que minha afeição aos números já vem de longe, dos primeiros anos de Júlio Mesquita. Gostava dos números e das estatísticas que eles proporcionavam.

E foi dessa forma que vivi intensamente minha primeira eleição. O ano, lembro bem, era 1968. A disputa pela cadeira de prefeito tinha nomes respeitáveis como Hélio Pegorari, César Bianchi e Alcides de Oliveira, pela Arena, e Pedro Boretti, pelo MDB, que era a oposição.

Claro que eu não era eleitor ainda, afinal tinha apenas 11 anos. Mas pela proximidade da casa de meus avós paternos com a residência dos Bianchi, na João Pereira, meu candidato na disputa passou a ser o César Bianchi.

Acompanhei a apuração dos votos através da Rádio Clube e marcando atentamente cada urna em uma folha de papel de embrulho. Tudo muito bem feito, com a supervisão de minha mãe, que também gostava de acompanhar a apuração.

César Bianchi não ganhou. Ficou em terceiro, atrás do Alcides de Oliveira, que foi o segundo.

O eleito foi Hélio Pegorari, que foi um grande prefeito. Mas o que ficou na minha memória foi meu interesse por algo inusitado até então para aquele menino magricela de orelhas grandes.


Às vezes paro para pensar qual motivo me leva ao prazer de registrar essas lembranças. Aí descubro que o maior motivo talvez seja o de perpetuar algo nobre que existe em meu cerne para que, quando futuro se transformar em presente para minha pequena Mariane e eu talvez já faça parte do passado, ela possa descobrir, através desses escritos, um pouco do que o pai dela viveu na infância e na adolescência.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Pirulito Zorro

Sou de um tempo em que devolver a garrafa de Coca-Cola na cantina do ginásio rendia um pirulito Zorro. Era a forma encontrada pela direção da escola para disciplinar uma geração que já dava indícios de rebeldia.

Um tempo em que a maioria dos garotos da escola esperava com ansiedade o início do campeonato interno de futebol. E muitos até desistiam dos estudos no meio do ano só para garantir presença no ano seguinte e participar da competição.

Um tempo em que as competições esportivas realizadas pelo professor Barretto davam o que falar. Todo mundo marcava presença para ver de perto as disputas.

Naquela época, início dos anos 70, o ginásio – hoje chamado de ESO – era celeiro de grandes atletas e temido em todo o Estado. O trabalho que era comandado pelo professor Barretto era árduo, mas mostrava resultados. Atletas com Dão Rossi, Claudião Nascimento, Carlão Nogueira, Zé Alair, Pudim Simionato, Bi Rosário, Gildo Piardi, Ypê Ferreira Alves e tantos outros davam seqüência ao sucesso da geração anterior, que tinha em Paulinho Teté e Valdir Barbanti seus expoentes.

No meu tempo de ginásio, quando a pista em torno do campo de futebol era palco de uma corrida de mil metros, todo mundo parava para conferir qual seria a distância entre o vencedor e o resto do pelotão, pois todo mundo sabia que a vitória seria do Gildo Piardi, imbatível na distância e que comprovaria isso em competições pelo Brasil afora e por outros países da América do Sul.

Naquela mesma época surgiu um outro especialista na prova dos mil metros. Embora corresse descalço e fosse um garoto franzino, era capaz de deixar o resto do pessoal na poeira.

E por tudo isso, aquele menino, oriundo de Eleutério, era uma atração a parte. Luís Gustavo Cruz, apelidado de Tonelada por causa de seu tamanho e peso, mesmo sem a técnica necessária, fez história e figurou por muito tempo como recordista em sua categoria e também deu sua contribuição para que a fama que a cidade tinha lá fora como formadora de grandes atletas fosse mantida.


Lembrar fatos, detalhes e nomes é uma forma de manter vivo em minha memória esse tempo feliz de estudante. Buscar lá no fundo do baú de recordações o período em que professores eram respeitados pelos alunos como se fossem mestres, pais e gurus ao mesmo tempo. Um respeito que hoje, infelizmente, assim como o pirulito Zorro, não existe mais.

sábado, 15 de maio de 2010

Um gigante no meio-campo

Ninguém gosta de perder, principalmente quando se é criança ou mesmo adolescente. Com o passar dos anos as derrotas vão nos mostrando que nem sempre se vence e o jeito é aprender com elas.

E uma junção das duas coisas, ou seja, querer vencer e aprender com a derrota foi o que aconteceu na minha adolescência. Era o tempo em que o Paulistinha, time da minha rua, envergava sua camisa vermelha, tingida em um tambor na oficina do Luciano Venturini e com números pintados com tinta branca de pintar carroceria de caminhão.

Naquela época costumávamos organizar torneios no nosso campinho, ao lado do ribeirão da Penha, bem atrás de onde ficava a fábrica de sofás da Jupira. Nas tardes de domingo nosso time enfrentava, quase sempre, o time do Pito Aceso, que para quem não era da época, é o setor que engloba as ruas Santos Dumont, Romano Mozzaquatro e parte do final da Francisco Glicério, além da Carlos Chagas; e o time do bairro dos Prados.

Havíamos perdido um torneio para o pessoal do Pito Aceso, que tinha um time forte e cheio de garotos um pouco mais velhos. E aquela derrota estava entalada na nossa garganta. Afinal, perder em casa era uma humilhação para quem estava acostumado a derrotar a maioria dos times da cidade.

Para recuperar o moral e a taça, que eles tinham levado embora, o jeito foi organizar outro torneio e arriscar tudo. No primeiro jogo, como sempre, batemos o time dos Prados com facilidade e esperamos os dois se enfrentarem para depois travar a batalha final contra o temido time do Pito Aceso.

O campinho estava cheio de gente, tinha até uma barraquinha montada embaixo de uma goiabeira que ficava na ponta-esquerda de quem atacava para o gol da avenida Brasil. Minha mãe havia torrado amendoim e feito Ki-suco, que vendíamos para arrecadar um dinheirinho para o time.

Estava tudo pronto para a decisão, mas tínhamos que arrumar um jeito de vencer. Tirar alguma carta da manga para surpreender o temido adversário.

Foi aí que surgiu a luz no fim do túnel. No barranco, assistindo o torneio, estava o Zé Mário Piardi, que era uns anos mais velho e bem mais alto e forte que todos nós.

O convite foi feito e o Zé Mário, hoje morando na tranquila São Vicente, arregaçou as calças de pano xadrez e entrou em campo para compor no meio-campo.
Não que ele fosse um Gérson, um Ademir Da Guia, um Rivelino ou um craque da bola, mas seu tamanhão, ali no meio daqueles meninos, fez a diferença e vencemos o jogo por 2 a 1.


O moral e a taça estavam resgatados e, por medida de segurança, nunca mais organizamos um torneio com a presença do time do Pito Aceso. Era melhor ficar com o gostinho da vitória e ver nosso troféu na prateleira da alfaiataria do Carlos Venturini do que correr o risco de outro vexame em casa.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Mãe só tem uma

Quando se é criança é o colo da mãe que procuramos se algo nos aflige. É nele que buscamos a proteção contra qualquer ameaça.

Comigo não foi diferente. Quando algum pesadelo me atormentava durante o sono, lá estava ela, do meu lado, para dar proteção e acalmar meu pequeno coração.

E é incrível como, tantos anos depois, ainda tenho guardadas na memória inúmeras passagens que me fazem retroceder no tempo e ter a sensação de estar na janela do banheiro, olhando para as casinhas que compunham a paisagem ao alcance dos meus olhos.

Era sempre ali, naquela janela, de frente para o Cubatão, que ainda não tinha a grandeza de hoje, que minha mãe, com sua psicologia caseira, me fazia tomar o leite que eu muitas vezes não queria. Era contando quantas casas de cada cor havia no horizonte que ela me levava no bico e fazia com que o leite se transformasse em mero detalhe.
Talvez ali eu tenha tomado gosto pela estatística e pelos números, como tenho até hoje.

Lembro como se fosse hoje das nossas brincadeiras. Como gostava de brincar de futebol, minha mãe se transformava no goleiro adversário. Incorporava o goleiro José Poy, como sãopaulina fanática, para defender os chutes que eu desferia com a perna esquerda.

Ainda estão bem vivas em minha memória suas brincadeiras, piadas ou anedotas, como dizia, e a facilidade para as adivinhações. Era sempre a primeira a acertar qualquer tipo de charada.

Hoje, depois que Deus a levou, me pego muitas vezes de coração apertado, relembrando passagens de minha infância e muitas vezes sinto sua presença ao meu lado, me confortando e dando forças para seguir em frente. Talvez até nesse momento, em que tento segurar as lágrimas, que teimam em turvar minha visão, e engolir o nó que insiste em apertar minha garganta, sinto que meus pensamentos voam transportados por uma força inigualável.


Uma força que só as mães possuem. Uma força que sinto todos os dias, em todos os momentos, e que me impulsiona para seguir em frente.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Preso no alto da roda gigante

Ser criança tem suas vantagens. Não se tem compromisso a não ser com os estudos.

No meu tempo, que já vai um pouco longe, lembro muito bem, esperar por uma data festiva era algo incrível. Como o tempo custava a passar.

O Natal demorava ‘séculos’ para chegar, a Páscoa idem. Festa de Maio, então, uma eternidade.

Acredito que essa espera é que fazia com que tudo fosse mais gostoso. A Festa de Maio, por exemplo, era bem diferente do que é hoje.

Nós, crianças, não tínhamos tantas opções como atualmente, além do que a grana também era curta. Apesar disso nunca passei vontade de brincar neste ou naquele brinquedo.

As barracas de comes e bebes também eram bem diferentes das de hoje. Lembro da barraca da família Moreira, especialista em espetinho, quentão, pinhão e outras iguarias apropriadas para a época. Ficava bem em frente ao leilão instalado ao lado da igreja. A barraca do Lopes também era muito concorrida, assim como a barraca da própria igreja.

Para quem preferia os doces, ao contrário dos dias de hoje, as barracas de cocadas não tomavam conta de todos os espaços. O que mais tinha era maçã do amor, quebra-queixo e martelinho, um doce que grudava até na alma, vendido nos carrinhos de pipoca, mas que tinha um sabor muito bom.

Era um tempo bem diferente de hoje e até o clima era diferente, mais frio. Lembro que na volta da festa, já no colo do meu pai, vinha com aquele capuz, tipo aviador, na cabeça, para esquentar minhas belas e grandes orelhas.

Os tempos mudam, mas as lembranças permanecem e afloram na nossa mente quando o período da festa chega. Recordo de uma noite em que fiquei preso na roda gigante, lá no alto, porque a dita cuja parou por falta de energia. Como morria de medo de cair, fiquei duro como pedra até o brinquedo voltar a andar e tudo se normalizar.

Bons tempos que não voltam mais, que deixam saudades e aquela dor aguda na alma por representar momentos marcantes de nossa adolescência. Quem sabe um dia, numa outra ‘encadernação’, como costumo dizer, eu volte a ter a felicidade de curtir a Festa de Maio do jeitinho que ela era naqueles bons e velhos tempos.


A quarta série ginasial

Faz tempo que isso não ocorre, mas um tempo atrás eu vivia sonhando que estava nas dependências da escola onde cursei o ginasial e também ...