Sou de um tempo em que as casas tinham o teto alto e as lâmpadas
ficavam penduradas pelo fio de eletricidade. Tempo em que eram poucas as
construções em estilo moderno. A maioria delas tinha a mesma aparência e no
interior os móveis e utensílios também não primavam pela beleza.
Naquele tempo em que aparelhos de TV eram
raridade não havia muito o que se fazer à noite. Em geral as pessoas costumavam
sentar-se em cadeiras colocadas na calçada após o jantar e ali ficavam horas
colocando os assuntos em dia.
Minha família não era diferente. Minha avó
materna, minha mãe e meu pai gostavam de ficar conversando por longas horas,
aproveitando a brisa da noite.
Lembro bem que em muitas dessas noites o
programa mudava e meus pais acompanhavam minha avó nas visitas que ela fazia a
um tio de minha mãe. Eu e minha irmã mais velha também fazíamos parte da
comitiva.
José Martellini, cunhado de minha avó,
residia na Manoel Pereira em uma casa bem antiga. Acometido por um derrame, sem
poder deixar o leito, as poucas visitas que recebia serviam para mudar um pouco
a rotina daquele senhor que eu não conheci, embora sempre acompanhasse as ditas
visitas.
Lembro que enquanto minha avó e meus pais
entravam no quarto para levar um pouco de conforto àquele senhor, eu, um menino
magricela de orelhas grandes, e minha irmã Vera, quatro anos mais velha,
ficávamos ali naquela sala aguardando pela recompensa por nos comportarmos de
forma educada. Ficávamos ali, naquele sofá surrado pelo tempo, imóveis pela
ação das sombras que a luz da lâmpada fraca que pendia do teto provocava nos
objetos espalhados pela sala.
O tempo se arrastava e a visita durava uma
eternidade para aquelas duas crianças. Nossa agonia terminava quando,
finalmente, a porta do quarto se abria e, junto com minha avó e meus pais,
vinha tia Vicência, irmã de minha avó. Em suas mãos estava o que esperávamos
enquanto permanecíamos ali naquela sala.
Cada um de nós recebia uma pelota
colorido, formada por retalhos de bala de todas as cores possíveis e
imagináveis, produto do que sobrava na fábrica de balas Zanovello.
A mistura de sabores ainda está guardada
na minha memória e posso sentir cada um deles a cada lembrança daqueles tempos.
Íamos embora para casa, felizes com o presente e, principalmente, por ter
cumprido mais uma das visitas àquela casa repleta de sombras e objetos
estranhos.
Esse tempo não volta mais, mas a lembrança dele está viva e bem
guardada em meu baú de memórias.
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