Sou de um tempo em que se jogava futebol no meio da rua. Um tempo
em que as noites eram calmas e demorava muito para que um carro passasse e
atrapalhasse a brincadeira. O gol era feito com dois pedaços de tijolo e
arrancar a champa do dedão do pé nos paralelepípedos da rua era algo comum.
A bola rolava todas as noites na rua de
casa e o jogo parava pouco antes das dez. Afinal, antes da diversão vinha o
respeito às pessoas e às ordens que nossos pais impunham como regras básicas
para as brincadeiras.
Nos finais de semana o jogo era
transferido para o campinho que ficava às margens do ribeirão da Penha, onde
hoje passa a avenida dos Italianos, pertinho da ponte da rua Sílvio Galizoni,
que faz a ligação com o Cubatão.
Era ali que o Paulistinha mandava seus
jogos. Mas quando surgia um convite de algum time de fazenda ou sítio lá íamos
nós para enfrentar o desafio.
Fazenda Jardim, Sítio Grande, Córrego do Cocho era adversários
tradicionais e fregueses contumazes. Nosso time era redondinho e dificilmente
era batido.
E a viagem até o local do jogo era feita
em charretes. Cada uma levava três ou quatro integrantes do time e a romaria
partia cedo pra dar tempo de chegar para o jogo.
Um belo domingo de sol fomos nós, já
devidamente uniformizados, até os Limas, enfrentar o time local. O convite
partiu de um dos moradores daquela localidade que, virava e mexia, estava na
rua de casa.
Fomos muito bem recebidos, principalmente
por ter entre nós o Hermenegildo Giovelli, amigo de escola daquele morador que
havia convidado nosso time para o jogo. Quando a bola rolou a amabilidade
acabou.
Jogo difícil, equilibrado e a gente, ainda
garotos, enfrentando aqueles marmanjos acostumados com a vida da roça,
calejados e de porte físico muito mais avantajado. Mas isso não intimidava
nosso time, que tinha técnica e corria bastante. E essa facilidade para correr
acabou nos salvando de apanhar daquele pessoal de pele curtida pelo sol e que
ficava bravo de verdade quando perdia um jogo.
A história começou quando o jogo, já no
segundo tempo, estava empatado em 3 a 3. Rápido e driblador, o Vanderlei Zalgelmi,
nosso ponta-direita, levou meio time deles na corrida e quando entrou na área
foi derrubado. Pênalti claro que podia nos dar a vitória.
Aí veio o aviso: “se vocês baterem o
pênalti e marcarem o gol vão apanhar”. É claro que o medo bateu naqueles garotos,
mas a vontade de vencer era mais forte.
Ficamos todos prontos pra correr, só
esperando a bola passar pela linha do gol na cobrança do pênalti. Como era o
que mais corria, o Vanderlei ficou encarregado de bater o pênalti.
O chute saiu forte, longe do alcance do
goleiro. E, imediatamente, iniciamos nossa fuga até as carrocinhas
‘estacionadas’ bem atrás do gol.
Lembro bem da cena dantesca. A gente correndo e pulando nas
charretes e aquele pessoal todo atrás de nós.
E, como se dizia antigamente, era sebo nas canelas. Claro que escapamos e ainda saímos de
lá comemorando a vitória por 4 a 3 e, principalmente, o fato de ter ludibriado
nossos algozes.
Esse tempo não volta mais, mas as
lembranças de infância ainda estão bastante claras. Hoje já não é mais possível
se jogar futebol no meio da rua, mas se fechar os olhos ainda posso ver aquele
menino magricela de orelhas grandes correndo atrás da bola.
Nenhum comentário:
Postar um comentário