quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Sebo nas canelas

Sou de um tempo em que se jogava futebol no meio da rua. Um tempo em que as noites eram calmas e demorava muito para que um carro passasse e atrapalhasse a brincadeira. O gol era feito com dois pedaços de tijolo e arrancar a champa do dedão do pé nos paralelepípedos da rua era algo comum.

A bola rolava todas as noites na rua de casa e o jogo parava pouco antes das dez. Afinal, antes da diversão vinha o respeito às pessoas e às ordens que nossos pais impunham como regras básicas para as brincadeiras.

Nos finais de semana o jogo era transferido para o campinho que ficava às margens do ribeirão da Penha, onde hoje passa a avenida dos Italianos, pertinho da ponte da rua Sílvio Galizoni, que faz a ligação com o Cubatão.

Era ali que o Paulistinha mandava seus jogos. Mas quando surgia um convite de algum time de fazenda ou sítio lá íamos nós para enfrentar o desafio.

Fazenda Jardim, Sítio Grande, Córrego do Cocho era adversários tradicionais e fregueses contumazes. Nosso time era redondinho e dificilmente era batido.

E a viagem até o local do jogo era feita em charretes. Cada uma levava três ou quatro integrantes do time e a romaria partia cedo pra dar tempo de chegar para o jogo.

Um belo domingo de sol fomos nós, já devidamente uniformizados, até os Limas, enfrentar o time local. O convite partiu de um dos moradores daquela localidade que, virava e mexia, estava na rua de casa.

Fomos muito bem recebidos, principalmente por ter entre nós o Hermenegildo Giovelli, amigo de escola daquele morador que havia convidado nosso time para o jogo. Quando a bola rolou a amabilidade acabou.

Jogo difícil, equilibrado e a gente, ainda garotos, enfrentando aqueles marmanjos acostumados com a vida da roça, calejados e de porte físico muito mais avantajado. Mas isso não intimidava nosso time, que tinha técnica e corria bastante. E essa facilidade para correr acabou nos salvando de apanhar daquele pessoal de pele curtida pelo sol e que ficava bravo de verdade quando perdia um jogo.

A história começou quando o jogo, já no segundo tempo, estava empatado em 3 a 3. Rápido e driblador, o Vanderlei Zalgelmi, nosso ponta-direita, levou meio time deles na corrida e quando entrou na área foi derrubado. Pênalti claro que podia nos dar a vitória.

Aí veio o aviso: “se vocês baterem o pênalti e marcarem o gol vão apanhar”. É claro que o medo bateu naqueles garotos, mas a vontade de vencer era mais forte.

Ficamos todos prontos pra correr, só esperando a bola passar pela linha do gol na cobrança do pênalti. Como era o que mais corria, o Vanderlei ficou encarregado de bater o pênalti.

O chute saiu forte, longe do alcance do goleiro. E, imediatamente, iniciamos nossa fuga até as carrocinhas ‘estacionadas’ bem atrás do gol.

Lembro bem da cena dantesca. A gente correndo e pulando nas charretes e aquele pessoal todo atrás de nós.

E, como se dizia antigamente, era sebo nas canelas. Claro que escapamos e ainda saímos de lá comemorando a vitória por 4 a 3 e, principalmente, o fato de ter ludibriado nossos algozes.


Esse tempo não volta mais, mas as lembranças de infância ainda estão bastante claras. Hoje já não é mais possível se jogar futebol no meio da rua, mas se fechar os olhos ainda posso ver aquele menino magricela de orelhas grandes correndo atrás da bola.

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