Todos nós temos boas recordações da infância, seja de
passeios, brincadeiras de rua ou das emoções da época do Natal. Quem não tem um
bom motivo para recordar da espera pelo presente, da ansiedade antes de dormir
ou da alegria em descobrir que o Papai Noel não se esqueceu da gente?
Minha infância, apesar das dificuldades impostas pela
época, foi rica em detalhes que deixaram marcas de felicidade. São muitos
momentos que, apesar do tempo implacável insistir em colocar cada vez mais distantes,
continuam vivos na memória e guardados no meu baú de recordações.
Todos os anos, além do presente que era deixado sobre meu
par de sapatos, atrás da porta, ganhava também de meus avós paternos – os avós
maternos já não estavam nesse mundo – e tios. Depois de abrir o presente
deixado pelo Papai Noel, a ansiedade era pela chegada do momento de subir o
escadão da ladeira São João, atravessar o Parque Juca Mulato, circundar o
parquinho infantil, passar ao lado do antigo campo de futebol e rumar para a
casa de meus avós na João Pereira.
Foram muitos presentes, entre bolas, carrinhos e jogos de
tabuleiro, brinquedos que o tempo se encarregou de exterminar, mas um deles
resistiu bravamente e até hoje, mais de 50 anos depois, está firme e forte
graças ao cuidado que minha mãe teve em preservar.
Lembro que esse presente ganhei de minha tia Shirley. Era
um jogo de tômbola com suas cartelas em papelão e as pedras em madeira, com os
números pintados em vermelho.
Na época, para não perder uma pedra e, consequentemente o
jogo, minha mãe costurou um saquinho com um retalho de pano listrado, desses
que servem como forro de colchão. Mal sabia ela que o saquinho, assim como as
peças do jogo, atravessaria o tempo e nosso jogo de tômbola serviria de
diversão para as gerações que viriam.
Minha mãe era uma pessoa única, sempre preocupada em
participar das brincadeiras com os filhos e, depois, com os netos. Desde jogar
futebol comigo no quintal de casa, até se esconder para que os netos a
encontrassem na simples brincadeira de esconde-esconde, sempre encontrava
disposição para tudo.
Depois que meu pai partiu para o andar de cima ela ainda
ficou entre nós por mais de cinco anos, apesar da dor da perda. E era nas
tardes de sábado, depois que devorávamos os pastelões que ela preparava como
ninguém, que nos sentávamos na mesa oval da copa para jogar tômbola.
Minha mãe se divertia e, ao mesmo tempo, preenchia os
pensamentos para deixar a dor da saudade de lado. Em volta da mesa com suas
cartelas e feijões para marcar os números, minha irmã Claudia, minhas sobrinhas
Manon e Luê e eu nos divertíamos e, ao mesmo tempo fazíamos companhia para a vó
Dirce por boas e divertidas horas.
Minha mãe foi ao encontro de meu pai no andar superior,
mas o jogo de tômbola permaneceu e resistiu ao tempo, graças ao zelo de minha
irmã, que até hoje guarda o mesmo e até
o surrado saquinho listrado para a diversão das tardes de sábado. E, a cada
pedra cantada, vem à memória a figura de minha mãe na mesa da copa, marcando os
números cantados pelas duas netas. Ou de quando era sua vez de cantar e ela
usava as frases inesquecíveis como ‘dois patinhos na lagoa’ para o número 22 ou
‘idade de Cristo’ para o 33.
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