sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Pato cagão

Sou de um tempo em que ser feliz era ter ao redor pessoas que eram queridas. Um tempo em que a felicidade era algo simples e fácil de ser alcançada.

Naquela época tudo era mais difícil. Não existia o que hoje chamamos de tecnologia. Uma ligação telefônica para outra cidade, por exemplo, demorava horas para ser completada.

Falar com quem morava a quilômetros de distância era algo quase impossível. Por isso, receber notícias dos parentes longínquos só era possível através de cartas.

Receber visita de parente que morava longe, então, era raro. Quando isso ocorria era uma festa.

Lembro bem de um período de minha vida, mais precisamente no início dela. Eu era um menino magricela de orelhas grandes, com quatro ou cinco anos de idade.

Meu primo Arturzinho, filho de minha tia Nira, irmã de minha mãe, necessitava de uma cirurgia no coração, apesar de ser um jovem ainda, com 17 ou 18 anos. Por residir na distante Álvares Machado, na Alta Sorocabana, ficou decidido que ele passaria um tempo em minha casa após a operação realizada no Hospital das Clínicas, em São Paulo, para ficar mais próximo da Capital, caso houvesse necessidade de um acompanhamento médico.

Não sei ao certo quanto tempo ele permaneceu em minha casa, talvez por uns seis meses. Só sei que para mim, um garotinho ainda, foi um dos períodos mais felizes de minha existência.

Talvez pela distância que o separava de sua família, meu primo dedicava grande parte de se tempo às brincadeiras com aquele moleque magricela. Quando chegou a hora dele voltar para sua casa, já totalmente recuperado da cirurgia, foi preciso que deixasse minha casa de madrugada, sem se despedir daquele menino que era sua sombra em grande parte do tempo.

Alguns anos depois meu primo Arturzinho casou-se e, junto com a esposa Carol, construiu uma bela família, de sete filhos, todos com o nome começando com a letra A – Arthur, Adriano, André, Álvaro, Alessandro e Aroldo e, no meio de tantos marmanjos, a Adriana. Uma família unida e que lhe deu todas as alegrias que uma pessoa com seu carisma e bondade merecem.

Mas, antes desse povo todo vir ao mundo, um fato curioso marcou minha infância. Lembro bem que foi justamente durante a lua-de-mel de meu primo e sua esposa Carol.

Como era um apreciador dos dotes culinários de minha mãe, cada vez que aportava por aqui meu primo pedia um prato diferente e prontamente era atendido. Naquela oportunidade o prato escolhido foi pato assado e lá fomos nós, eu, minha mãe, o Artur e a Carol, atrás do bichinho.

Eu cursava o segundo ano do curso primário no Júlio Mesquita e lembro muito bem que havia saído da aula quando fomos no Fusca dele em busca do ingrediente principal. O tal do pato foi comprado lá pelos lados do Morro do Macumbê e colocado no banco de trás do carro, entre eu e minha mãe.

Em determinado momento de sua derradeira viagem, talvez ciente de que seu destino era uma panela, o bichinho, possivelmente com medo, deu pra fazer suas necessidades. Apavorados com a situação e vendo aquele pato sujando o assento do carro, meu primo e minha mãe não tiveram dúvidas e mais que depressa tiraram minha camisa do uniforme escolar, branca com a s letras J e M bordadas no bolso, além das duas listras indicando que eu estava no segundo ano, e fizeram dela a fralda, o cueiro ou a calça plástica daquele bicho cagão.

Claro que o pato ficou uma delícia depois de assado. Mas que deu um trabalho danado para minha mãe limpar minha camisa de uniforme, disso não tenho dúvida.

Arturzinho partiu dessa vida no final de 2010, mas levou consigo a certeza de ter construído algo de bom nesse mundo. Guardo dele as melhores recordações possíveis. Carrego em minha memória o carinho com que aquele primo mais velho me tratava e dedicava grande parte de seu tempo para aquele menino magricela de orelhas grandes, que talvez o tenha auxiliado na difícil tarefa de engolir a saudade de casa e de sua família.

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