quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Retalhos de bala

Sou de um tempo em que as casas tinham o teto alto e as lâmpadas ficavam penduradas pelo fio de eletricidade. Tempo em que eram poucas as construções em estilo moderno. A maioria delas tinha a mesma aparência e no interior os móveis e utensílios também não primavam pela beleza.

Naquele tempo em que aparelhos de TV eram raridade não havia muito o que se fazer à noite. Em geral as pessoas costumavam sentar-se em cadeiras colocadas na calçada após o jantar e ali ficavam horas colocando os assuntos em dia.

Minha família não era diferente. Minha avó materna, minha mãe e meu pai gostavam de ficar conversando por longas horas, aproveitando a brisa da noite.

Lembro bem que em muitas dessas noites o programa mudava e meus pais acompanhavam minha avó nas visitas que ela fazia a um tio de minha mãe. Eu e minha irmã mais velha também fazíamos parte da comitiva.

José Martellini, cunhado de minha avó, residia na Manoel Pereira em uma casa bem antiga. Acometido por um derrame, sem poder deixar o leito, as poucas visitas que recebia serviam para mudar um pouco a rotina daquele senhor que eu não conheci, embora sempre acompanhasse as ditas visitas.

Lembro que enquanto minha avó e meus pais entravam no quarto para levar um pouco de conforto àquele senhor, eu, um menino magricela de orelhas grandes, e minha irmã Vera, quatro anos mais velha, ficávamos ali naquela sala aguardando pela recompensa por nos comportarmos de forma educada. Ficávamos ali, naquele sofá surrado pelo tempo, imóveis pela ação das sombras que a luz da lâmpada fraca que pendia do teto provocava nos objetos espalhados pela sala.

O tempo se arrastava e a visita durava uma eternidade para aquelas duas crianças. Nossa agonia terminava quando, finalmente, a porta do quarto se abria e, junto com minha avó e meus pais, vinha tia Vicência, irmã de minha avó. Em suas mãos estava o que esperávamos enquanto permanecíamos ali naquela sala.

Cada um de nós recebia uma pelota colorido, formada por retalhos de bala de todas as cores possíveis e imagináveis, produto do que sobrava na fábrica de balas Zanovello.
A mistura de sabores ainda está guardada na minha memória e posso sentir cada um deles a cada lembrança daqueles tempos. Íamos embora para casa, felizes com o presente e, principalmente, por ter cumprido mais uma das visitas àquela casa repleta de sombras e objetos estranhos.

Esse tempo não volta mais, mas a lembrança dele está viva e bem guardada em meu baú de memórias.

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