Sou de um tempo em que uma viagem de ônibus até São Paulo demorava
pelo menos três horas. Um tempo em que tudo era mais difícil, mais moroso, mas
ao mesmo tempo mais romântico.
Lembro bem que meu pai, como um dos sócios
da Fábrica de Móveis Santa Terezinha, pelo menos a cada dois meses tinha como
rotina ir até São Paulo para fazer compras para a fábrica. Pregos, parafusos e
dobradiças faziam parte da lista e eram encontrados em lojas da rua do
Gasômetro, na região central da Capital.
A cada ida até São Paulo, para nossa
alegria, meu pai levava um de nós para passear. As viagens eram divididas entre
minha mãe, minha irmã mais velha e eu.
Eu ainda era um menino magricela de
orelhas grandes e adorava aquele passeio. Por isso, quando chegava minha vez de
acompanhar meu pai, a ansiedade pelo momento de entrar no ônibus do Expresso
Cristália era tanta que o sono custava a chegar.
Acompanhar meu pai nas compras não era
nada fácil. Era tudo feito na base da caminhada por aquelas ruas tomadas de
gente, carros, ônibus e bondes, mas para mim era uma diversão e tanto.
Com meus olhinhos atentos a tudo, eu
prestava atenção no movimento daquela cidade gigantesca para guardar na
memória, pois sabia que teria que esperar minha vez novamente. Meu pai tinha um
coração do tamanho do mundo e nunca deixava de comprar doces para trazer para
casa.
Lembro que quando chegávamos de volta à
velha rodoviária de São Paulo, na região da Luz, já era final de tarde. Quando
entrávamos no ônibus do Cristália meu pai costumava dizer: “pronto, já estamos
em casa”.
Essa frase ficou gravada em minha memória
e expressava o verdadeiro sentimento de muita gente daquela época. Afinal, o
Cristália, como era genuinamente itapirense, fazia parte da vida de cada um de
nós.
A viagem era demorada e nas duas paradas
que o ônibus fazia muita gente aproveitava para abrir as janelas, pois era
forte o cheiro de combustível que impregnava o ar dentro do ônibus. Tanto em
Campinas como em Mogi Mirim o ônibus fazia sua parada costumeira e os
passageiros eram abordados, através das janelas, pelos vendedores ambulantes.
Como a parada era rápida os ambulantes
corriam até as janelas do ônibus na tentativa de vender biscoitos, doces ou
balas. E um desses personagens ficou gravado em minha memória.
Era um senhor de cabelos brancos, que com
sua cesta de bambu, vendia biscoito na rodoviária de Mogi Mirim. Era uma figura
diferente, por isso nunca me esqueci daquele homem.
Vivia correndo com sua cesta entre os
ônibus, de janela em janela, na tentativa de vender os biscoitos. A pressa dele
era tanta que ao anunciar o que estava vendendo acabava pronunciando ‘coito’ ao
invés de biscoito.
Confesso que não presenciei a cena, mas o
João Roberto Panizola, o JP da Rádio Clube, que por muito tempo trabalhou como
cobrador no Cristália, viu e me contou. Um dia, ao ver uma pessoa tentando
abrir a janela do ônibus de forma desesperada, esse homem não pensou duas vezes
e se colocou embaixo da janela, aguardando que a mesma fosse aberta.
Ali estava ele proferindo o tradicional
‘coito, coito’ e a pessoa tentando abrir a janela. Quando, finalmente, a mesma
se abriu, o passageiro soltou tudo o que estava embrulhando seu estômago
atingindo homem, cesta e biscoitos em cheio.
Aquela cena dantesca ficou na memória do
João e até hoje é lembrada. Cada vez que conversamos sobre fatos de antigamente
damos boas risadas.
Hoje tudo está diferente, Mogi Mirim,
Campinas e São Paulo têm outras rodoviárias, modernas. O Expresso Cristália já
não pertence mais à família Coloço, mas as viagens até São Paulo ao lado de meu
pai nunca serão esquecidas, assim como o JP nunca esquecerá aquela cena
presenciada na rodoviária mogimiriana.
Nenhum comentário:
Postar um comentário