Sou de um tempo em que o relógio da Matriz funcionava e servia de
norte para as pessoas. Bastava olhar para a torre da igreja e a hora certa
estava ali, pronta para ajudar no dia-a-dia das pessoas.
Naquele tempo, além do relógio de parede
das casas e dos relógios de bolso – não eram todas as pessoas que possuíam um
relógio no pulso -, alguns artifícios eram usados como indicadores da hora. Um
deles era o apito das fábricas, que soavam forte em determinadas horas do dia.
Cresci ouvindo o apito da fábrica de papel
que ainda hoje funciona no Cubatão, ao lado do ribeirão da Penha. No alvorecer,
bem cedinho, quando eu ainda era um menino magricela de orelhas grandes, de
casa já se ouvia a sirene chamando os trabalhadores para o batente.
Minha mãe, talvez por ter passado a
juventude trabalhando na Fábrica de Chapéus Sarkis, sempre se guiou pelo apito
da fábrica. Como ela sempre dizia, foram sete anos – dos 15 aos 22 – na
faculdade do Sarkis, de onde saiu para se casar.
Esse hábito de se guiar pelo apito da
fábrica acompanhou minha mãe até o fim da vida. Dava seis horas, o apito soava
e lá estava ela, abrindo a porta do quarto para começar seu dia.
Às vezes eu pensava que se um dia o apito
falhasse ou encrencasse minha mãe passaria o dia todo dormindo à espera do dito
cujo para se levantar. Claro que isso nunca aconteceu, mesmo porque minha mãe
nunca foi de se levantar depois que o sol desse as caras.
Lembro como se fosse hoje e posso vê-la no
fogão à lenha de casa, preparando o almoço. Quando o apito soava anunciando que
a hora do almoço havia chegado, ela já sabia que dali cinco ou 10 minutos meu
pai estaria ali para almoçar, descansar um pouco e já voltar para a fábrica de
móveis, lá no fim da avenida Rio Branco.
Esse apito estridente me acompanha até
hoje. Mesmo não residindo mais na casa de número 20 da Comendador João Cintra,
ainda ouço o bendito apito anunciar que são seis da matina. E, claro, já boto
os pés no chão para começar mais um dia.
E faço isso com o coração apertado de
saudade daqueles tempos de menino, quando eu ouvia aquele apito bem mais de
perto e sabia que meu pai e minha mãe já estavam rumando para a cozinha e, logo
logo, o cheirinho gostoso de café estaria invadindo meu quarto. Bons tempos aqueles,
que já vão longe, mas que voltam a cada manhã quando o apito soa em meus
ouvidos.
Se antes, por muitas vezes eu reclamava de
seu estrilo ardido, hoje seu som me soa como melodia nos ouvidos, pois me
transporta para um tempo distante que guardo com muito carinho no coração e na
memória.
A fábrica continua lá, já mudou de nomes
não sei quantas vezes, mas seu apito permanece forte e estridente, me chamando
para relembrar bons tempos de minha vida. Que ele continue firme e forte, mesmo
que a fábrica mude de nome um sem número de vezes. Amém!
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