terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Os latões gêmeos

Sou de um tempo em o leite vinha direto da origem, sem passar por indústrias ou processos avançados. Um tempo em que tudo era mais natural e simples.

Lembro bem que o leite consumido em casa era entregue pelo Sílvio Semolini, com sua carrocinha puxada por um cavalo. Mas, algumas vezes o produto vinha da casa da minha avó paterna, ou melhor das vacas do Valter Riboldi.

Meu avô João Butti trabalhou uma vida na olaria dos Riboldi, passava a noite queimando tijolos e pela manhã, quando deixava  trabalho no bairro dos Prados, fazia sua caminhada pelo chão batido da avenida Brasil e subia o morrão do sanatório, perto da mininha. Além da marmita vazia, trazia com ele o leite fresquinho que havia sido tirado ali mesmo nas cercanias da olaria.

Vez ou outra uma parte desse leite tinha como destino minha casa. E a incumbência de buscar o mesmo cabia à Vera, minha irmã mais velha, e a mim, um menino magricela de orelhas grandes.

O caminho era dos mais agradáveis, subíamos o escadão pela Ladeira São João e ganhávamos o Parque Juca Mulato, tomando a avenida dos Biris até chegar ao final do antigo campo Chico Vieira, que ficava onde estão as casas que compõem o quarteirão final da Rui Barbosa, entre a atual Casa da Cultura João Torrecillas Filho (antiga cadeia) e o SAAE, onde havia uma quadra de esportes. Ali desembocávamos na João Pereira, bem no primeiro quarteirão, onde ficava a casa de meus avós.

Nas mãos levávamos os recipientes para transportar o tão precioso líquido. Cada um portava um latãozinho feito em alumínio, idênticos, que estavam sempre reluzentes, tal o zelo e o capricho de minha mãe.

Na borda de ambos, lembro bem, estava escrito o nome de quem havia presenteado meus pais com as duas peças gêmeas. Gravado em letras maiúsculas o nome de meu tio Waldemar Franco de Godoy, marido de minha tia Ilda, irmã de minha mãe, dava o toque final aos dois recipientes.

Os latões gêmeos já não existem mais, assim como meus avós, meus pais e meu tio Waldemar, um homem de bom coração, pau para toda obra, como se dizia antigamente. Mas essa lembrança ficou gravada em minha memória como um marco de um tempo feliz, assim como um tombo que minha irmã levou um certo dia ao tentar se equilibrar na muretinha ao lado do antigo Posto de Puericultura.


Sua tentativa circence resultou na perda de uma parte do leite, além de um belo arranhão nas costas de uma das mãos e um pequeno amassado em um dos latões. O tempo curou tudo isso, menos a dor de saber que esse período de minha vida já vai longe, cada vez mais longe no horizonte. 

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