quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Um astro, um Fusca e um paletó xadrez

Sou de um tempo em que a José Bonifácio, rua central da cidade, tinha o tráfego no sentido da praça. Um tempo em que as meninas da sociedade, quando atingiam os 15 anos, participavam do tradicional Baile de Debutantes.

Um tempo em que tudo era mais romântico, mais glamouroso. Um tempo em que o Clube XV de Novembro era frequentado pela elite e nós, simples mortais, apenas ficávamos imaginando como seriam os grandes acontecimentos que lotavam o salão do clube.

Lembro bem que estávamos no final da década de 60, no ano de 69, e que as telenovelas da TV Tupi faziam sucesso. Naquela época a transmissão ainda era em preto e branco e raras eram as casas de classe média que possuíam um aparelho de TV.

Para quem pertencia às classes sociais menos favorecidas eram poucas as opções de lazer. Lembro que as noites de sábado eram preenchidas com uma sessão de cinema e, quando havia dinheiro, uma pizza no Sebastião Bar ou no Cine Bar.

Eu ainda era um menino, de 11 ou 12 anos, magricela e de orelhas grandes. Havia acabado de ingressar no ginásio e começava a dar meus passeios em companhia de amigos.

Em uma dessas noites de sábado, depois de saborear uma bela pizza no Sebastião Bar, que ficava no final da José Bonifácio, onde atualmente está o Moyses Magazine, junto com meu primo Marcos Papaléo e o amigo Antonio Carlos Crivelaro, um Fusca, último tipo, parou na esquina da Paulista e o motorista nos chamou para indagar sobre seu destino, pois estava perdido. Como eu estava mais próximo da sarjeta, debrucei na porta do carro do lado do carona e abaixei para ouvir a pergunta.

Quando olhei para o rosto do motorista vi que já o havia visto em algum lugar. Segundos depois percebi que ali, bem na minha frente, estava ninguém menos que o astro da novela das sete.

Juca de Oliveira, o galã da época, em carne e osso, estava ali, parado ao volante de seu Fusca, e precisava saber como fazia para chegar à residência do Hildebrando Banzatto. Passado o susto, ouvi a indagação e imediatamente ofereci nossos préstimos para ajudá-lo a encontrar seu destino.

Mesmo sabendo que era só ele virar para a direita e subir dois quarteirões e meio e já estaria em seu destino, fiz questão de dizer que iríamos junto para ele não se perder. Afinal, não era todo dia que um astro da TV estaria ali, na nossa frente, precisando de ajuda.

Meu primo e o Carlão se acomodaram no banco de trás, sem amassar o paletó xadrez impecável, que ali estava na espera do momento em que o galã iria vesti-lo para ser o paraninfo do Baile de Debutantes. Eu, como sabia onde ficava a casa dos Banzatto – que ficava no quarteirão de minha casa –, fui no banco da frente para indicar o caminho.

Claro que nossa aventura durou apenas dois pequenos e míseros quarteirões e não tivemos a sorte de encontrar com algum conhecido no caminho para botar banca. Mas só de estar ali, ao lado do galã da novela das sete, já havia sido para nós algo fantástico.

O tempo passou e esse detalhe de minha infância ficou guardado em um canto de meu baú de memórias, esquecido, deixado de lado pela ação do tempo. Só quando o ator, já consagrado, decidiu comprar uma propriedade rural em Itapira e passar a ser figurinha fácil nas ruas da cidade é que fui me lembrar desse fato.

Hoje, tantos anos depois, mesmo tendo a oportunidade de entrevistar e conversar com astros de TV, cantores renomados, políticos influentes e craques da bola por causa de minha profissão, entendo que aquele momento de minha infância foi muito mais importante no contexto de minha vida. Nada se compara a emoção vivida naquele momento.

Juca de Oliveira já não é o galã de antes, mas escreveu seu nome no mundo artístico como grande ator de cinema, TV e teatro. Meu primo Marcos há pelo menos 20 anos não vejo.

O Carlão Crivelaro, hoje um renomado cirurgião-dentista e articulista de mão cheia, continua sendo um bom amigo. Dia desses me lembrou desse fato em uma manhã de domingo enquanto minha filha Mariane e seu neto Rodrigo se divertiam nos brinquedos do Parque Juca Mulato.


O tempo é implacável com todos nós. Ficamos mais velhos, os cabelos, quando resistem, são pintados de cinza, o esqueleto já não suporta o peso dos anos, mas as memórias de tempos felizes permanecem em nossa mente e são reavivadas a cada oportunidade que a vida nos dá de relembrar os detalhes que construíram nossa existência.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

O guardião de minha mãe

Sou de um tempo em que cada pessoa tinha seu devido valor. Não importava a importância dela para o contexto da sociedade, mas o que ela significava na vida de cada um de nós.

Várias foram as pessoas que deixaram marcas profundas em minha existência. Algumas pelos laços sanguíneos, como pai e mãe, outras por estarem presentes em diversos momentos de nossas vidas e, de uma forma ou de outra, representarem uma página em nosso livro da vida.

E é incrível como centenas de pessoas que conhecemos passam como bólidos pela nossa vida e desaparecem na poeira sem deixar rastro. De quando em quando reaparecem do nada e somem novamente num piscar de olhos.

Outras, entretanto, estão sempre ali, como parte integrante do nosso dia-a-dia. São figuras tão fáceis de se ver que quando não as vemos é como se faltasse um pedaço da gente.

Desde que nasci e, principalmente a partir de quando comecei a entender essa coisa complicada que chamamos de vida, algumas pessoas estiveram sempre ao redor, preenchendo cada momento e traçando as linhas pelas quais minha vida foi escrita. Lembro bem como se fosse hoje de tantos vizinhos que já partiram desta para a que chamamos de melhor.

E, entre tantos e tantos que se encaixam nesse contexto, há aqueles que não me saem da memória. Vira e mexe e algum reaparece como que por encanto e me fazendo lembrar de algum detalhe curioso dos tempos em que eu ainda era um menino magricela de orelhas grandes.

Coca é um desses personagens inesquecíveis. Alegre, extrovertido, bem informado e palmeirense como eu, sempre foi um companheiro de todas as horas.

Nos últimos anos de sua vida era ali no portão da minha casa que ele gostava de se sentar para ver o dia passar. Era sair de casa cedinho e lá estava ele, sentado naquele portão como se fosse um guardião de todos nós.

Minha mãe, como de costume, também se sentava naquele lugar e, invariavelmente, era com ele que batia longos papos. Uma boa piada, um fato ligado ao futebol ou qualquer que fosse o assunto, desde que não fosse política e ambos comungavam do mesmo pensamento.

A política era assunto proibido entre ambos. Afinal, Coca era totonhista ferrenho e minha mãe tinha lá seus motivos para não concordar.

Mas, tirando esse pequeno detalhe, de resto os dois eram grandes amigos, assim como eu o tinha como um daqueles amigos que se guarda para sempre na memória e no coração. Lembro bem de seu jeito de brincar com as pessoas, sem que em algum momento ofendesse ou irritasse alguém.

Não são raros os momentos em que fecho os olhos e retorno aos tempos em que a casa número 20 da Comendador João Cintra era minha moradia. Volto quase que sempre em pensamento ao local onde nasci e vivi grande parte de minha existência.

E, embora saiba que nada será como antes, deixo meus pensamentos vagarem por tudo que vivi naquele local. Em meus devaneios vejo o Coca Venturini sentado ali no portão de casa como um guardião de todos nós.

Quando retorno à realidade imediatamente lembro das palavras que eu sempre dizia para ele: “estou sempre tranquilo, pois sei que o segurança de minha mãe está sentado no seu posto”. E, por incrível que possa parecer, cerca de 15 dias depois que minha mãe partiu, meu amigo Coca, o guardião de minha mãe, também deixou seu posto, fechou seu paletó de madeira, e deve ter seguido com sua missão em um plano superior, me deixando órfão de um dos amigos mais queridos que tive.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

A praça e a retreta da furiosa

Sou de um tempo em que ouvir a banda tocar na praça nas noites de domingo era o lazer preferido de quase todas as famílias. O antigo coreto da praça Bernardino de Campos ficava rodeado de pessoas para a tradicional retreta domingueira.

Naquele tempo a Banda Lira era a atração em quase todos os eventos. Fosse festa, procissão ou jogo de futebol e lá estava a corporação para dar um toque especial.

Lembro bem que, quando eu ainda era um menino magricela de orelhas grandes e o barracão onde funcionava a ferraria do Bertino começou a ser desmanchado para a construção da sede da Banda Lira no quarteirão de minha casa passei a ter um contato ainda maior com a banda. Desde pequeno eu já estava acostumado a ouvir os acordes do pistão do maestro Américo Passarella, que era vizinho de minha casa.

Mas foi a partir da mudança da sede da banda para os arredores de casa que passei a ouvir com mais frequência todos os ensaios e a admirar ainda mais aqueles senhores, que aos domingos vestiam o uniforme na cor oliva para as retretas na praça. Lembro de alguns integrantes como o Berto Pontes, o Dito Ventania, os Marcati, o Américo Levatti, o Joãozinho Brandão, os Riberti, os Bazani e tantos outros que passaram pela corporação, deram sua contribuição e foram importantes para que tantos jovens se interessassem em fazer parte da Lira.

Recordo, como se fosse hoje, dos aniversários da banda, no mês de abril, quando todos nós, vizinhos da sede, éramos convidados para a festa. Lembro da entrada da sede, antes da mesma cair durante um temporal, no início dos anos 80, com a grade cercada de pequenos arbustos antes da porta principal.

Aquele era um tempo diferente, um tempo em que as pessoas saíam de casa nas noites de domingo para ouvir a banda que a gente, carinhosamente, chamava de Furiosa. Bem diferente dos tempos atuais, a praça tinha vida, as pessoas frequentavam os bares e cinemas que a rodeavam e davam valor para tudo aquilo, pois era ali que ocorria o movimento noturno da cidade.

Como era bom acordar nos feriados em que havia procissão ou mesmo a alvorada do 13 de maio e ouvir a banda, logo no início da madrugada. Lembro que a mesma deixava a sede já executando as marchas e dobrados que ainda hoje, quando ouço, me emocionam e me remetem àquele tempo tão diferente e gostoso.

Aquele foi um tempo feliz de minha vida. Um tempo em que as pessoas davam mais valor a tudo e tinham respeito pelos seus semelhantes.

Um tempo em que não se via locais públicos destruídos pelo simples prazer de destruir, como acontece nos dias atuais. Um tempo em que as famílias podiam frequentar a praça ou o parque Juca Mulato nas noites de domingo sem o medo de serem molestadas por vândalos ou incomodadas pela selvageria que se vê pelas ruas nos dias de hoje.

Quem saía de casa para ouvir a banda tocar na praça podia ter a certeza de que conseguiria ouvir de fato, sem ser incomodado pelos carros que hoje circulam pelas ruas com o volume do som nas alturas, parecendo que o motorista deseja que todos saibam o quanto é péssimo o seu gosto musical. Quem se sentava nos bancos da praça podia fazê-lo com a certeza de que voltaria para casa feliz em ter tido a oportunidade de dar à família um pouco de lazer antes de iniciar uma nova semana de trabalho.


Pena que aquele tempo já não existe mais. Pena que ficou apenas na memória de quem viveu aquele tempo e, como eu, já com os cabelos pintados pelo tempo, sinta um pontinha de dor no peito a cada vez que recorda de tudo aquilo.

A quarta série ginasial

Faz tempo que isso não ocorre, mas um tempo atrás eu vivia sonhando que estava nas dependências da escola onde cursei o ginasial e também ...