sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Cheiro de Natal

Sou de um tempo em que os preparativos para o Natal consumiam dias e dias no seio de minha família. Um tempo em que todos nós nos reuníamos para a tradicional ceia natalina e para o almoço de Natal.

Lembro bem desse tempo e um pequeno detalhe que seja já serve para me reportar àquela época feliz de minha existência. Seja uma música, um enfeite natalino ou mesmo um cheirinho tradicional de algo assando e pronto, lá vou eu para o túnel do tempo.

Esse período que antecede o Natal deixa meu espírito desprotegido no que diz respeito aos sentimentos que a saudade daquele tempo me dá. Basta fechar os olhos e recordar um daqueles dias e o nó na garganta aperta, os olhos marejam e a dor da perda aparece como um bólido.

Dia desses ocorreu algo parecido que me fez voltar imediatamente no tempo. Nas muitas andanças pelas lojas da cidade, em uma delas, a Marfim, um frasco com aroma de pinheiro foi o bastante para me remeter ao tempo em que eu ainda era um menino magricela de orelhas grandes.

Quando ouvi dizer que aquele spray tinha cheiro de Natal, imediatamente fui sentir o tal cheiro para ver se era mesmo aquele cheiro que eu sentia quando era criança. Esperava, ao sentir o aroma, voltar aos meus tempos de infância, mas aí me bateu a dúvida: o que seria para mim um cheiro de Natal?

Mais do que depressa me veio à mente o cheiro da leitoa assada ou do frango assando no forno. Eram esses os aromas que eu esperava sentir, que me faziam lembrar do Natal, não que cheiro de pinheiro não seja um aroma natalino, mas para mim cheiro de Natal é cheiro de carne assando no forno.

A Claudia, minha irmã mais nova, que estava comigo na loja, sem que eu dissesse algo, já foi logo dizendo que para ela cheirinho de Natal era aquele dos canudos recheados com doce de coco que minha mãe fazia. Claro que nada disso havia na fragrância daquele spray, mas aquele momento serviu para mostrar o quanto lembramos de nossa infância e das coisas boas que guardamos dela.

Tudo isso acabou. Não temos mais o jantar da véspera ou o almoço de Natal, na casa de nossos avós paternos, lá no alto da Vila Pereira. Mas as boas lembranças permanecem até hoje e um simples cheiro gostoso de assado já serve para trazer de volta todos os bons momentos daquele tempo em que eu era um menino magricela de orelhas grandes.

Hoje, meu Natal se resume à Mariane e eu. Mas nem por isso deixa de ser Natal. Guardo as boas lembranças no coração e procuro dar a ela tudo que tive de bom nessa época mágica que a espera pelo Natal e pelo Papai Noel representa para as crianças.

Faço isso porque um dia, lá no futuro, quero que ela se lembre de tudo isso e fique feliz em ter em seu coração as recordações dos tempos em que era criança. Assim, onde eu estiver, terei a certeza de ter feito a coisa certa ao dar a ela tudo aquilo que tive de bom nos meus tempos de criança.

Hum, que cheirinho de Natal! Será que é leitoa assada. Ou será que é canudo recheado com doce de coco? Só sei que deve ter alguém por aí preparando uma bela ceia de Natal. 

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Refém do passado

Sou de um tempo em que eu nem imaginava que um dia iria recordar aquele tempo e sofrer de saudade. Um tempo tão bom que hoje me sinto refém do passado, pois é nele que busco a força para viver o presente e sedimentar o caminho do futuro.

Se um dia Deus me desse permissão para voltar no tempo, acredito que a opção seria uma viagem por tantos momentos que marcaram minha passagem por esse mundo. Pediria a Ele a permissão para ser criança novamente, mesmo que fosse para ser um menino magricela de orelhas grandes outra vez, contanto que pudesse viver de novo a expectativa da espera pelo Papai Noel.

Como dói no cerne de minha alma olhar para a grande árvore de Natal de casa e lembrar a história de cada bola ou enfeite ali pendurado, principalmente os mais antigos, que fizeram parte de minha infância e que conservo até hoje. Olho para a espiga de milho, a violinha, o balão, o moinho ou para o Papai Noel já desbotado e volto no tempo sem ter vontade de retornar ao presente.

Corro os olhos pela bola verde, que estampa uma margarida pintada pela Vera, minha irmã mais velha, e me lembro de um certo galho de goiabeira, pintado com tinta purpurina e envolto em algodão, que era a nossa árvore de Natal. Que tempo bom, repleto de boas recordações e momentos inesquecíveis para esse coração apertado de saudade.

Por que será que a cada momento de lembrança desse tempo o nó que se forma em minha garganta aperta e me dá a sensação de estar usando uma gravata que me sufoca? Talvez seja por ter ciência de que nunca mais terei tudo isso de volta, por mais que queira.

Sei que não posso voltar no tempo, mas também sei que recordar tudo isso, apesar da dor que a lembrança causa, mostra que minha estadia por aqui foi proveitosa e repleta de bons momentos. E isso já é o suficiente para me encher de força para continuar em frente.

Sei que um dia, lá na frente, minha pequena Mariane, que agora dorme a sono solto e nem ouve as músicas que ouço e me transportam para a janela do meu quarto lá casa número 20 da Comendador João Cintra, vai ler tudo isso e descobrir que seu velho pai era um menino magricela de orelhas grandes, que adorava o Natal e Papai Noel, que era apreciador de boa música e que um dia teria muito o que contar. Quem sabe, um dia, Deus me conceda esse último pedido e, de mãos dadas com minha pequena companheira, eu possa viajar no tempo e mostrar a ela tudo isso.

Quem sabe a gente se sente debaixo da parreira de uva da casa de meus avós paternos, lá na João Pereira, e belisque os cachinhos de uva sem que minha avó Leonor perceba e aproveite para ligar a vitrola de minha tia Marly para ouvir Jhonny Rivers ou Chris Montez; ou na janela do meu quarto para apreciar as boas e inesquecíveis músicas da Rádio Mundial; ou ainda tenha um tempinho para contar as casinhas coloridas do Cubatão, sentados na janela do banheiro. Ou então chorar, recordando tudo isso nas histórias de minha vida que contarei, detalhe por detalhe, para que ela possa entender tudo e querer, junto comigo, viajar no tempo.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Versão brasileira Herbert Richers

Sou de um tempo em que as séries de TV eram importadas. Quase não havia produção nacional e as emissoras de televisão mostravam os seriados que encantavam a garotada.

Quem não se lembra de Viagem ao Fundo do Mar, Terra de Gigantes, Túnel do Tempo, Bonanza, Daniel Boone, Perdidos no Espaço e tantos outros seriados. Ou os desenhos animados como Speedy Racer, por exemplo.

Eu ainda era um menino magricela de orelhas grandes e, sempre que podia ou meus pais deixavam, atravessava a rua e subia a escadaria do sobrado da família Secchi Franco, na Comendador João Cintra, para me deleitar com os episódios que eram exibidos no início da noite. Naquele tempo não pegava a Globo e tudo girava em torno da TV Tupi e da Record.

Lembro bem que quando começava o episódio, fosse qual fosse o seriado, lá vinha aquela voz grave para anunciar ‘versão brasileira Herbert Richers’. Claro que aquilo não tinha qualquer importância para a plateia formada por garotos da rua e outros de locais mais distantes, afinal o que interessava era a estória que seria exibida.

Mas, talvez por já ter nas veias um pouco do que faço hoje, aquela frase não me saía da cabeça e enquanto não descobri o que aquilo queria dizer não sosseguei. Versão brasileira Herbert Richers, claro, descobri mais tarde que significava o estúdio onde eram gravadas as vozes dos dubladores, aquelas pessoas que diziam em português o que os artistas do seriado falavam em inglês.

Assim como muitas outras coisas, essa frase marcou minha infância e, acredito, a de muita gente que, como eu, era criança naquela época e adorava aqueles seriados. Ainda hoje, quando algum seriado desses é reprisado por algum canal de TV, logo me vem à cabeça aquele tempo que deixou tanta saudade.

Minha mãe, de saudosa memória, sempre dizia que uma música ou um perfume marcavam e cada vez que uma canção que tinha sido ouvida em determinada situação ou um perfume de alguma pessoa fosse sentido novamente, imediatamente o fato ou a pessoa voltariam à nossa mente. Como essa frase, ouvida centenas de vezes em minha infância, acredito que ocorra a mesma coisa, pois cada vez que ouço aquela voz grave de alguém que talvez nem faça mais parte desse mundo, meu baú de memórias se abre instantaneamente e as lembranças afloram como num passe de mágica.

Imediatamente volto no tempo e revivo um episódio de minha infância. Um episódio de uma série que já tem mais de meio século, mas que continua com seus episódios precedidos por aquela frase imortal: ‘versão brasileira Herbert Richers’.

Uma janela para o mundo

Sou de um tempo em que o silêncio imperava nas altas horas da madrugada. Um tempo em que as pessoas se recolhiam e aproveitavam a noite para o descanso.

Lembro bem que durante muitas e muitas noites em que o sono ia embora e meus olhos secavam, era na janela do meu quarto que eu me sentava para espiar a escuridão da noite e ouvir boas músicas. Era ali, de frente para o vazio que se formava entre a claridade do meu quarto e as poucas luzes do Cubatão, que eu via o tempo passar sem pressa.

Até meus 12 anos, quando eu ainda era um menino magricela de orelhas grandes, minha casa na Comendador João Cintra ainda tinha o formato antigo e meu quarto ficava no meio dela. Só depois da reforma e da ampliação é que ganhei um quarto com vista para o mundo.

E era ali, naquela janela, que durante muitas e muitas noites de minha adolescência, eu passava algumas horas olhando para aquele imenso vazio que se formava e para aquelas parcas luzes, como se estivesse procurando meu rumo. Não foram poucas as vezes que, sentado ali naquela janela, com um pé no telhado do terraço e o outro apoiado na cama, vi a escuridão ir embora para deixar mais um dia nascer.

De fundo, invariavelmente, boas músicas tocadas na Rádio Mundial do Rio de Janeiro, sintonizada no Saratoga, o rádio herdado de meu avô Antonio Papaléo, e que era meu grande e inseparável companheiro. Era ali, naquela janela, que meu contato com o mundo se tornava mais amplo e meus pensamentos rodavam sem parar.

Até hoje guardo boas recordações daquela janela com vista para a parte baixa da cidade. Parece que foi ontem, mas o tempo é implacável e nos afasta cada vez mais de tudo aquilo que recordamos com saudade.

Ainda me lembro de tudo aquilo e, por incrível que pareça, apesar de tanto tempo, tudo está bem vivo em minha memória. O silêncio da noite, quebrado apenas pelo som baixo de meu inseparável rádio ou por um o outro galo cujo despertador deveria estar fora de sintonia.

Nunca mais voltei àquela janela, principalmente depois de um dia, não muito distante, em que criei coragem e, de volta àquela casa, abri aquela janela e me deparei com tudo aquilo novamente. Tudo estava como eu havia deixado em minha adolescência e parecia que o tempo tinha dado um tempo para mim.

Instantaneamente o mundo se abriu a minha frente e todos os bons momentos passados ali voltaram como num passe de mágica. Apesar de estar de frente para o que sempre vislumbrei, o nó que se formou em minha garganta foi mais forte e minha emoção aflorou através de lágrimas de saudade.

Ali, naquele momento, já com cabelos pintados pelo tempo e com minha pequena Mariane no colo, fechei para sempre aquele ciclo de minha existência e decidi guardar aqueles bons momentos em um canto especial de meu baú de memórias. Era como se estivesse enterrando um pedaço de mim.


Infelizmente o tempo e o mundo não param e a vida segue em frente, deixando pelo caminho tudo o que vivemos e vivenciamos. Restam apenas as lembranças de um tempo que não volta mais.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Sapato na quadra

Sou de um tempo em que respeito e disciplina eram mais do que lei, fosse no seio da família ou na escola. Um tempo em que se tratava os mais velhos por senhor ou senhora e se pedia a bênção para pais, tios, avós e padrinhos.

Lembro bem que, em casa ou fora dela, as crianças deviam se comportar, respeitar os mais velhos e, principalmente, obedecer aos pais. Havia uma espécie de doutrina que começava em casa e se estendia porta afora.

Naquele tempo a escola era uma extensão da casa e lá se aprendia muito, principalmente porque havia o respeito para com quem ensinava. O aluno saía do grupo escolar afiado para enfrentar o próximo desafio, que era estudar no ginásio.

Passei quatro anos nos bancos do Grupo Escolar Dr. Júlio Mesquita que valeram pela vida toda. Lembro bem que eu era um menino magricela de orelhas grandes que prestava atenção em tudo que as professoras ensinavam, pois sabia que tudo aquilo iria me servir pelo resto da vida, pois foi assim que minha mãe me preparou para iniciar meus estudos.

Quando ingressei no primeiro ano ginasial, prestes a completar 11 anos, já estava preparado para os novos desafios que a vida escolar iria me impor. A base que havia recebido era mais que suficiente para encarar as mudanças que viriam pela frente.

Apesar das mudanças radicais entre uma escola e outra, entre as matérias do ginásio e a cartilha do grupo escolar, uma coisa não se alterou. Da mesma forma que o aprendizado dos tempos de grupo escolar, tudo que aprendi no ginásio continua me servindo até hoje.

E não são apenas os ensinamentos que até hoje povoam minha mente. Os momentos vividos naquela escola imponente estão arquivados até hoje no meu baú de memórias.

Posso, num piscar de olhos, recordar momentos que marcaram minha passagem pelo ginásio, ouvir o burburinho intenso do recreio. Ou uma voz grave avisando algum desavisado que o mesmo estava infringindo uma das regras básicas.

‘Sapato na quadra’. Qual dos milhares de alunos que passaram pelo ginásio nunca ouviu essa frase retumbante?

Essa expressão, tão ouvida naqueles tempos, era usada sempre que alguém pisava na quadra de esportes da escola usando sapato de sola de couro. Quando isso ocorria logo se ouvia a voz grave do professor Barretto, que mais do que depressa dava o aviso para que o mesmo deixasse aquele local sagrado para ele e para os alunos.

Talvez aquela simples frase dita em alto e bom som não representasse para mim mais do que um aviso para alguém que estava infringindo uma das regras. Mas hoje me dou conta que aquilo significava muito mais que isso.

Durante os quatro anos de ginásio, antes de ir para o colegial, ouvi aquela e outras frases ditas por aquele professor que até hoje guardo na memória. E hoje, quatro décadas depois, sei o significado de tudo aquilo.

Mais que impor regras ou disciplinas aos alunos, professor Barretto deu aos seus milhares de alunos as noções básicas de boa conduta. Assim como no grupo escolar aprendi a ler e escrever, a fazer conta de mais, de menos, de vezes e dividir, com aquele professor aprendi a disciplina e a ordem.

Até hoje ecoam em meus ouvidos suas frases de efeito ou seus avisos. Até hoje me recordo de tudo aquilo e constato que nada é por acaso.

Hoje, quando vejo pessoas caminhando ou buscando a forma física nas academias logo nas primeiras horas da manhã, lembro que acordava ás cinco da madrugada para enfrentar um frio de rachar e frequentar as aulas de Educação Física.


Hoje dou valor a tudo isso e carrego comigo muito do que aprendi em suas aulas. Lembro dos testes de ginástica básica, do passeio campestre e de tantas coisas boas que marcaram minha passagem por aquela escola e que me trazem boas recordações. E, às vezes, me pego dizendo ‘sapato na quadra’ quando algum amigo, sem querer, infringe uma regra.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Lá vai o trem

Sou de um tempo em que o trem era um dos principais meios de transporte do país. Um tempo em que a cidade era cortada pelos trilhos e o apito das locomotivas era ouvido mesmo quando ela ainda estava distante.

Lembro bem do tempo em que eu ainda era um menino magricela de orelhas grandes e acordava no meio da madrugada. O sono, muitas vezes ia embora, os olhos secavam e eu ficava ali, quieto em minha cama, ouvindo o barulho das composições, que chegavam ou partiam rangendo suas engrenagens sobre os trilhos.

Como a linha do trem praticamente circundava a cidade, passando pelo bairro dos Prados e por trás do Cubatão, dava para ouvir claramente seu barulho enquanto ele seguia seu destino. Eu ficava ali, quietinho, ouvindo aquele som gostoso que embalava novamente meu corpo e acalentava meus sonhos de criança.

O trem e seus sons fizeram parte de minha infância de uma forma especial. Era nele que minha família embarcava para passar os finais de semana na fazenda São Miguel, em Martim Francisco, onde morava a família de minha tia Jacira, irmã de minha mãe.

Quando meu pai anunciava, no meio da semana, que no sábado a gente iria para a fazenda, era uma festa. Eu e a Vera, minha irmã mais velha, sabíamos que o passeio estava garantido e passávamos a contar os minutos até a hora de acordar bem cedinho no sábado para descer a rua da Estação, dobrar a esquina da Alfredo Pujol e alcançar minha avó Carmela, que há muito já havia feito o caminho com medo de perder o trem.

Como era gostoso estar ali na plataforma de embarque, ainda escuro, aguardando pela chegada do trem que vinha de Sapucaí com destino a Mogi Mirim. Quando ouvíamos o apito estridente da locomotiva que se aproximava era hora de começar a viagem.

Ainda ouço o barulho dos freios da locomotiva chegando na estação para nos levar. Posso ver o movimento daquele homem que recebia o trem e sentir o cheiro que exalava do vapor da caldeira.

A viagem sem pressa era o melhor de tudo. O dia começava a clarear e a paisagem se abria nas janelas enquanto a gente sacolejava em um dos vagões.

Embora a distância fosse pequena entre as duas cidades e também entre Mogi e Martim Francisco, a viagem parecia durar uma eternidade. Quando chegava em Mogi Mirim havia a necessidade de trocar de composição e a baldeação era feita em poucos minutos para uma nova viagem até o destino final.

Hoje não há mais trem por aqui, não ouço mais seu barulho ritmado durante a madrugada, embora muitas vezes me pegue tentando encontrar algum som similar quando estou acordado. O trem há muito foi embora para nunca mais voltar e eu fiquei órfão de mais esse detalhe de minha infância.

Às vezes tento entender o motivo que leva os governantes a acabar com algo tão bom e eficaz como a estrada de ferro. Fico imaginando quantos caminhões de carga cabem nos vagões puxados pela locomotiva fumegante e quantos passageiros podem ser transportados em uma única viagem.

Será que eles não sabem que, além de acabarem com um dos meios de transporte mais econômicos que existia, colocaram fim também ao sonho de muita gente que, como eu, teve o trem como um companheiro de viagem e também das horas em que o sono ia embora durante a madrugada? Que desativaram, não só a estrada de ferro que cortava a cidade, mas o caminho entre o sonho e realidade de muita gente?


Lá vai o trem. Posso ouvir ao longe o barulho de seus vagões rangendo nos trilhos e o apito estridente a cada cruzamento para avisar que por ali irá passar uma parte da minha infância que foi embora para nunca mais voltar. Desse trem ficará apenas a lembrança dos bons momentos que todas aquelas viagens proporcionaram ou das muitas noites sem sono que fiquei ouvindo seu sacolejar pelos trilhos da vida.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

A vitrola da minha tia

Sou de um tempo em que os discos de vinil eram o principal meio para se ouvir as músicas do momento. Um tempo em que as pessoas aguardavam pelo lançamento do disco de seus cantores preferidos para comprar os long plays ou compactos.

Lembro bem que, além do rádio, a vitrola era um acessório quase que obrigatório nas casas. Em forma de eletrola ou mesmo portátil, as vitrolas ocupavam seu espaço nas salas de quase todas as residências.

Na metade da década de 60, quando eu ainda era um menino magricela de orelhas grandes, era na casa de meus avós paternos que eu ouvia as músicas que faziam sucesso. Em casa não tinha vitrola, apenas rádio, mas minha tia Marly tinha uma portátil, da marca Phillips, em cuja tampa ficava o alto-falante. Lembro que a gente ficava no rancho do quintal, principalmente nas datas festivas como Natal, Páscoa e Ano Novo e era naquele aparelho que a gente ouvia as boas músicas daquela época.

Naquele tempo as baladas de Jhonny Rivers, como Do You Wanna Dance?, Poor Side Of Town e Summer Rain, ou Sunny, de Chris Montez, eram as nossas preferidas, assim como Happy Together, da banda The Turtles ou No Milk Today, com Herman’s Hermits. Ficávamos, horas e horas, em volta daquele aparelho ouvindo aquelas melodias que, embora não soubéssemos o que a letra dizia, soavam de uma forma gostosa nos ouvidos.

Na época do Natal, quando meu tio José Rubens, que ainda morava no seminário, estava presente, os discos do Lafayette eram os mais tocados, assim como os discos natalinos que tinham na harpa o principal instrumento. Ainda posso ouvir tudo isso a cada vez que relembro aquele tempo gostoso.

Um tempo depois, já no início da década de 70, minha irmã Vera, que também é Marli assim como a Cláudia também ostenta Marli como segundo nome – nunca vi uma família gostar tanto desse nome – comprou uma vitrola igual e passamos a comprar os discos para ouvir em casa. Era o tempo de B J Thomas e sua Rock and Roll Lullaby, de Billy Paul com Oh Me Oh My, de Carole King com It’s Too Late e assim por diante. Lembro que a gente juntava os trocados que tínhamos para comprar os discos, principalmente os compactos, que eram mais baratos.

Minha irmã já dava aulas particulares e tinha um monte de alunos e podia dispor do dinheiro com mais facilidade. Eu já tinha que esperar pelo Ano Novo, quando ganhava meus trocados de Bom Princípio do Ano, ou pela generosidade de minha mãe para juntar minha parte e contribuir para a aquisição dos discos em 33 rotações.

Aquele era um tempo bem diferente, mais gostoso. Os discos eram a única forma de se ter em casas as músicas preferidas.

Ao contrário do que acontece hoje, quando se baixa uma música em segundos pela internet ou se pode ouvir um lançamento antes mesmo dele ser colocado no mercado, a ansiedade era grande quando um cantor de sucesso anunciava um novo disco. No final do ano, por exemplo, as lojas ficavam abarrotadas de gente aguardando pela chegada do novo LP do Roberto Carlos.

Como tenho saudade daqueles tempos. Como gostaria de sentar novamente embaixo da parreira de uva da casa de minha avó Leonor para ouvir as músicas naquela vitrolinha Phillips da minha tia Marly.

De tudo aquilo sobrou apenas a lembrança de um tempo que não volta mais. A casa de minha avó já não existe mais, assim como ela, meu avô, meu tio José Rubens, meu tio Ivan e meus pais já partiram desse mundo.


Minha tia Marly, embora não tenha mais a vitrola Phillips, continua com o mesmo bom gosto de antigamente. E é quando me sento com ela em sua casa que relembro aqueles bons momentos de minha infância.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Um astro, um Fusca e um paletó xadrez

Sou de um tempo em que a José Bonifácio, rua central da cidade, tinha o tráfego no sentido da praça. Um tempo em que as meninas da sociedade, quando atingiam os 15 anos, participavam do tradicional Baile de Debutantes.

Um tempo em que tudo era mais romântico, mais glamouroso. Um tempo em que o Clube XV de Novembro era frequentado pela elite e nós, simples mortais, apenas ficávamos imaginando como seriam os grandes acontecimentos que lotavam o salão do clube.

Lembro bem que estávamos no final da década de 60, no ano de 69, e que as telenovelas da TV Tupi faziam sucesso. Naquela época a transmissão ainda era em preto e branco e raras eram as casas de classe média que possuíam um aparelho de TV.

Para quem pertencia às classes sociais menos favorecidas eram poucas as opções de lazer. Lembro que as noites de sábado eram preenchidas com uma sessão de cinema e, quando havia dinheiro, uma pizza no Sebastião Bar ou no Cine Bar.

Eu ainda era um menino, de 11 ou 12 anos, magricela e de orelhas grandes. Havia acabado de ingressar no ginásio e começava a dar meus passeios em companhia de amigos.

Em uma dessas noites de sábado, depois de saborear uma bela pizza no Sebastião Bar, que ficava no final da José Bonifácio, onde atualmente está o Moyses Magazine, junto com meu primo Marcos Papaléo e o amigo Antonio Carlos Crivelaro, um Fusca, último tipo, parou na esquina da Paulista e o motorista nos chamou para indagar sobre seu destino, pois estava perdido. Como eu estava mais próximo da sarjeta, debrucei na porta do carro do lado do carona e abaixei para ouvir a pergunta.

Quando olhei para o rosto do motorista vi que já o havia visto em algum lugar. Segundos depois percebi que ali, bem na minha frente, estava ninguém menos que o astro da novela das sete.

Juca de Oliveira, o galã da época, em carne e osso, estava ali, parado ao volante de seu Fusca, e precisava saber como fazia para chegar à residência do Hildebrando Banzatto. Passado o susto, ouvi a indagação e imediatamente ofereci nossos préstimos para ajudá-lo a encontrar seu destino.

Mesmo sabendo que era só ele virar para a direita e subir dois quarteirões e meio e já estaria em seu destino, fiz questão de dizer que iríamos junto para ele não se perder. Afinal, não era todo dia que um astro da TV estaria ali, na nossa frente, precisando de ajuda.

Meu primo e o Carlão se acomodaram no banco de trás, sem amassar o paletó xadrez impecável, que ali estava na espera do momento em que o galã iria vesti-lo para ser o paraninfo do Baile de Debutantes. Eu, como sabia onde ficava a casa dos Banzatto – que ficava no quarteirão de minha casa –, fui no banco da frente para indicar o caminho.

Claro que nossa aventura durou apenas dois pequenos e míseros quarteirões e não tivemos a sorte de encontrar com algum conhecido no caminho para botar banca. Mas só de estar ali, ao lado do galã da novela das sete, já havia sido para nós algo fantástico.

O tempo passou e esse detalhe de minha infância ficou guardado em um canto de meu baú de memórias, esquecido, deixado de lado pela ação do tempo. Só quando o ator, já consagrado, decidiu comprar uma propriedade rural em Itapira e passar a ser figurinha fácil nas ruas da cidade é que fui me lembrar desse fato.

Hoje, tantos anos depois, mesmo tendo a oportunidade de entrevistar e conversar com astros de TV, cantores renomados, políticos influentes e craques da bola por causa de minha profissão, entendo que aquele momento de minha infância foi muito mais importante no contexto de minha vida. Nada se compara a emoção vivida naquele momento.

Juca de Oliveira já não é o galã de antes, mas escreveu seu nome no mundo artístico como grande ator de cinema, TV e teatro. Meu primo Marcos há pelo menos 20 anos não vejo.

O Carlão Crivelaro, hoje um renomado cirurgião-dentista e articulista de mão cheia, continua sendo um bom amigo. Dia desses me lembrou desse fato em uma manhã de domingo enquanto minha filha Mariane e seu neto Rodrigo se divertiam nos brinquedos do Parque Juca Mulato.


O tempo é implacável com todos nós. Ficamos mais velhos, os cabelos, quando resistem, são pintados de cinza, o esqueleto já não suporta o peso dos anos, mas as memórias de tempos felizes permanecem em nossa mente e são reavivadas a cada oportunidade que a vida nos dá de relembrar os detalhes que construíram nossa existência.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

O guardião de minha mãe

Sou de um tempo em que cada pessoa tinha seu devido valor. Não importava a importância dela para o contexto da sociedade, mas o que ela significava na vida de cada um de nós.

Várias foram as pessoas que deixaram marcas profundas em minha existência. Algumas pelos laços sanguíneos, como pai e mãe, outras por estarem presentes em diversos momentos de nossas vidas e, de uma forma ou de outra, representarem uma página em nosso livro da vida.

E é incrível como centenas de pessoas que conhecemos passam como bólidos pela nossa vida e desaparecem na poeira sem deixar rastro. De quando em quando reaparecem do nada e somem novamente num piscar de olhos.

Outras, entretanto, estão sempre ali, como parte integrante do nosso dia-a-dia. São figuras tão fáceis de se ver que quando não as vemos é como se faltasse um pedaço da gente.

Desde que nasci e, principalmente a partir de quando comecei a entender essa coisa complicada que chamamos de vida, algumas pessoas estiveram sempre ao redor, preenchendo cada momento e traçando as linhas pelas quais minha vida foi escrita. Lembro bem como se fosse hoje de tantos vizinhos que já partiram desta para a que chamamos de melhor.

E, entre tantos e tantos que se encaixam nesse contexto, há aqueles que não me saem da memória. Vira e mexe e algum reaparece como que por encanto e me fazendo lembrar de algum detalhe curioso dos tempos em que eu ainda era um menino magricela de orelhas grandes.

Coca é um desses personagens inesquecíveis. Alegre, extrovertido, bem informado e palmeirense como eu, sempre foi um companheiro de todas as horas.

Nos últimos anos de sua vida era ali no portão da minha casa que ele gostava de se sentar para ver o dia passar. Era sair de casa cedinho e lá estava ele, sentado naquele portão como se fosse um guardião de todos nós.

Minha mãe, como de costume, também se sentava naquele lugar e, invariavelmente, era com ele que batia longos papos. Uma boa piada, um fato ligado ao futebol ou qualquer que fosse o assunto, desde que não fosse política e ambos comungavam do mesmo pensamento.

A política era assunto proibido entre ambos. Afinal, Coca era totonhista ferrenho e minha mãe tinha lá seus motivos para não concordar.

Mas, tirando esse pequeno detalhe, de resto os dois eram grandes amigos, assim como eu o tinha como um daqueles amigos que se guarda para sempre na memória e no coração. Lembro bem de seu jeito de brincar com as pessoas, sem que em algum momento ofendesse ou irritasse alguém.

Não são raros os momentos em que fecho os olhos e retorno aos tempos em que a casa número 20 da Comendador João Cintra era minha moradia. Volto quase que sempre em pensamento ao local onde nasci e vivi grande parte de minha existência.

E, embora saiba que nada será como antes, deixo meus pensamentos vagarem por tudo que vivi naquele local. Em meus devaneios vejo o Coca Venturini sentado ali no portão de casa como um guardião de todos nós.

Quando retorno à realidade imediatamente lembro das palavras que eu sempre dizia para ele: “estou sempre tranquilo, pois sei que o segurança de minha mãe está sentado no seu posto”. E, por incrível que possa parecer, cerca de 15 dias depois que minha mãe partiu, meu amigo Coca, o guardião de minha mãe, também deixou seu posto, fechou seu paletó de madeira, e deve ter seguido com sua missão em um plano superior, me deixando órfão de um dos amigos mais queridos que tive.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

A praça e a retreta da furiosa

Sou de um tempo em que ouvir a banda tocar na praça nas noites de domingo era o lazer preferido de quase todas as famílias. O antigo coreto da praça Bernardino de Campos ficava rodeado de pessoas para a tradicional retreta domingueira.

Naquele tempo a Banda Lira era a atração em quase todos os eventos. Fosse festa, procissão ou jogo de futebol e lá estava a corporação para dar um toque especial.

Lembro bem que, quando eu ainda era um menino magricela de orelhas grandes e o barracão onde funcionava a ferraria do Bertino começou a ser desmanchado para a construção da sede da Banda Lira no quarteirão de minha casa passei a ter um contato ainda maior com a banda. Desde pequeno eu já estava acostumado a ouvir os acordes do pistão do maestro Américo Passarella, que era vizinho de minha casa.

Mas foi a partir da mudança da sede da banda para os arredores de casa que passei a ouvir com mais frequência todos os ensaios e a admirar ainda mais aqueles senhores, que aos domingos vestiam o uniforme na cor oliva para as retretas na praça. Lembro de alguns integrantes como o Berto Pontes, o Dito Ventania, os Marcati, o Américo Levatti, o Joãozinho Brandão, os Riberti, os Bazani e tantos outros que passaram pela corporação, deram sua contribuição e foram importantes para que tantos jovens se interessassem em fazer parte da Lira.

Recordo, como se fosse hoje, dos aniversários da banda, no mês de abril, quando todos nós, vizinhos da sede, éramos convidados para a festa. Lembro da entrada da sede, antes da mesma cair durante um temporal, no início dos anos 80, com a grade cercada de pequenos arbustos antes da porta principal.

Aquele era um tempo diferente, um tempo em que as pessoas saíam de casa nas noites de domingo para ouvir a banda que a gente, carinhosamente, chamava de Furiosa. Bem diferente dos tempos atuais, a praça tinha vida, as pessoas frequentavam os bares e cinemas que a rodeavam e davam valor para tudo aquilo, pois era ali que ocorria o movimento noturno da cidade.

Como era bom acordar nos feriados em que havia procissão ou mesmo a alvorada do 13 de maio e ouvir a banda, logo no início da madrugada. Lembro que a mesma deixava a sede já executando as marchas e dobrados que ainda hoje, quando ouço, me emocionam e me remetem àquele tempo tão diferente e gostoso.

Aquele foi um tempo feliz de minha vida. Um tempo em que as pessoas davam mais valor a tudo e tinham respeito pelos seus semelhantes.

Um tempo em que não se via locais públicos destruídos pelo simples prazer de destruir, como acontece nos dias atuais. Um tempo em que as famílias podiam frequentar a praça ou o parque Juca Mulato nas noites de domingo sem o medo de serem molestadas por vândalos ou incomodadas pela selvageria que se vê pelas ruas nos dias de hoje.

Quem saía de casa para ouvir a banda tocar na praça podia ter a certeza de que conseguiria ouvir de fato, sem ser incomodado pelos carros que hoje circulam pelas ruas com o volume do som nas alturas, parecendo que o motorista deseja que todos saibam o quanto é péssimo o seu gosto musical. Quem se sentava nos bancos da praça podia fazê-lo com a certeza de que voltaria para casa feliz em ter tido a oportunidade de dar à família um pouco de lazer antes de iniciar uma nova semana de trabalho.


Pena que aquele tempo já não existe mais. Pena que ficou apenas na memória de quem viveu aquele tempo e, como eu, já com os cabelos pintados pelo tempo, sinta um pontinha de dor no peito a cada vez que recorda de tudo aquilo.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Um domingo inesquecível

Sou de um tempo em que todos os garotos sonhavam em brilhar com a bola nos pés. Um tempo em que o futebol brasileiro estava em alta e ostentava com méritos o título de melhor futebol do mundo.

Vivi esse tempo e, como todo e qualquer garoto de minha época, sonhei em fazer sucesso como jogador de futebol. Claro que era apenas um sonho de menino, mas pelo menos não deixei de sonhar.

Lembro bem que naquela época o Brasil ostentava com orgulho as conquistas em três Copas. Era o ano de 1970 e eu, um menino que já deixava de ser magricela de orelhas grandes, vivi aquilo que se pode chamar de momento inesquecível.

Apesar de mirrado, eu tinha lá meus predicados como jogador de futebol. Se não era forte, pelo menos corria e era canhoto, um diferencial para os conhecedores do esporte bretão.

Lembro que fui convidado para treinar no XI de Agosto, time que mais tarde daria origem ao Itapira Atlético Clube, e que era comandado pelo Nelson Atala, homem forte do futebol local na época. Feliz e orgulhoso participava de todos os treinos físicos na quadra do Lions e dos coletivos no campo do ‘seo’ Hélio, hoje Pedro Bagini, no Centro de Lazer Hideraldo Luiz Bellini.

Um belo dia veio a recompensa para tanto esforço. O XI de Agosto faria um jogo amistoso contra o Nacional da Capital e eu estava relacionado entre os que iriam para São Paulo.

Para mim, um menino sonhador, que já havia realizado o sonho de jogar no sagrado gramado do ‘velho’ Chico Vieira, ao lado do Parque Juca Mulato e de ter disputado várias partidas no novo Chico Vieira, lá no alto da rua Duque de Caxias, que a gente chamava de ‘campo novo’ ou de ‘campão’, tal era o tamanho de seu gramado, aquela era a maior notícia de toda a minha curta existência. Claro que eu sabia que não seria um jogador de futebol profissional de sucesso, mas só de ter meu nome na lista já era uma vitória.

As noites que antecederam aquele dia 13 de setembro de 1970 foram intermináveis. Por minha cabeça passavam pensamentos que me levavam àquele campo onde eram disputados os jogos do Campeonato Dente-de-Leite, que a TV Tupi mostrava.

Só de pensar que iria pisar no gramado em que, pela TV, vi jogarem amigos como Plininho Cremasco e Ike com a camisa do meu Palmeiras, ou Luís Paulo e Dito Mário com a camisa listrada do próprio Nacional, já era um sonho. Pensar que estaria no mesmo local em que a TV Tupi, transmitia nas tardes de sábado os jogos do campeonato dente-de-leite, não me deixava dormir.

O grande dia chegou e lá fomos nós para a Capital de todos os paulistas. Eu, como fazia parte dos magrinhos, fui acomodado no carrão do Plínio Cremasco. Os maiores, ou mais bundudos, como o Neto Coloço e o Coradi, viajaram de Expresso Cristália para não ocuparem mais espaço nos dois carros que levaram o resto do pessoal.

Perdemos de 5 a 3 para o Nacional, mas apesar de jogar por oito ou 10 minutos, me senti realizado por pisar naquele gramado do estádio da Comendador Souza, que tinha por baixo uma terra preta que ficou grudada no solado de minha chuteira novinha, da marca Olé, de sola branca, que ganhei de meus pais depois de tanto pedir, em substituição à outra, conhecida como ‘cabeça de touro’, que me machucava os pés com seus pregos. Eu sabia que aquele momento ficaria marcado em minha memória e que um dia seria lembrado de uma forma ou de outra.

Depois do jogo e do lanche, uma outra surpresa nos aguardava. Da Comendador Souza fomos direto para o Morumbi ver a final do Campeonato Paulista.

Lá, naquele estádio que eu tinha visto apenas pela TV, pude ver o São Paulo bater o Corinthians por 1 a 0, gol do ponta-esquerda Paraná, e confirmar o título paulista daquele ano, conquistado no jogo anterior diante do Guarani, em Campinas. Ver craques como Sérgio, Jurandir, Forlán, Roberto Dias e Toninho Guerreiro de um lado, e Ado, Rivelino e outros craques de outro foi mais um sonho para aquele menino que não tinha por hábito ficar longe de casa.

Talvez pelos ensinamentos de meus pais e, principalmente, pela austeridade como meu pai dirigia nossa família, ter vislumbrado tantas coisas novas e vivido momentos inesquecíveis distante de casa, fez com que aquele domingo fosse mágico para mim. Foram momentos que nunca mais saíram de minha memória, apesar dos mais de 40 anos que se passaram.


O XI de Agosto acabou, mais tarde surgiu o Itapira Atlético Clube, eu nunca me transformei em um grande craque dentro de campo, mas pude gravar em minha história aquele momento mágico. Até hoje lembro de todos aqueles momentos, como se tivesse vivido tudo aquilo no dia anterior, tal a felicidade que aquele domingo me proporcionou.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

A Itapira do meu tempo

Sou de um tempo em que as casas eram mais simples. Um tempo em que tudo era mais simples e, por isso mesmo, tinha mais valor.

Um tempo em que as pessoas podiam caminhar nas ruas sem o perigo de serem abordadas por um assaltante. As casas comerciais daquele tempo não precisavam colocar grades nas portas para evitar os saques e roubos e havia, principalmente, mais respeito mútuo.

Lembro bem desse tempo que já vai longe. Às vezes, na tentativa de recuperar tudo aquilo que ficou lá atrás, fecho os olhos quando estou caminhando em determinadas ruas e busco lá no fundo do meu baú de memórias o que havia naquele lugar.

Procuro, sem encontrar, o Bar do Odilon, o Cine Bar, os cinemas, o Bar Central, o Itapira Bar, a loja Paulista, da Áurea Rossi, a Paulista Presentes, onde eu comprava meus cavalinhos e personagens do Forte Apache. Tento descobrir onde foram parar a loja do Lico Amâncio, a Leader de Praça, como estava escrito em sua fachada, e o Brasília Bar, a farmácia do Emílio Rovaris, a Casa Teté, a Farmácia da Fé e o bar do Sebastião Mendes.

Que bom seria poder rever tudo aquilo, caminhar pelas ruas e saber o nome de cada uma das pessoas. Poder tomar um refresco no bazar do ‘seo’ Toninho Ferreira ou sentir o aroma dos queijos importados do Buraco da Onça.

Essa busca pelo passado me leva por caminhos que trilhei na infância, quando eu era um menino magricela de orelhas grandes. Em um domingo pela manhã, depois de levar minha pequena Mariane para brincar no parque Juca Mulato, decidi dar uma volta pelos locais onde passei minha infância.

Subi pela Rui Barbosa até o Cruzeiro e desci a Bentico Pereira até dobrar a João Pereira. Ali, naquele quarteirão onde passei grande parte de minha infância, fechei os olhos para resgatar na memória a casa de meus avós paternos.

Olhei para a casa que depois pertenceu ao Décio Luchetti, fechei os olhos por uns instantes e vi aquela casa antiga de número 41, com o portãozinho na frente, a área antes da sala e o portão lateral que dava para o quintal. Por uns instantes senti algo indescritível no coração, como um aperto me espremendo por dentro.

Imediatamente abri os olhos em busca de tudo aquilo que deixei no passado, como se isso fosse possível. Triste por não ter mais tudo aquilo, mas feliz por ter tido essa impressão por segundos, retornei ao mundo presente e por mais alguns instantes pude relembrar tudo aquilo ao reencontrar a dona Alzira Paschoal, vizinha de meus avós, que até hoje reside na mesma casa.

Minha caminhada de volta para casa ficou mais leve depois desse episódio. Desci a Hortêncio Pereira da Silva ‘vendo’ tudo que antes existia naquele trecho.

Enxerguei a casa dos Pretti, os caminhões dos irmãos Pereira, o bar do Júlio Cruz com a cadeira em que meu tio Ivan costumava se sentar, o restaurante do Carlim Zacchi e a velha Igreja de Santo Antonio, com sua escadaria. Olhei para a rua da Penha e lá estavam a barbearia do Paulo Monfredini, a oficina de consertos do Piquica e o armazém do ‘seo’ Neco de Freitas, bem na esquina, onde eu ia com meu avô João Butti.

Voltei para casa feliz, como se tivesse cumprido minha missão. Relembrar tudo aquilo me deu a paz que meu coração necessitava.

E é dessa forma que me transporto para aquele tempo feliz. Sei que muitas vezes essa viagem dói no fundo da alma, mas é assim que busco tudo aquilo que ficou no passado.


É assim que resgato a Itapira do meu tempo. Um tempo feliz e que não volta nunca mais.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Brincadeira de criança

Sou de um tempo em que o ano custava a passar. Um tempo em que os dias pareciam intermináveis e não havia essa correria que vida atual impõe às pessoas.

Havia tempo para tudo. As crianças, além de frequentarem os bancos escolares, encontravam tempo para as brincadeiras saudáveis.

Lembro bem que, como se fossem as estações do ano, as brincadeiras também eram sazonais. A cada período uma delas era a preferida e todos, como se fosse uma combinação, se ocupavam daquela diversão.

Naquele tempo as brincadeiras eram bem diferentes do que se vê hoje. Sem os jogos eletrônicos, computadores ou os recursos tecnológicos da atualidade, as crianças gostavam mesmo era das brincadeiras de rua.

E eu, um menino magricela de orelhas grandes, não era diferente das outras crianças. De tempos em tempos me ocupava com um tipo de diversão para preencher meu tempo ocioso.

Além da bola, uma companheira inseparável, principalmente dos garotos, havia diferentes tipos de brincadeira. Lembro bem que agosto, por exemplo, por ser o mês de ventos, era o período em que todos gostavam de empinar pipas, ou soltar maranhão, como dizíamos naquele tempo que já vai longe.

Passava a febre das pipas e chegava a vez dos piões, das bolinhas de gude ou de colecionar figurinhas de times de futebol ou de filmes, como El Cid, por exemplo. Era um tempo muito gostoso e bem diferente.

Tenho muita saudade desse tempo e essa saudade é dolorida, pois sei que esse tempo não voltará nunca mais. Hoje, como minha pequena Mariane já entende muita coisa, busco nas fotos antigas que mostro para ela as recordações desse tempo feliz.


Não tenho mais tempo para soltar maranhão, rodar pião, jogar bolinha de gude ou colecionar figurinhas, mas sempre encontro preciosos momentos para lhe contar como era aquele tempo. Talvez seja esse o caminho que tomo a cada aperto no coração por já estar bem distante daquele tempo de brincadeiras de criança.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Para tudo que o sino está batendo

Sou de um tempo em que as pessoas respeitavam todo e qualquer sinal que pudesse estar vindo de Deus. Um tempo em que bastava o sino da igreja bater para que as pessoas imediatamente parassem de andar, conversar e ficassem imóveis, aguardando o fim do repicar do sino para se benzerem e prosseguirem com a vida.

Era um tempo diferente, as pessoas tinham na fé o alicerce para construírem suas vidas e suas famílias. Um tempo de mais respeito entre as pessoas e, principalmente, pelos mais velhos.

Lembro bem que nas noites de domingo meu pai e minha mãe levavam minha irmã mais velha e eu para um passeio na praça, que a gente chamava de jardim. Costumávamos sentar em um dos bancos para ouvir a Banda Lira, que só começava sua retreta após a missa das sete.

Durante a celebração, quem estava na praça certamente já havia ido à missa no período da manhã. Os jovens solteiros davam voltas na praça com os homens em sentido contrário das mulheres com o intuito de encontrar o par ideal para iniciar um namoro.

Eu, um menino magricela de orelhas grandes, ficava ali, sentado ao lado de meus pais vendo aquela movimentação toda na praça repleta de gente. Lembro que no momento em que o padre iniciava a consagração da eucaristia o sino da igreja começava a repicar forte.

Era o sinal para que todos parassem suas atividades. Quem estava sentado conversando ficava em pé e interrompia a conversa. Quem estava andando parava onde estava e todos se benziam e aguardavam o fim daquele som estridente do sino para reiniciar a conversa ou a caminhada.

Era como se o mundo parasse por alguns instantes para que Deus viesse para dar suas bênçãos a todos. O silêncio reinava em todos os cantos da praça e a vida só continuava depois que o sino desse o último repique.

Um gesto singular, de crença e respeito. Um gesto que, caso se repetisse nos dias de hoje, certamente seria encarado como apenas mais uma tolice de gente antiga.

Como era bom aquele tempo. Como era passear na praça, comer pipoca do ‘seo’ Parízio, ouvir a Banda Lira sob a regência do maestro Américo Passarella, ver toda a movimentação das pessoas no ir e vir pela praça à procura de um par, tomar um sorvete de massa no Bar Central e voltar para casa feliz.


Aquele era um tempo bem diferente, carregado de romantismo e respeito. Um tempo gostoso, feliz e que não volta mais, infelizmente. Restaram daquele tempo apenas as lembranças de infância, dos momentos de lazer na praça, das brincadeiras e do som estridente daquele sino batendo e avisando que era o momento do mundo parar por alguns instantes.

sábado, 23 de julho de 2011

A TV dos Secchi Franco

Sou de um tempo em que aparelho de TV era algo raro. Um tempo em que a TV era em preto e branco e eram poucas as casas que possuíam um aparelho.

Lembro bem que no quarteirão onde morava, no início da Comendador João Cintra, apenas uma casa tinha aparelho de TV. E era para lá que a criançada rumava no final da tarde, início da noite, para assistir os seriados da época.

Na casa, que na verdade era um sobrado, residia a família Secchi Franco. Lembro que era uma família excêntrica, com a velha senhora e os filhos, todos já adultos. As filhas Zoé e Zózima e os filhos Lau, João e Zito.

Era uma gente boa, que nos acolhia com paciência e deixava que todos se acomodassem no chão da sala para ver os seriados que a TV exibia. Eu, um menino magricela de orelhas grandes, entre eles, ávido por ver meus personagens preferidos na tela daquele aparelho.

A platéia era grande, vinha menino até do bairro dos Prados, com o Paulo Pedro, um garoto bom de bola que depois viraria Pedro Paulo e se tornaria jogador da Ponte Preta. Um menino bom, pobre como todos nós, mas que batalhou para vencer na vida e alcançou seu objetivo com muita luta e talento.

Naquele tempo de parcos recursos e poucas opções de lazer ver TV era a nossa diversão. Era jantar correndo e atravessar a rua até o sobrado dos Secchi Franco para pegar um bom lugar na plateia.

Na TV a gente via Vila Sésamo, os seriados americanos como Viagem ao Fundo do Mar, Túnel do Tempo, Terra de Gigantes e desenhos animados. Era um tempo gostoso, apesar das dificuldades que a vida impunha.

Lembro que um pouco mais tarde começavam as novelas da extinta TV Tupi e a gente ia embora. Afinal, já tínhamos visto nossos programas preferidos e era a hora de deixar que os donos da casa assistissem os seus programas.

Além da casa dos Secchi Franco, outra opção era a residência do Ângelo Lizzi, que morava em frente minha casa no sobrado que até hoje abriga o Cartório Civil. Lembro que foi lá que eu e minha família vimos o Santos vencer o Milan por 1 a 0 no Maracanã, com um gol de pênalti marcado pelo lateral Dalmo, na final do Mundial Interclubes em 63.

Mais tarde, quando meu pai pôde nos dar uma televisão, lembro que era da marca Colorado. Foi uma festa em nossa casa, pois afinal poderíamos ver nossos programas preferidos sem incomodar os vizinhos.

Já era um tempo em que a fábula Meu Pé de Laranja Lima, escrita por José Mauro de Vasconcellos, havia virado novela e fazia sucesso entre as crianças. Eu gostava também do seriado japonês Nacional Kid, dos desenhos animados que eram exibidos pela Record e, principalmente, do Speed Racer.

Minha mãe, que já ouvia no rádio, pela Nacional do Rio de Janeiro, enfim poderia ver a interminável O Direito de Nascer e chorar com a mamãe Dolores, vivída por Isaura Bruno, uma das personagens da telenovela. Naquela época o galã das novelas da Tupi era Juca de Oliveira, que brilhava em Nino, o Italianinho.

Que tempo bom aquele, mas que infelizmente não volta mais. Às vezes me pego pensando em tudo aquilo, em como era bom e, raras são as vezes em que não choro de tristeza por não poder recuar no tempo e voltar a ser criança.

Em poder viver tudo aquilo novamente, com a mesma intensidade que se vive quando se é criança. E, principalmente, quando se é criança e tem uma família como a que tive.


Hoje, depois de dobrar a esquina dos cinqüenta e com a bússola virada para o ocaso da vida, sinto que Deus me deu muitas coisas boas e que agora é a minha vez de retribuir isso tudo. E, graças a Ele, é o que mais tenho feito, principalmente passando para a minha pequena Mariane todos os ensinamentos que recebi quando criança.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

As vozes que saíam do rádio

Sou de um tempo em que o rádio era o melhor companheiro que se tinha. Televisão era para poucos, computador, então, só se via em filme de ficção e internet nem se cogitava.

Um tempo mais romântico, em que as pessoas tinham seus locutores e cantores favoritos e os programas prediletos. As músicas eram realmente melodias e tinham um significado real em suas letras.

Lembro bem que minha mãe tinha predileção pelos programas da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Adorava o programa comandado pelo César de Alencar, um campeão de audiência e que levava em seu programa os mais famosos cantores daquela época.

Minha mãe tinha seus cantores favoritos como as irmãs Linda e Dircinha Batista, Francisco Alves, que já havia falecido, mas que continuava fazendo sucesso, Marlene, Emilinha Borba e outras famosos daquela época eram vozes constantes nas tardes de minha infância. Eu gostava de ficar ali, ao lado dela, sentado em sua cama, ouvindo aquelas pessoas que eu não conhecia, mas que preenchiam minha imaginação com suas canções.

Para aquele menino magricela de orelhas grandes ouvir rádio era deixar a mente viajar para lugares distantes e bonitos. Eu ficava ali horas e horas, vendo minha mãe fazer crochê ou tricô e ouvindo aquele som carregado de estática que saía do rádio.

Aquele era um tempo diferente. As pessoas sabiam as letras das músicas e gostavam de cantá-las.

Quando chegava o Carnaval o rádio trazia as novas marchinhas, as músicas que satirizavam personagens famosos ou até mesmo políticos, apesar da censura forte que existia. Até as crianças cantavam as músicas carnavalescas apesar de não saberem o verdadeiro significado daquilo que estavam cantarolando.

Na Rádio Clube não era diferente. Grandes vozes passaram por seus microfones e eram igualmente ouvidas em casa.

Dácio Clemente, a maior delas, era campeão de audiência em minha casa, como em toda a cidade e região. Como em casa não tinha telefone, era na do vizinho, o maestro Américo Passarella, que eu ia tentar ligar no seu programa para pedir uma música.

Lembro que primeiro se falava com a telefonista para depois ter a ligação completada. Era difícil conseguir, mas às vezes dava certo e eu voltava pra casa feliz por ter falado na rádio, pedido uma música e oferecido para minha mãe, minha irmã e para todos que estavam ouvindo.

Hoje não se vê e nem se ouve mais nada disso. Tudo ficou no passado, um passado que não volta mais, mas que está bem guardado em minha memória.

Aquilo tudo, mal sabia eu, seria a base para minha vida profissional. Foi ali que comecei a gostar de rádio, a gostar de ouvir seus comunicadores e as músicas. Por isso que acredito que tudo na vida tem seu verdadeiro significado.

Muitas vezes penso em ligar o rádio para buscar tudo aquilo de volta, mas acabo lembrando que não basta apenas ligar o aparelho, pois aquele tempo já passou e nada será igual. Aquelas vozes já se calaram, os cantores famosos já não existem mais e as músicas daquela época ficaram esquecidas no tempo ou guardadas na memória de quem viveu aquele tempo.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Doce de batata-doce

Sou de um tempo em que se deixava a vasilha de leite na janela e o leiteiro enchia pela manhã. Um tempo em que não existia leite em caixinha ou de saquinho.

Um tempo em que se podia confiar no leiteiro e no padeiro com a certeza de que pela manhã tudo estaria lá, no mesmo lugar de sempre. Bem diferente de hoje, um tempo em que é bem capaz da vasilha sumir do pedaço bem antes do leiteiro dar o ar da graça.

Lembro bem que quando eu ainda era um menino magricela de orelhas grandes o leite de casa era entregue pelo Sílvio Semolini, um senhor alto, forte, do tipo bonachão, que conduzia a charrete com o tambor na parte traseira do veículo. O leite chegava às casas pela manhã, bem cedinho, naquelas garrafas de vidro de um ou meio litro.

O pão, que também era entregue em casa, vinha da padaria dos Samora, lá na avenida Rio Branco, entregue pelo Irineu Samora, um senhor magrinho, mas igualmente de boa índole. Ele parava a perua Kombi no outro lado da rua e a gente ia até lá buscar o pão e, quando minha mãe autorizava, voltava também com uma bela rosca ou um pão doce.

Era um tempo bem diferente da realidade atual. Um tempo em que os alimentos não eram acondicionados em saquinhos e encontrados nas prateleiras dos supermercados.

Mesmo porque não havia supermercados. A venda ou armazém mais perto de casa era o local indicado para a compra do arroz e do feijão, que eram pesados na balança, na frente do freguês.

O feijão e o arroz não tinham marca. Vinham direto da roça. O arroz ainda passava pela máquina de descascar, mas era colocado à venda a granel.

Lembro bem que perto de casa tinha a venda dos Tellini, na esquina onde funcionou por muito tempo a Farmácia Nossa Senhora da Penha e hoje abriga o Pastel Gigante. Um pouco mais adiante, já na rua XV, tinha a venda do Evilásio Avancini, que mais tarde pertenceu ao Bittar. Minha mãe também gostava de comprar no Sesi, que ficava na Regente Feijó e depois mudou-se lá para a Embaixador Pedro de Toledo, pertinho da avenida Rio Branco.

Carne se comprava no açougue. As peças ficavam expostas e o freguês escolhia aquela que queria e só então o açougueiro cortava ou desossava. O açougue do Mingo Bruzasco, que mais tarde foi do Nego Franceschini, no entroncamento da Comendador João Cintra com a Saldanha Marinho era o preferido de meus pais.

Frutas, ovos e verduras vinham do Mercado Municipal. O local, recheado de bancas com os mais variados produtos, ficava lotado nas manhãs de domingo.

Eu gostava muito de ir com meus pais fazer as compras naquele local. Primeiro que sempre gostei de acordar bem cedinho e, segundo, porque sempre acabava escolhendo um doce ou outra iguaria.

Lembro bem de uma passagem de minha infância que nunca mais esqueci. Um acontecimento que ficou marcado na minha memória.

Recordo que estava no mercadão com minha mãe e ela havia comprado um frango vivo em uma banca lá na parte de baixo. Pedi pra minha mãe deixar eu carregar o penoso até em casa, no que fui prontamente atendido.

Quando estávamos passando pela parte superior meus olhos avistaram uma banca de doces e, entre eles, o meu predileto: o doce de batata-doce. Pedi e minha mãe, de pronto, parou para comprar.

Quando eu estava ali, parado defronte os doces, aguardando que o dono da banca embrulhasse o meu, o frango que estava debaixo do meu braço e que acho que também tinha predileção por doce de batata-doce, deu uma bicada em um daqueles que estavam expostos sobre a banca. O dono dos doces, injuriado com a cena, esbravejou comigo e minha mãe, com seu sangue de boa descendente de napolitana com catalão, não deixou por menos. Na mesma hora mandou o homem cobrar o doce que havia comprado pra mim e também o outro, que o frango havia bicado.

Nunca mais me esqueci daquela cena. Um fato simples, mas que serviu para colocar aquele homem mal-educado em seu devido lugar.

No caminho de volta pra casa comi meu doce de batata-doce mais do que depressa, antes que o frango crescesse os olhos pra cima dele também. Mesmo porque ele não iria fazer muito proveito, afinal horas depois seu destino seria a panela.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

A Curintiana

Sou de um tempo em que minha cidade era pacata, provinciana e adorável. Um tempo em que era gostoso viver, poder brincar ou conversar na rua até tarde da noite sem correr o risco de ser atropelado por algum maluco ou mesmo assaltado.

Sou desse tempo. Um tempo em que as pessoas se respeitavam e tinham respeito pelas autoridades.

Os policiais, por exemplo, não precisavam exibir armas ou ligar a sirene do veículo para serem notados. Bastava a simples presença de um deles e a lei naturalmente se fazia.

Lembro bem que a polícia, mesmo sem o contingente e a frota existentes na atualidade, dava conta do recado. O povo era mais pacato, mais respeitador e mais respeitado.

O policiamento consistia em alguns valorosos soldados como o Sargento Lima, o Simão soldado, o Tótero, o cabo Belluomini e, salvo algum lapso de memória, um ou outro menos conhecido. Todos muito respeitados e sabedores dos direitos e deveres de cada um.

Aquele era um tempo folclórico. Tempo em o povo gostava de dar apelidos para tudo e para todos.

E não era diferente com a polícia. Assim como a Banda Lira era conhecida como Furiosa, a dita cuja tinha a alcunha de Curintiana.

Como a ronda era feita em dois carros, se tanto, um Jeep e um Fusca. E, embora o termo fosse jocoso, a policia era conhecida como Curintiana por causa das cores de seus carros, pintados em preto e branco.

Se algum problema mais grave acontecia, bastava ligar na cadeia e lá vinha a Curintiana. E era só ela apontar na esquina para a coisa esfriar, o povo dispersar e a bagunça acabar.

Bem diferente de hoje, um tempo dominado por debilóides que têm por hobby incrementar seus carros com um equipamento de som capaz de derrubar um prédio.
Um tipo de gente que não respeita ninguém e passeia pelas ruas da cidade impunes e exibindo, além da falta de respeito para com as pessoas, um mau gosto musical terrível. Sem contar a falta de respeito com a polícia, que nada pode fazer contra esse bando de malucos.

Fosse no meu tempo de menino magricela de orelhas grandes, bastaria chamar a Curintiana e o problema estaria resolvido. Que saudade daquele tempo que, infelizmente, não volta mais.

Se pudesse, com certeza, nas noites de domingo, quando esse pessoal maluco começasse a desfilar desrespeito, impunidade, mau gosto musical e maus hábitos na rua de casa, eu chamaria a Curintiana e, certamente, tudo seria resolvido. Pena que não é mais assim.


Como seria bom se tudo voltasse a ser como naqueles tempos. Como seria bom poder brincar na rua até mais tarde, ciente de que se algo diferente ocorresse, bastaria ligar e lá vinha a Curintiana.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Para onde vamos?

Sou de um tempo em que o mundo iria acabar no ano 2000. Um tempo em que as pessoas eram mais tementes a Deus e mais respeitadoras de seus desígnios.

Lembro bem que cresci acreditando que tudo iria se acabar no alvorecer do ano 2000. Era questão de tempo para que tudo se transformasse em uma bola de fogo e todos nós virássemos churrasquinho.

Quando esses pensamentos me assolavam o jeito era procurar diversão para esquecer o problema momentaneamente. Durante a noite, quando eu ainda era um menino magricela de orelhas grandes e chegava a hora de dormir, minha aflição aumentava só de pensar no fim do mundo.

O ano 2000 já vai longe, o mundo segue sendo o mesmo, o fogo não veio e o que nos resta de certeza é que um dia iremos partir desta para algum lugar. Mas, para onde? Para onde iremos depois que a vida chegar ao ponto final?

Minha mãe vivia dizendo que alguém disse que ouviu dizer que depois que a gente fechasse o paletó de madeira o destino seria um bangalô. Sua certeza era tanta que passava as horas de seus últimos dias no aguardo do momento de se juntar ao seu ‘véio’ em um desses bangalôs.

Se isso realmente ocorreu não posso afirmar, mas a verdade é que torço para isso ser verdade. Dessa forma meus pais poderiam dar continuidade à bela vida que tiveram juntos por aqui.

Deixando o bangalô de minha mãe de lado, a indagação sobre o destino de cada um de nós continua sem resposta concreta. Ninguém, que eu saiba, voltou pra contar como é por aquelas paragens.

Às vezes me pego pensando como seria o lado de lá. Um campo de relvas e flores brancas para os bons? Um mar de fogo para os maus? Sei lá! Prefiro nem pensar nisso.

O melhor mesmo é aproveitar o que resta da vida para angariar boas ações e seguir aquilo que tenho como doutrina. Conquistar boas amizades, fazer boas coisas para quem necessita e conhecer lugares bonitos, pois só assim minha mala estará pronta para a última viagem.

O destino? Prefiro não pensar muito nisso e deixar para o próprio destino a resolução. Se for para um bangalô, ótimo. Desde que seja ao lado de todos aqueles que por aqui passaram e fizeram parte da minha breve história.

Caso o destino seja outro, que seja pelo menos algum lugar onde eu, enfim, possa descansar meu esqueleto em paz. Afinal, o bicho já tá ficando arcado e cansado de tanto carregar meu corpo por essas bandas.


Atenção passageiros com destino ao destino desconhecido. Queiram afivelar suas malas, apertar seus cintos e ocupar suas mentes com pensamentos positivos. A última viagem vai começar e o destino é...

A quarta série ginasial

Faz tempo que isso não ocorre, mas um tempo atrás eu vivia sonhando que estava nas dependências da escola onde cursei o ginasial e também ...