terça-feira, 31 de agosto de 2010

O exame de admissão

Sou de um tempo em que o respeito, com o perdão da redundância, era tratado com respeito. Lembro bem das noites de domingo, quando a praça central da cidade recebia centenas de pessoas, ávidas por um bate-papo com conhecidos e por momentos de lazer ao som da banda Lira.

A praça, recém reformulada, ostentava a matriz como baluarte da arquitetura e da fé das pessoas. O soar dos sinos era o sinal para que todos que ocupavam a praça parassem de andar, falar ou o que estivessem fazendo naquele momento. Era a senha para que as pessoas que ocupavam os bancos se levantassem e aguardassem pelo final do repicar para retomarem o que haviam interrompido.

Esse tempo, claro, ficou no passado, um passado repleto de costumes e gestos respeitosos, como pedir a bênção aos pais, avós, tios e padrinhos. Ou chamar de senhor ou senhora os mais velhos.

Lembro bem das brincadeiras na rua de casa todas as noites. Podia ser pega-pega, futebol ou qualquer outra brincadeira. Quando os ponteiros do relógio se aproximavam das dez da noite era hora de tomar o rumo de casa, sem esperar pelo chamado dos pais.

No meu tempo de criança estudar no ginásio era o sonho de 10 entre 10 alunos do primário. Para conseguir uma vaga era preciso passar pelo exame de admissão e, para tanto, aulas particulares eram ministradas na Escola Técnica de Comércio.

Lembro bem dessas aulas, à tarde, em período contrário ao das aulas no Júlio Mesquita, onde menino estudava no período da manhã e menina frequentava as aulas à tarde. No cursinho preparatório para o exame de admissão era importante aproveitar ao máximo as instruções dos professores Fenízio Marchini e Orlando Dini, pois só assim as chances de entrar para o ginásio eram concretas. Fiz a minha parte, garantindo minha vaga com sobras e notas expressivas.


São lembranças de um tempo que não volta mais, que ficaram guardadas no meu baú de memórias e que são desenterradas sempre que algum fato me transporta no tempo. Aí, volto a ser aquele menino magricela de orelhas grandes, sempre atento aos fatos e aos ensinamentos que a vida nos reserva.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O Saratoga do meu avô

Não conheci meu avô materno. Anos antes do meu nascimento um câncer o levou aos 54 anos. ‘Seo’ Antonio Papaléo, pelo que minha mãe contava, era um homem austero, inteligente e muito bem informado.

Além de algumas parcas fotos que restaram do seu tempo aqui na terra, sobrou para minha família um rádio, daqueles bem antigos, da marca Saratoga. Por muitos anos aquele aparelho ficou num canto da sala, sem muito uso pois, apesar da nossa casa ainda não ter um aparelho de TV, minha mãe tinha outro rádio no quarto e era nele que ouvia as novelas da rádio Nacional do Rio de Janeiro todas as tardes, enquanto bordava, fazia crochê ou tricô.

Quando passei a gostar de ouvir rádio e a ter acesso a eles foi naquele velho aparelho herdado do meu avô que comecei a procurar por emissoras e programas. Lembro bem do som forte e limpo que seu potente falante emitia.

À noite era nele que eu ouvia a programação da rádio Mundial do Rio de Janeiro, uma AM que botava qualquer emissora de FM, principalmente as de hoje, no chinelo. Era gostoso ficar horas e horas olhando pro nada, imaginando como era a emissora por dentro e ouvir as baladas e as vozes incomparáveis de seus locutores.

O Saratoga resistia bem ao tempo e à minha curiosidade. Seu único defeito estava no botão da sintonia, que não funcionava mais por ter escapado do cordão que girava o dial. Mas isso não era problema para aquele menino magricela de orelhas grandes que já estava se tornando um jovem.

Era só meter a mão por detrás do aparelho e girar o barbante com a mão. É claro que de vez em quando dava umas queimadas nos dedos por causa das válvulas, mas valia a pena.

Mas, como tudo que é bom dura pouco, meu velho companheiro acabou me deixando sozinho. Não por minha ou sua culpa, mas por causa de um primo, que ‘entendia’ de tudo e se meteu a enrolar o motorzinho do Saratoga.

Na esperança de ver o velho rádio novo em folha, vi ele levar a peça embora e, depois de um bom tempo, voltar com a mesma toda melada, dizendo que não prestava mais. Foi o fim de uma parceria muito prazerosa, que me fez viajar nas ondas do rádio e tomar ainda mais gosto por esse meio de comunicação incrível, capaz de aguçar nossa imaginação.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Só vão restar as lembranças

Dizem que dessa vida nada se leva. Será? Sinceramente, acredito que são muitos os ingredientes que levaremos na bagagem quando o trem chegar para nos levar daqui para o lugar que, dizem, está reservado para cada um de nós.

Todas as vezes que viajamos, a serviço ou para um simples passeio de férias, a preocupação com o espaço na mala é evidente. O que levar? Roupas, sapatos, escova de dente, objetos pessoais, máquina fotográfica e outras bugigangas lotam todos os espaços.

Para aquela que dizem ser nossa última viagem não deve ser diferente. As boas lembranças devem ficar em um local de fácil acesso, prontas para serem encontradas no primeiro momento de saudade. Afinal, é pra isso que servem. Para apaziguar o aperto no peito e o nó na garganta.

As boas amizades que conquistamos nessa nossa passagem pela Terra precisam ficar bem acomodadas em um local da mala. Como não sabemos qual será nosso paradeiro final, é a elas que iremos recorrer em caso de solidão, medo, insegurança ou necessidade. Se angariamos bons amigos por aqui, com certeza eles não nos faltarão no primeiro momento de fraqueza.

Os lugares bonitos que conhecemos também deverão estar entre os pertences. Como um manual de viagem, daqueles que utilizamos quando saímos sem destino definido, eles irão servir como ilustração para nossa caminhada rumo ao ponto final.


E, finalmente, as boas ações que praticamos por aqui preencherão os espaços que sobrarem na mala. São elas que irão garantir que seremos bem recebidos, onde formos parar nessa viagem. Serão nosso cartão de visita em qualquer ponto ou paradeiro.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Um mundo chamado quarteirão

Sou de um tempo em que todo mundo conhecia todo mundo. Um tempo em que havia mais respeito pelas pessoas e laços de amizade mais sinceros com a vizinhança.

Lembro bem dos meus tempos de criança, época em que os vizinhos eram como se fossem da família. No primeiro quarteirão da Comendador João Cintra, onde nasci e vivi grande parte da vida, ali pertinho do início da avenida Brasil, as pessoas se davam bem e se ajudavam quando necessário.

Guardo na memória cada habitante daquele pedaço que, para mim, um menino magricela de orelhas grandes, era tão grande que tinha a imensidão do mundo. Lembro da feição de cada um, suas particularidades e até mesmo a forma engraçada que minha avó materna, italianíssima de Nápoles, tratava cada um.

Do lado de lá da ladeira São João, na esquina, tinha a casa do Nilo Boretti e da dona Wilma. Ele, um cozinheiro de mão cheia, principalmente quando o assunto era uma boa massa, e ela sempre debruçada nas costuras.

Na descida da ladeira moravam o Santim Giovelli e a dona Cida, nossa vizinha de muro e de receitas, pais do Hermenegildo e da Rosângela. Na esquina, já na Comendador João Cintra, ficava a residência do sapateiro Antonio Nóris, que minha vó Carmela chamava de tritacuni ou corta couro na tradução para o português, e da dona Catarina. Antes da nossa casa ainda tinha a moradia da dona Dinha, irmã da Cida Giovelli.

Do outro lado, também vizinhos de muro, o maestro Américo Passarella e a dona Olga. Como era bom ouvir os ensaios do ‘seo’ Américo, que comandava a Banda Lira Itapirense e tocava pistão.

Na sequência vinha a alfaiataria do Carlos Venturini e da dona Nega. Era ali que eu me informava sobre as notícias do esporte lendo a Gazeta Esportiva.

Seguindo em direção à XV de Novembro vinha a casa de minha tia Angelina Venturini, o armazém e residência de seu genro Zé Breda, e a casa do Nando Venturini. Um pouco mais adiante morava o Zé Rocha e em seguida o Tunim Avancini, que alugava a casa de baixo para o Hélio Jacomini. O consultório dentário do Naite Avancini era o último antes do armazém dos Tellini, que ficava na esquina com a XV.

Do outro lado da rua, ao lado do escadão, reinava absoluto o palacete que abriga até hoje o Cartório Civil, sendo que em cima dele residia o Ângelo Lizi. A casa ao lado pertencia ao Zinho Modonezi, que tinha como vizinha a ferraria do Bertino, mais tarde substituída pela sede da Banda Lira.

Do lado dela tinha o sobrado da família Secchi Franco, única do quarteirão que possuía uma televisão. Era lá que as crianças do pedaço, no início da noite, como se fosse uma sessão de cinema, assistiam os desenhos animados e seriados.

Na casa seguinte residia o Hildebrando Banzatto. Depois vinha a casa da igreja presbiteriana.


Como era bom aquele tempo em que se podia brincar à noite na rua sem medo e sem os perigos dos dias atuais. Como era bom aquele tempo em que cada quarteirão era como uma comunidade, pois era ali que girava o nosso mundo e a vida de cada um.

A quarta série ginasial

Faz tempo que isso não ocorre, mas um tempo atrás eu vivia sonhando que estava nas dependências da escola onde cursei o ginasial e também ...