terça-feira, 19 de outubro de 2010

O amigo da onça

Sou de um tempo em que o ensino público superava, de longe, o particular. Ao contrário do que ocorre na atualidade, estudava em escola particular quem era jubilado da escola pública.

Naquele tempo, quem estava prestes a completar sete anos já rumava para os bancos escolares para o aprendizado que nunca mais seria esquecido. Um mundo de letras, números, cores e desenhos, totalmente novo para aquele menino magricela de orelhas grandes.

Lembro bem de minha passagem pelos quatro anos de grupo escolar. A pequena distância entre minha casa e o Júlio Mesquita era cumprida pelo escadão da ladeira São João.

Foram quatro anos de conhecimento para aquele menino sempre atento as novidades. As notas altas no final de cada semestre revelavam que o aprendizado estava sendo absorvido de forma satisfatória.

Algumas passagens ficaram guardadas em um canto do meu baú de memórias. Mas foi um fato ocorrido já no quarto ano do primário que ficou marcado para sempre em minhas recordações. Sempre que vou ao velho Júlio Mesquita para cumprir meu dever de eleitor a cena volta e tudo que ocorreu naquele dia revira minha memória, avivando cada segundo como se tudo estivesse acontecendo novamente.

Apesar de ser um aluno dedicado e sempre tirar notas altas, naquele dia cometi um erro fatal para os moldes rígidos do ensino da época. Um erro que poderia ter sido evitado.

O dever de casa passado pela professora Ivone Pegorari Vieira era escrever uma composição sobre um passeio nas férias. Por algum motivo eu havia esquecido de escrever a composição.

Quando fui escalado para ler meu dever de casa um frio percorreu minha espinha, pois sabia que alguma coisa ruim estava para acontecer. Lembro bem que minha carteira era na primeira fila e do meu lado estava o Lula. Não o presidente, mas o Luís Carlos Santa Luzia.

Quando ouvi meu nome proferido pela professora pensei rápido e abri o caderno em uma folha em branco. Passei a ler uma composição inexistente, deixando minha imaginação fazer o serviço que eu não havia feito em casa.

Talvez meu senso jornalístico já estivesse presente e minha interpretação corria da melhor maneira possível, até ser delatado pelo colega de carteira. ‘Professora, não tem nada escrito no caderno dele’, disse o amigo da onça.

Aquela frase gelou minha alma e temi pelo pior. E ele veio de uma forma cruel. Depois de constatar que eu havia tentado burlar as regras inventando uma composição de cabeça, a professora reagiu prontamente e aquela mão veio como um bólido em minha direção.

Imediatamente senti a dor do tapa no lado direito do rosto. Mas senti muito mais a vergonha que passei pelo duro castigo que me foi imposto.

Quase cinco décadas depois ainda consigo ver tudo aquilo novamente. São fatos que teimam em retornar a cada lembrança dos meus tempos de Júlio Mesquita.


Fatos que ficaram gravados na memória daquele menino magricela de orelhas grandes. E a lembrança deles dói tanto quanto o tapa que deixou meu rosto marcado pela força daquela mão impiedosa.

Um comentário:

MARCIA CRISTINA disse...

OI Humberto, que horror de professora.., ficaria muito triste se esse fato tivesse ocorrido comigo, com meus irmãos ou com meus filhos. Hoje as escolas mudaram bastante, porém, essa violencia gratuita parece não haver mais. Pelo menos assim esperamos..... um abraço de todos daqui....

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