segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Versão brasileira Herbert Richers

Sou de um tempo em que as séries de TV eram importadas. Quase não havia produção nacional e as emissoras de televisão mostravam os seriados que encantavam a garotada.

Quem não se lembra de Viagem ao Fundo do Mar, Terra de Gigantes, Túnel do Tempo, Bonanza, Daniel Boone, Perdidos no Espaço e tantos outros seriados. Ou os desenhos animados como Speedy Racer, por exemplo.

Eu ainda era um menino magricela de orelhas grandes e, sempre que podia ou meus pais deixavam, atravessava a rua e subia a escadaria do sobrado da família Secchi Franco, na Comendador João Cintra, para me deleitar com os episódios que eram exibidos no início da noite. Naquele tempo não pegava a Globo e tudo girava em torno da TV Tupi e da Record.

Lembro bem que quando começava o episódio, fosse qual fosse o seriado, lá vinha aquela voz grave para anunciar ‘versão brasileira Herbert Richers’. Claro que aquilo não tinha qualquer importância para a plateia formada por garotos da rua e outros de locais mais distantes, afinal o que interessava era a estória que seria exibida.

Mas, talvez por já ter nas veias um pouco do que faço hoje, aquela frase não me saía da cabeça e enquanto não descobri o que aquilo queria dizer não sosseguei. Versão brasileira Herbert Richers, claro, descobri mais tarde que significava o estúdio onde eram gravadas as vozes dos dubladores, aquelas pessoas que diziam em português o que os artistas do seriado falavam em inglês.

Assim como muitas outras coisas, essa frase marcou minha infância e, acredito, a de muita gente que, como eu, era criança naquela época e adorava aqueles seriados. Ainda hoje, quando algum seriado desses é reprisado por algum canal de TV, logo me vem à cabeça aquele tempo que deixou tanta saudade.

Minha mãe, de saudosa memória, sempre dizia que uma música ou um perfume marcavam e cada vez que uma canção que tinha sido ouvida em determinada situação ou um perfume de alguma pessoa fosse sentido novamente, imediatamente o fato ou a pessoa voltariam à nossa mente. Como essa frase, ouvida centenas de vezes em minha infância, acredito que ocorra a mesma coisa, pois cada vez que ouço aquela voz grave de alguém que talvez nem faça mais parte desse mundo, meu baú de memórias se abre instantaneamente e as lembranças afloram como num passe de mágica.

Imediatamente volto no tempo e revivo um episódio de minha infância. Um episódio de uma série que já tem mais de meio século, mas que continua com seus episódios precedidos por aquela frase imortal: ‘versão brasileira Herbert Richers’.

Uma janela para o mundo

Sou de um tempo em que o silêncio imperava nas altas horas da madrugada. Um tempo em que as pessoas se recolhiam e aproveitavam a noite para o descanso.

Lembro bem que durante muitas e muitas noites em que o sono ia embora e meus olhos secavam, era na janela do meu quarto que eu me sentava para espiar a escuridão da noite e ouvir boas músicas. Era ali, de frente para o vazio que se formava entre a claridade do meu quarto e as poucas luzes do Cubatão, que eu via o tempo passar sem pressa.

Até meus 12 anos, quando eu ainda era um menino magricela de orelhas grandes, minha casa na Comendador João Cintra ainda tinha o formato antigo e meu quarto ficava no meio dela. Só depois da reforma e da ampliação é que ganhei um quarto com vista para o mundo.

E era ali, naquela janela, que durante muitas e muitas noites de minha adolescência, eu passava algumas horas olhando para aquele imenso vazio que se formava e para aquelas parcas luzes, como se estivesse procurando meu rumo. Não foram poucas as vezes que, sentado ali naquela janela, com um pé no telhado do terraço e o outro apoiado na cama, vi a escuridão ir embora para deixar mais um dia nascer.

De fundo, invariavelmente, boas músicas tocadas na Rádio Mundial do Rio de Janeiro, sintonizada no Saratoga, o rádio herdado de meu avô Antonio Papaléo, e que era meu grande e inseparável companheiro. Era ali, naquela janela, que meu contato com o mundo se tornava mais amplo e meus pensamentos rodavam sem parar.

Até hoje guardo boas recordações daquela janela com vista para a parte baixa da cidade. Parece que foi ontem, mas o tempo é implacável e nos afasta cada vez mais de tudo aquilo que recordamos com saudade.

Ainda me lembro de tudo aquilo e, por incrível que pareça, apesar de tanto tempo, tudo está bem vivo em minha memória. O silêncio da noite, quebrado apenas pelo som baixo de meu inseparável rádio ou por um o outro galo cujo despertador deveria estar fora de sintonia.

Nunca mais voltei àquela janela, principalmente depois de um dia, não muito distante, em que criei coragem e, de volta àquela casa, abri aquela janela e me deparei com tudo aquilo novamente. Tudo estava como eu havia deixado em minha adolescência e parecia que o tempo tinha dado um tempo para mim.

Instantaneamente o mundo se abriu a minha frente e todos os bons momentos passados ali voltaram como num passe de mágica. Apesar de estar de frente para o que sempre vislumbrei, o nó que se formou em minha garganta foi mais forte e minha emoção aflorou através de lágrimas de saudade.

Ali, naquele momento, já com cabelos pintados pelo tempo e com minha pequena Mariane no colo, fechei para sempre aquele ciclo de minha existência e decidi guardar aqueles bons momentos em um canto especial de meu baú de memórias. Era como se estivesse enterrando um pedaço de mim.


Infelizmente o tempo e o mundo não param e a vida segue em frente, deixando pelo caminho tudo o que vivemos e vivenciamos. Restam apenas as lembranças de um tempo que não volta mais.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Sapato na quadra

Sou de um tempo em que respeito e disciplina eram mais do que lei, fosse no seio da família ou na escola. Um tempo em que se tratava os mais velhos por senhor ou senhora e se pedia a bênção para pais, tios, avós e padrinhos.

Lembro bem que, em casa ou fora dela, as crianças deviam se comportar, respeitar os mais velhos e, principalmente, obedecer aos pais. Havia uma espécie de doutrina que começava em casa e se estendia porta afora.

Naquele tempo a escola era uma extensão da casa e lá se aprendia muito, principalmente porque havia o respeito para com quem ensinava. O aluno saía do grupo escolar afiado para enfrentar o próximo desafio, que era estudar no ginásio.

Passei quatro anos nos bancos do Grupo Escolar Dr. Júlio Mesquita que valeram pela vida toda. Lembro bem que eu era um menino magricela de orelhas grandes que prestava atenção em tudo que as professoras ensinavam, pois sabia que tudo aquilo iria me servir pelo resto da vida, pois foi assim que minha mãe me preparou para iniciar meus estudos.

Quando ingressei no primeiro ano ginasial, prestes a completar 11 anos, já estava preparado para os novos desafios que a vida escolar iria me impor. A base que havia recebido era mais que suficiente para encarar as mudanças que viriam pela frente.

Apesar das mudanças radicais entre uma escola e outra, entre as matérias do ginásio e a cartilha do grupo escolar, uma coisa não se alterou. Da mesma forma que o aprendizado dos tempos de grupo escolar, tudo que aprendi no ginásio continua me servindo até hoje.

E não são apenas os ensinamentos que até hoje povoam minha mente. Os momentos vividos naquela escola imponente estão arquivados até hoje no meu baú de memórias.

Posso, num piscar de olhos, recordar momentos que marcaram minha passagem pelo ginásio, ouvir o burburinho intenso do recreio. Ou uma voz grave avisando algum desavisado que o mesmo estava infringindo uma das regras básicas.

‘Sapato na quadra’. Qual dos milhares de alunos que passaram pelo ginásio nunca ouviu essa frase retumbante?

Essa expressão, tão ouvida naqueles tempos, era usada sempre que alguém pisava na quadra de esportes da escola usando sapato de sola de couro. Quando isso ocorria logo se ouvia a voz grave do professor Barretto, que mais do que depressa dava o aviso para que o mesmo deixasse aquele local sagrado para ele e para os alunos.

Talvez aquela simples frase dita em alto e bom som não representasse para mim mais do que um aviso para alguém que estava infringindo uma das regras. Mas hoje me dou conta que aquilo significava muito mais que isso.

Durante os quatro anos de ginásio, antes de ir para o colegial, ouvi aquela e outras frases ditas por aquele professor que até hoje guardo na memória. E hoje, quatro décadas depois, sei o significado de tudo aquilo.

Mais que impor regras ou disciplinas aos alunos, professor Barretto deu aos seus milhares de alunos as noções básicas de boa conduta. Assim como no grupo escolar aprendi a ler e escrever, a fazer conta de mais, de menos, de vezes e dividir, com aquele professor aprendi a disciplina e a ordem.

Até hoje ecoam em meus ouvidos suas frases de efeito ou seus avisos. Até hoje me recordo de tudo aquilo e constato que nada é por acaso.

Hoje, quando vejo pessoas caminhando ou buscando a forma física nas academias logo nas primeiras horas da manhã, lembro que acordava ás cinco da madrugada para enfrentar um frio de rachar e frequentar as aulas de Educação Física.


Hoje dou valor a tudo isso e carrego comigo muito do que aprendi em suas aulas. Lembro dos testes de ginástica básica, do passeio campestre e de tantas coisas boas que marcaram minha passagem por aquela escola e que me trazem boas recordações. E, às vezes, me pego dizendo ‘sapato na quadra’ quando algum amigo, sem querer, infringe uma regra.

A quarta série ginasial

Faz tempo que isso não ocorre, mas um tempo atrás eu vivia sonhando que estava nas dependências da escola onde cursei o ginasial e também ...