Sou de um tempo em que qualquer espaço servia como campo de
futebol. Bastavam quatro tijolos para a demarcação dos gols e a bola podia
rolar, fosse qual fosse a condição do chão.
Como um garoto apaixonado por futebol e
ávido por correr atrás da bola, sempre que podia lá estava eu, um menino
magricela de orelhas grandes, correndo com minhas pernas finas e chutando com o
pé esquerdo. Fosse na rua de casa ou em um campinho qualquer, o que valia era ver
a bola rolar.
Lembro bem de vários locais que eram
transformados em campinhos. Como o terreno em que a Companhia Mogiana utilizava
para descarregar enxofre, onde hoje está a Faculdade IESI, ou o campinho ao
lado do riozinho da rua Sete de Setembro, onde mais tarde foi construída a
residência do doutor Décio Galdi e que hoje abriga a casa de eventos Maison
Galdi.
Ali, naquele local, muitos foram os jogos
e torneios que realizamos. Como eram muitos meninos, geralmente formávamos três
ou quatro times e a disputa ficava ainda mais acirrada.
Tudo girava em torno de um garoto, que
organizava tudo e dividia os times. Sua habilidade para tal era tanta que o
apelido de Havelange logo pegou e nunca mais foi esquecido.
Júnior, filho do doutor Hélio Amâncio de
Camargo, era assim. Inteligente, hábil com a bola e craque para organizar os
times, a tabela de jogos e as regras. Por isso ficou conhecido como Havelange,
uma alusão a João Havelange, que naquela época comandava a CBD (Confederação
Brasileira de Desportos), que mais tarde viraria CBF (Confederação Brasileira
de Futebol), assim como ele viraria presidente da FIFA.
Lembro bem dele, um menino inteligente,
habilidoso com a bola nos pés e também para organizar. E era na casa dele, ali
na esquina da XV de Novembro com a Campos Salles que a gente se reunia antes de
descer a ladeira até chegar ao campo do riozinho, como era chamado nosso
estádio predileto.
Lá, naquele local, de chão sem grama, mas
muito charmoso, corríamos atrás da bola e deixávamos que nossa mente fluísse
pelos campos da imaginação. Afinal, estávamos na década de 60, época de ouro
para o futebol brasileiro, recheado de craques como Ademir da Guia, Garrincha e
Vavá, entre outros, sem contar Pelé, o maior de todos.
Parecem estar vivas em minha memória as
disputas acirradas em busca da vitória. Atrás da bola, além de mim, garotos
como Plininho Cremasco, Tato Monezzi, Paulo Marcos Zelante, Antonio Alberto
(filho do doutor Antoninho), Carlinhos Cavenaghi, Decinho Galdi, Ari Cremasco,
os irmãos gêmeos João Carlos e João Paulo, conhecidos como Broa e Parada,
filhos da dona Mariana e do ‘seo’ Ico, e muitos outros, além do Havelange,
claro. Todo mundo descalço, correndo naquele chão disforme e cheio de buracos,
pedras e outros obstáculos.
Hoje, bem diferente daqueles tempos, os garotos têm chuteiras
importadas, caneleiras, bola impermeável e um gramado macio para fazer a bola
rolar. Mas, muitas vezes, acabam matando a bola de canela e mandando o sonho de
se transformar em um craque para escanteio.
Como é bom lembrar de tudo isso. Nunca
mais vi o Havelange. Inteligente, seguiu a carreira do pai, se transformou em
médico e se mudou daqui.
Mas para mim ele vai continuar sempre
aquele menino inteligente, educado, hábil com a bola nos pés e craque na
organização dos times e dos torneios. Para mim ele vai continuar sendo sempre o
Havelange.
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