sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Lá vai o trem

Sou de um tempo em que o trem era um dos principais meios de transporte do país. Um tempo em que a cidade era cortada pelos trilhos e o apito das locomotivas era ouvido mesmo quando ela ainda estava distante.

Lembro bem do tempo em que eu ainda era um menino magricela de orelhas grandes e acordava no meio da madrugada. O sono, muitas vezes ia embora, os olhos secavam e eu ficava ali, quieto em minha cama, ouvindo o barulho das composições, que chegavam ou partiam rangendo suas engrenagens sobre os trilhos.

Como a linha do trem praticamente circundava a cidade, passando pelo bairro dos Prados e por trás do Cubatão, dava para ouvir claramente seu barulho enquanto ele seguia seu destino. Eu ficava ali, quietinho, ouvindo aquele som gostoso que embalava novamente meu corpo e acalentava meus sonhos de criança.

O trem e seus sons fizeram parte de minha infância de uma forma especial. Era nele que minha família embarcava para passar os finais de semana na fazenda São Miguel, em Martim Francisco, onde morava a família de minha tia Jacira, irmã de minha mãe.

Quando meu pai anunciava, no meio da semana, que no sábado a gente iria para a fazenda, era uma festa. Eu e a Vera, minha irmã mais velha, sabíamos que o passeio estava garantido e passávamos a contar os minutos até a hora de acordar bem cedinho no sábado para descer a rua da Estação, dobrar a esquina da Alfredo Pujol e alcançar minha avó Carmela, que há muito já havia feito o caminho com medo de perder o trem.

Como era gostoso estar ali na plataforma de embarque, ainda escuro, aguardando pela chegada do trem que vinha de Sapucaí com destino a Mogi Mirim. Quando ouvíamos o apito estridente da locomotiva que se aproximava era hora de começar a viagem.

Ainda ouço o barulho dos freios da locomotiva chegando na estação para nos levar. Posso ver o movimento daquele homem que recebia o trem e sentir o cheiro que exalava do vapor da caldeira.

A viagem sem pressa era o melhor de tudo. O dia começava a clarear e a paisagem se abria nas janelas enquanto a gente sacolejava em um dos vagões.

Embora a distância fosse pequena entre as duas cidades e também entre Mogi e Martim Francisco, a viagem parecia durar uma eternidade. Quando chegava em Mogi Mirim havia a necessidade de trocar de composição e a baldeação era feita em poucos minutos para uma nova viagem até o destino final.

Hoje não há mais trem por aqui, não ouço mais seu barulho ritmado durante a madrugada, embora muitas vezes me pegue tentando encontrar algum som similar quando estou acordado. O trem há muito foi embora para nunca mais voltar e eu fiquei órfão de mais esse detalhe de minha infância.

Às vezes tento entender o motivo que leva os governantes a acabar com algo tão bom e eficaz como a estrada de ferro. Fico imaginando quantos caminhões de carga cabem nos vagões puxados pela locomotiva fumegante e quantos passageiros podem ser transportados em uma única viagem.

Será que eles não sabem que, além de acabarem com um dos meios de transporte mais econômicos que existia, colocaram fim também ao sonho de muita gente que, como eu, teve o trem como um companheiro de viagem e também das horas em que o sono ia embora durante a madrugada? Que desativaram, não só a estrada de ferro que cortava a cidade, mas o caminho entre o sonho e realidade de muita gente?


Lá vai o trem. Posso ouvir ao longe o barulho de seus vagões rangendo nos trilhos e o apito estridente a cada cruzamento para avisar que por ali irá passar uma parte da minha infância que foi embora para nunca mais voltar. Desse trem ficará apenas a lembrança dos bons momentos que todas aquelas viagens proporcionaram ou das muitas noites sem sono que fiquei ouvindo seu sacolejar pelos trilhos da vida.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

A vitrola da minha tia

Sou de um tempo em que os discos de vinil eram o principal meio para se ouvir as músicas do momento. Um tempo em que as pessoas aguardavam pelo lançamento do disco de seus cantores preferidos para comprar os long plays ou compactos.

Lembro bem que, além do rádio, a vitrola era um acessório quase que obrigatório nas casas. Em forma de eletrola ou mesmo portátil, as vitrolas ocupavam seu espaço nas salas de quase todas as residências.

Na metade da década de 60, quando eu ainda era um menino magricela de orelhas grandes, era na casa de meus avós paternos que eu ouvia as músicas que faziam sucesso. Em casa não tinha vitrola, apenas rádio, mas minha tia Marly tinha uma portátil, da marca Phillips, em cuja tampa ficava o alto-falante. Lembro que a gente ficava no rancho do quintal, principalmente nas datas festivas como Natal, Páscoa e Ano Novo e era naquele aparelho que a gente ouvia as boas músicas daquela época.

Naquele tempo as baladas de Jhonny Rivers, como Do You Wanna Dance?, Poor Side Of Town e Summer Rain, ou Sunny, de Chris Montez, eram as nossas preferidas, assim como Happy Together, da banda The Turtles ou No Milk Today, com Herman’s Hermits. Ficávamos, horas e horas, em volta daquele aparelho ouvindo aquelas melodias que, embora não soubéssemos o que a letra dizia, soavam de uma forma gostosa nos ouvidos.

Na época do Natal, quando meu tio José Rubens, que ainda morava no seminário, estava presente, os discos do Lafayette eram os mais tocados, assim como os discos natalinos que tinham na harpa o principal instrumento. Ainda posso ouvir tudo isso a cada vez que relembro aquele tempo gostoso.

Um tempo depois, já no início da década de 70, minha irmã Vera, que também é Marli assim como a Cláudia também ostenta Marli como segundo nome – nunca vi uma família gostar tanto desse nome – comprou uma vitrola igual e passamos a comprar os discos para ouvir em casa. Era o tempo de B J Thomas e sua Rock and Roll Lullaby, de Billy Paul com Oh Me Oh My, de Carole King com It’s Too Late e assim por diante. Lembro que a gente juntava os trocados que tínhamos para comprar os discos, principalmente os compactos, que eram mais baratos.

Minha irmã já dava aulas particulares e tinha um monte de alunos e podia dispor do dinheiro com mais facilidade. Eu já tinha que esperar pelo Ano Novo, quando ganhava meus trocados de Bom Princípio do Ano, ou pela generosidade de minha mãe para juntar minha parte e contribuir para a aquisição dos discos em 33 rotações.

Aquele era um tempo bem diferente, mais gostoso. Os discos eram a única forma de se ter em casas as músicas preferidas.

Ao contrário do que acontece hoje, quando se baixa uma música em segundos pela internet ou se pode ouvir um lançamento antes mesmo dele ser colocado no mercado, a ansiedade era grande quando um cantor de sucesso anunciava um novo disco. No final do ano, por exemplo, as lojas ficavam abarrotadas de gente aguardando pela chegada do novo LP do Roberto Carlos.

Como tenho saudade daqueles tempos. Como gostaria de sentar novamente embaixo da parreira de uva da casa de minha avó Leonor para ouvir as músicas naquela vitrolinha Phillips da minha tia Marly.

De tudo aquilo sobrou apenas a lembrança de um tempo que não volta mais. A casa de minha avó já não existe mais, assim como ela, meu avô, meu tio José Rubens, meu tio Ivan e meus pais já partiram desse mundo.


Minha tia Marly, embora não tenha mais a vitrola Phillips, continua com o mesmo bom gosto de antigamente. E é quando me sento com ela em sua casa que relembro aqueles bons momentos de minha infância.

A quarta série ginasial

Faz tempo que isso não ocorre, mas um tempo atrás eu vivia sonhando que estava nas dependências da escola onde cursei o ginasial e também ...