Sou de um tempo em que eu nem imaginava que um dia iria recordar
aquele tempo e sofrer de saudade. Um tempo tão bom que hoje me sinto refém do
passado, pois é nele que busco a força para viver o presente e sedimentar o
caminho do futuro.
Se um dia Deus me desse permissão para
voltar no tempo, acredito que a opção seria uma viagem por tantos momentos que
marcaram minha passagem por esse mundo. Pediria a Ele a permissão para ser
criança novamente, mesmo que fosse para ser um menino magricela de orelhas
grandes outra vez, contanto que pudesse viver de novo a expectativa da espera
pelo Papai Noel.
Como dói no cerne de minha alma olhar para
a grande árvore de Natal de casa e lembrar a história de cada bola ou enfeite
ali pendurado, principalmente os mais antigos, que fizeram parte de minha
infância e que conservo até hoje. Olho para a espiga de milho, a violinha, o
balão, o moinho ou para o Papai Noel já desbotado e volto no tempo sem ter
vontade de retornar ao presente.
Corro os olhos pela bola verde, que
estampa uma margarida pintada pela Vera, minha irmã mais velha, e me lembro de
um certo galho de goiabeira, pintado com tinta purpurina e envolto em algodão,
que era a nossa árvore de Natal. Que tempo bom, repleto de boas recordações e
momentos inesquecíveis para esse coração apertado de saudade.
Por que será que a cada momento de
lembrança desse tempo o nó que se forma em minha garganta aperta e me dá a
sensação de estar usando uma gravata que me sufoca? Talvez seja por ter ciência
de que nunca mais terei tudo isso de volta, por mais que queira.
Sei que não posso voltar no tempo, mas
também sei que recordar tudo isso, apesar da dor que a lembrança causa, mostra
que minha estadia por aqui foi proveitosa e repleta de bons momentos. E isso já
é o suficiente para me encher de força para continuar em frente.
Sei que um dia, lá na frente, minha
pequena Mariane, que agora dorme a sono solto e nem ouve as músicas que ouço e
me transportam para a janela do meu quarto lá casa número 20 da Comendador João
Cintra, vai ler tudo isso e descobrir que seu velho pai era um menino magricela
de orelhas grandes, que adorava o Natal e Papai Noel, que era apreciador de boa
música e que um dia teria muito o que contar. Quem sabe, um dia, Deus me
conceda esse último pedido e, de mãos dadas com minha pequena companheira, eu
possa viajar no tempo e mostrar a ela tudo isso.
Quem sabe a gente se sente debaixo da
parreira de uva da casa de meus avós paternos, lá na João Pereira, e belisque
os cachinhos de uva sem que minha avó Leonor perceba e aproveite para ligar a
vitrola de minha tia Marly para ouvir Jhonny Rivers ou Chris Montez; ou na
janela do meu quarto para apreciar as boas e inesquecíveis músicas da Rádio
Mundial; ou ainda tenha um tempinho para contar as casinhas coloridas do
Cubatão, sentados na janela do banheiro. Ou então chorar, recordando tudo isso
nas histórias de minha vida que contarei, detalhe por detalhe, para que ela
possa entender tudo e querer, junto comigo, viajar no tempo.
Um comentário:
Como é gostoso ler o que vc escreve, vou aproveitar e colocar na minha rotina, uma leitura por dia!!!!
E as casinhas coloridas do Cubatão....
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