quarta-feira, 13 de junho de 2012

Fábrica de sonhos

Sou de um tempo em que a vida consistia em nascer, crescer, casar e trabalhar para sustentar a família. Um tempo em que os recursos eram parcos, mas de grandes e boas recordações.

Lembro bem que meu pai sempre foi um trabalhador. Saía cedo de casa para o trabalho, voltava pro almoço e já rumava novamente para a fábrica de móveis lá no final da avenida Rio Branco. E tudo isso a pé.

Mesmo quando sua bronquite asmática atacava, principalmente na época do frio, lá estava ele com um lenço protegendo o nariz, tal qual um bandido de filmes de faroeste, enfrentando o pó produzido pela serra que cortava a madeira que mais tarde se transformaria em peças de mobiliário.

Cresci vendo esse filme e admirando meu pai, não só por seu esforço, mas principalmente pela facilidade com que transformava uma simples prancha de imbuia em um armário ou uma cama de casal. Vez por outra eu o acompanhava até a fábrica e ficava vendo ele desempenhar sua função de marceneiro.

Lembro de cada detalhe daquela fábrica de móveis. Seus sete sócios – Ulysses Ravetta, Tila Avancini, Orlando Sartori, Beti Bayod, Adilson Ravetta, Francisco Tossini e meu pai -, cada um em seu banco de trabalho e os funcionários que ali trabalhavam. O Vicente Gomes, que conheço desde menino e que foi meu amigo de infância, o Zé Pedro Oziliero, o Camilo, o Pixorra e tantos outros que por ali passaram.

Tudo ali me fascinava, mas o que mais me chamava a atenção era a arte e o talento do Chico Tossini, um mestre na arte de entalhar a madeira e transformá-la em algo incomparável. Sua forma de trabalhar com o formão ou cinzel e o martelo de madeira era algo de tirar o chapéu.

Tudo aquilo já ficou para trás, fazendo parte apenas da minha infância e das recordações do tempo em que eu era um menino magricela de orelhas grandes. Aquele fábrica de sonhos que sustentava sete famílias e dava emprego para outro tanto de pessoas fechou suas portas e encerrou para sempre um ciclo que guardo com carinho em meu baú de memórias.


Quando fecho os olhos e me voltou para o passado, ainda posso ver meu pai em seu ambiente de trabalho naquela fábrica de sonhos e até sentir o cheiro do pó da madeira, que exalava de suas roupas quando ele chegava em casa no final da tarde. Exausto, mas feliz por ter cumprido mais um dia de sua árdua tarefa de sustentar a família com dignidade. 

sábado, 7 de abril de 2012

Que amor é esse?

Sou de um tempo em que a amizade entre as pessoas era muito mais verdadeira. Um tempo em que havia respeito para com os mais velhos.

Cresci aprendendo que o amor ao próximo era um sentimento original. Amar pai e mãe, principalmente, era primordial.

Lembro bem que, como criança, era meu dever respeitar os mais velhos, pedir a bênção aos meus avós, tios e padrinhos. Bem diferente dos dias atuais e da forma com que os mais velhos são tratados.

Já passei dos cinquenta, já vai longe o tempo em que eu era um menino magricela de orelhas grandes, mas nem por isso esqueci como se deve tratar uma pessoa mais velha. Acredito que os ensinamentos que recebemos quando criança devem ficar para sempre.

Sempre amei e respeitei meus pais e guardo seus ensinamentos como se guarda um tesouro. Aprendi com eles que o amor é algo verdadeiro.

Gostei de muita gente nessa vida e algumas pessoas, acredito, também gostaram de mim. Por isso sei o que é esse sentimento e o que ele significa.

Mas, como na vida a gente vive aprendendo, nada melhor que um dia após o outro para descobrirmos novas formas de amor. Para ser sincero, nunca imaginava que seria pai e sentiria tanto orgulho por isso.

Mas, mais do que isso, nunca imaginava ser pai depois dos 50 e sentir que sou alvo de tanto amor. E esse sentimento que vem de dentro do coração torna-se ainda maior e mais sincero quando parte de uma criança.

Às vezes, quando minha pequena Mariane já dorme a sono solto, me entrego aos pensamentos e busco uma explicação para tudo aquilo que ela me ensina com seu jeito simples de encontrar soluções ou pela forma de externar o amor que sente pelo pai. Fico a imaginar como seria minha vida sem ela, sem sua presença, sem seu amor e carinho.

Por tudo o que ela representa em minha existência, tenho plena consciência da sua importância para mim. Mas, muitas vezes, não consigo encontrar explicação para tudo que represento para ela.


Sei que um filho deve amar e respeitar pai e mãe, como aprendi na infância, mas sua forma de expressar esse amor e esse carinho é algo muito além de tudo que experimentei nessa minha caminhada. Por isso, sozinho em meus pensamentos, frequentemente olho para ela, dormindo como um anjo, e me pergunto: que amor é esse? A resposta vem quase que de forma imediata, pois seu semblante sereno, tranquilo, enquanto dorme, traduz tudo aquilo que seu coração emana para seu velho pai. 

sexta-feira, 2 de março de 2012

Medos da infância

Sou de um tempo em que era só falar em morrer que eu já morria de medo. Tinha medo de morrer, tinha medo que meu pai morresse, que minha mãe morresse, enfim, a morte me metia um medo danado.

Lembro bem que quando ainda era um menino magricela de orelhas grandes e acreditava em tudo que me diziam, fiquei assustado quando ouvi que o mundo acabaria no ano 2000. Não dormia à noite e ficava imaginando como seria sem o mundo.

Ainda me recordo de um dia em que fui ao cinema assistir um filme daqueles que tinha Hércules, Maciste e aqueles monstros de sete cabeças. Não consegui ficar no cinema de tanto medo que aquela fosse a forma que o mundo iria terminar.

Fui pra casa e na minha cama, remexendo com meus pensamentos, ouvia a gritaria do público que estava em um circo montado no campo do Coraça, onde hoje é o campo Bento Nunes. Como o rio estava bufando por causa das chuvas, imaginava que a água estava entrando no circo e levando todos embora.

Tudo isso era coisa de criança, medo que todas as crianças têm. Mas eu não sabia disso e custava a dormir de tanto pensar.

Quando morria alguém da vizinhança então, era um Deus nos acuda quando a noite chegava. Era só ficar na penumbra do quarto, sozinho com meus pensamentos, para o medo voltar.

O porão de casa era outro calcanhar de Aquiles para mim. Descer à noite no quintal, nem pensar.

Tudo por causa de um sonho que tive certa noite no qual um bicho esquisito, parecido com aqueles de filme de Hércules, saía do porão. Daquele dia em diante nunca mais esqueci do sonho e muito menos do medo que ele causou.

O tempo passou, o ano 2000 já vai longe, o mundo não acabou e a vida continuou. Hoje, lembro de tudo aquilo e acho engraçado.

Já perdi meu pai, minha mãe também já se foi e, apesar da dor que isso provoca, sei que é a lei da vida. Não temos como lutar contra isso.

É a única certeza que todos nós temos, de que um dia iremos tomar o trem para a viagem final. Só resta descobrir qual o destino, pois nunca ninguém voltou ou ligou pra dizer como é naquelas paragens.

Espero que seja uma continuação daqui, pois assim poderei ter tudo e todos de volta. Tudo aquilo que tive na minha infância e que hoje sinto muita falta.

Ter meus pais, em um bangalô, como minha mãe sempre dizia. Os passarinhos cantando, o cheiro do pão assando, os banquinhos da cozinha na porta de casa, os parentes e vizinhos queridos que já partiram e até os medos que toda criança tem.

Já vivi mais de meio século, já estou na curva que aponta o caminho de todos nós e nada mais me assusta. Por isso, a única coisa que sempre peço a Deus é que me dê saúde para continuar por aqui até que minha pequena Mariane já seja uma moça e saiba se defender.


Só assim poderei entrar no trem e fazer a tal viagem. Não sem antes pedir para dar uma parada naquela lanchonete que tem na porta do ‘morituris’ para tomar a última... 

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

'Pronto, já estamos em casa'

Sou de um tempo em que uma viagem de ônibus até São Paulo demorava pelo menos três horas. Um tempo em que tudo era mais difícil, mais moroso, mas ao mesmo tempo mais romântico.

Lembro bem que meu pai, como um dos sócios da Fábrica de Móveis Santa Terezinha, pelo menos a cada dois meses tinha como rotina ir até São Paulo para fazer compras para a fábrica. Pregos, parafusos e dobradiças faziam parte da lista e eram encontrados em lojas da rua do Gasômetro, na região central da Capital.

A cada ida até São Paulo, para nossa alegria, meu pai levava um de nós para passear. As viagens eram divididas entre minha mãe, minha irmã mais velha e eu.

Eu ainda era um menino magricela de orelhas grandes e adorava aquele passeio. Por isso, quando chegava minha vez de acompanhar meu pai, a ansiedade pelo momento de entrar no ônibus do Expresso Cristália era tanta que o sono custava a chegar.

Acompanhar meu pai nas compras não era nada fácil. Era tudo feito na base da caminhada por aquelas ruas tomadas de gente, carros, ônibus e bondes, mas para mim era uma diversão e tanto.

Com meus olhinhos atentos a tudo, eu prestava atenção no movimento daquela cidade gigantesca para guardar na memória, pois sabia que teria que esperar minha vez novamente. Meu pai tinha um coração do tamanho do mundo e nunca deixava de comprar doces para trazer para casa.

Lembro que quando chegávamos de volta à velha rodoviária de São Paulo, na região da Luz, já era final de tarde. Quando entrávamos no ônibus do Cristália meu pai costumava dizer: “pronto, já estamos em casa”.

Essa frase ficou gravada em minha memória e expressava o verdadeiro sentimento de muita gente daquela época. Afinal, o Cristália, como era genuinamente itapirense, fazia parte da vida de cada um de nós.

A viagem era demorada e nas duas paradas que o ônibus fazia muita gente aproveitava para abrir as janelas, pois era forte o cheiro de combustível que impregnava o ar dentro do ônibus. Tanto em Campinas como em Mogi Mirim o ônibus fazia sua parada costumeira e os passageiros eram abordados, através das janelas, pelos vendedores ambulantes.

Como a parada era rápida os ambulantes corriam até as janelas do ônibus na tentativa de vender biscoitos, doces ou balas. E um desses personagens ficou gravado em minha memória.

Era um senhor de cabelos brancos, que com sua cesta de bambu, vendia biscoito na rodoviária de Mogi Mirim. Era uma figura diferente, por isso nunca me esqueci daquele homem.

Vivia correndo com sua cesta entre os ônibus, de janela em janela, na tentativa de vender os biscoitos. A pressa dele era tanta que ao anunciar o que estava vendendo acabava pronunciando ‘coito’ ao invés de biscoito.

Confesso que não presenciei a cena, mas o João Roberto Panizola, o JP da Rádio Clube, que por muito tempo trabalhou como cobrador no Cristália, viu e me contou. Um dia, ao ver uma pessoa tentando abrir a janela do ônibus de forma desesperada, esse homem não pensou duas vezes e se colocou embaixo da janela, aguardando que a mesma fosse aberta.

Ali estava ele proferindo o tradicional ‘coito, coito’ e a pessoa tentando abrir a janela. Quando, finalmente, a mesma se abriu, o passageiro soltou tudo o que estava embrulhando seu estômago atingindo homem, cesta e biscoitos em cheio.

Aquela cena dantesca ficou na memória do João e até hoje é lembrada. Cada vez que conversamos sobre fatos de antigamente damos boas risadas.


Hoje tudo está diferente, Mogi Mirim, Campinas e São Paulo têm outras rodoviárias, modernas. O Expresso Cristália já não pertence mais à família Coloço, mas as viagens até São Paulo ao lado de meu pai nunca serão esquecidas, assim como o JP nunca esquecerá aquela cena presenciada na rodoviária mogimiriana.

A quarta série ginasial

Faz tempo que isso não ocorre, mas um tempo atrás eu vivia sonhando que estava nas dependências da escola onde cursei o ginasial e também ...