Sou de um tempo em que ser feliz era ter ao redor pessoas que eram
queridas. Um tempo em que a felicidade era algo simples e fácil de ser
alcançada.
Naquela época tudo era mais difícil. Não
existia o que hoje chamamos de tecnologia. Uma ligação telefônica para outra
cidade, por exemplo, demorava horas para ser completada.
Falar com quem morava a quilômetros de
distância era algo quase impossível. Por isso, receber notícias dos parentes
longínquos só era possível através de cartas.
Receber visita de parente que morava
longe, então, era raro. Quando isso ocorria era uma festa.
Lembro bem de um período de minha vida,
mais precisamente no início dela. Eu era um menino magricela de orelhas
grandes, com quatro ou cinco anos de idade.
Meu primo Arturzinho, filho de minha tia
Nira, irmã de minha mãe, necessitava de uma cirurgia no coração, apesar de ser
um jovem ainda, com 17 ou 18 anos. Por
residir na distante Álvares Machado, na Alta Sorocabana, ficou decidido que ele
passaria um tempo em minha casa após a operação realizada no Hospital das
Clínicas, em São Paulo, para ficar mais próximo da Capital, caso houvesse
necessidade de um acompanhamento médico.
Não sei ao certo quanto tempo ele
permaneceu em minha casa, talvez por uns seis meses. Só sei que para mim, um
garotinho ainda, foi um dos períodos mais felizes de minha existência.
Talvez pela distância que o separava de
sua família, meu primo dedicava grande parte de se tempo às brincadeiras com
aquele moleque magricela. Quando chegou a hora dele voltar para sua casa, já
totalmente recuperado da cirurgia, foi preciso que deixasse minha casa de
madrugada, sem se despedir daquele menino que era sua sombra em grande parte do
tempo.
Alguns anos depois meu primo Arturzinho
casou-se e, junto com a esposa Carol, construiu uma bela família, de sete
filhos, todos com o nome começando com a letra A – Arthur, Adriano, André,
Álvaro, Alessandro e Aroldo e, no meio de tantos marmanjos, a Adriana. Uma
família unida e que lhe deu todas as alegrias que uma pessoa com seu carisma e
bondade merecem.
Mas, antes desse povo todo vir ao mundo,
um fato curioso marcou minha infância. Lembro bem que foi justamente durante a
lua-de-mel de meu primo e sua esposa Carol.
Como era um apreciador dos dotes
culinários de minha mãe, cada vez que aportava por aqui meu primo pedia um
prato diferente e prontamente era atendido. Naquela oportunidade o prato
escolhido foi pato assado e lá fomos nós, eu, minha mãe, o Artur e a Carol,
atrás do bichinho.
Eu cursava o segundo ano do curso primário
no Júlio Mesquita e lembro muito bem que havia saído da aula quando fomos no
Fusca dele em busca do ingrediente principal. O tal do pato foi comprado lá
pelos lados do Morro do Macumbê e colocado no banco de trás do carro, entre eu
e minha mãe.
Em determinado momento de sua derradeira
viagem, talvez ciente de que seu destino era uma panela, o bichinho,
possivelmente com medo, deu pra fazer suas necessidades. Apavorados com a
situação e vendo aquele pato sujando o assento do carro, meu primo e minha mãe
não tiveram dúvidas e mais que depressa tiraram minha camisa do uniforme
escolar, branca com a s letras J e M bordadas no bolso, além das duas listras
indicando que eu estava no segundo ano, e fizeram dela a fralda, o cueiro ou a
calça plástica daquele bicho cagão.
Claro que o pato ficou uma delícia depois
de assado. Mas que deu um trabalho danado para minha mãe limpar minha camisa de
uniforme, disso não tenho dúvida.
Arturzinho partiu dessa vida no final de 2010, mas levou consigo a
certeza de ter construído algo de bom nesse mundo. Guardo dele as melhores
recordações possíveis. Carrego em minha memória o carinho com que aquele primo
mais velho me tratava e dedicava grande parte de seu tempo para aquele menino
magricela de orelhas grandes, que talvez o tenha auxiliado na difícil tarefa de
engolir a saudade de casa e de sua família.