terça-feira, 28 de setembro de 2010

Minha tia de longe

Sou de um tempo em que viajar no tempo era coisa de seriado de TV. Hoje percebo o verdadeiro significado dessa expressão a cada vez que minha mente me remete a fatos e passagens de minha infância.

Quando eu ainda era um menino magricela de orelhas grandes o seriado Túnel do Tempo estava na moda. Apesar de não ter aparelho de TV em casa, eu sempre dava um jeitinho de assistir no sobrado dos Secchi Franco, local de encontro da criançada para a sessão de TV do início da noite.

Talvez por ainda ser criança e ter pouco ou quase nada para relembrar, não entendia como minha avó Carmela e minha mãe ficavam rememorando tantos fatos do passado. E a resenha era ainda maior quando minha tia Nira vinha da longínqua Álvares Machado para uma temporada em casa. Ávida por notícias de pessoas com as quais conviveu em sua juventude, minha tia, alegre e extrovertida, era uma companhia agradável e muito esperada por todos nós.

Como residia muito longe de Itapira, tia Nira visitava os familiares uma vez por ano, se muito. E o tempo que passava conosco era uma festa, com verdadeira peregrinação para rever familiares e conhecidos.

E foi em um desses passeios que ocorreu uma cena inusitada, que ficou gravada até hoje em minha memória. Tudo se passou em uma viagem de trem até Martim Francisco, última parada antes da pequena viagem de charrete até a Fazenda São Miguel, onde residia a família de minha tia Jacira.

A viagem era curta, mas havia a necessidade da troca de trem em Mogi Mirim. A famosa baldeação.

Era preciso descer de um trem e subir em outra composição. E, para tanto, havia a necessidade de atravessar por entre os trilhos.

Sempre bem arrumada, minha tia Nira acabou enroscando o salto do sapato no dormente dos trilhos e o tombo foi inevitável. Apesar do contratempo, seu bom humor falou mais alto e, sentada no meio da linha férrea, deu boas risadas da situação, até se levantar e prosseguir pelo trajeto até o trem que nos levaria até Martim.

Hoje, já com o baú de memórias abarrotado pelo tempo que passou, posso entender o valor de tudo o que temos de bom para relembrar. E é num simples fechar de olhos que viajo no tempo. Tão rápido quanto a passagem dos personagens daquele antigo seriado, que viajavam no túnel e caíam em um ponto do passado.


Mas, diferente das aventuras irreais vividas pelos personagens do seriado, minha viagem é recheada de lembranças. Lembranças como essa do tombo hilário de minha tia. Um fato simples, mas marcante, pois retrata um tempo feliz de minha infância.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Sebo nas canelas

Sou de um tempo em que se jogava futebol no meio da rua. Um tempo em que as noites eram calmas e demorava muito para que um carro passasse e atrapalhasse a brincadeira. O gol era feito com dois pedaços de tijolo e arrancar a champa do dedão do pé nos paralelepípedos da rua era algo comum.

A bola rolava todas as noites na rua de casa e o jogo parava pouco antes das dez. Afinal, antes da diversão vinha o respeito às pessoas e às ordens que nossos pais impunham como regras básicas para as brincadeiras.

Nos finais de semana o jogo era transferido para o campinho que ficava às margens do ribeirão da Penha, onde hoje passa a avenida dos Italianos, pertinho da ponte da rua Sílvio Galizoni, que faz a ligação com o Cubatão.

Era ali que o Paulistinha mandava seus jogos. Mas quando surgia um convite de algum time de fazenda ou sítio lá íamos nós para enfrentar o desafio.

Fazenda Jardim, Sítio Grande, Córrego do Cocho era adversários tradicionais e fregueses contumazes. Nosso time era redondinho e dificilmente era batido.

E a viagem até o local do jogo era feita em charretes. Cada uma levava três ou quatro integrantes do time e a romaria partia cedo pra dar tempo de chegar para o jogo.

Um belo domingo de sol fomos nós, já devidamente uniformizados, até os Limas, enfrentar o time local. O convite partiu de um dos moradores daquela localidade que, virava e mexia, estava na rua de casa.

Fomos muito bem recebidos, principalmente por ter entre nós o Hermenegildo Giovelli, amigo de escola daquele morador que havia convidado nosso time para o jogo. Quando a bola rolou a amabilidade acabou.

Jogo difícil, equilibrado e a gente, ainda garotos, enfrentando aqueles marmanjos acostumados com a vida da roça, calejados e de porte físico muito mais avantajado. Mas isso não intimidava nosso time, que tinha técnica e corria bastante. E essa facilidade para correr acabou nos salvando de apanhar daquele pessoal de pele curtida pelo sol e que ficava bravo de verdade quando perdia um jogo.

A história começou quando o jogo, já no segundo tempo, estava empatado em 3 a 3. Rápido e driblador, o Vanderlei Zalgelmi, nosso ponta-direita, levou meio time deles na corrida e quando entrou na área foi derrubado. Pênalti claro que podia nos dar a vitória.

Aí veio o aviso: “se vocês baterem o pênalti e marcarem o gol vão apanhar”. É claro que o medo bateu naqueles garotos, mas a vontade de vencer era mais forte.

Ficamos todos prontos pra correr, só esperando a bola passar pela linha do gol na cobrança do pênalti. Como era o que mais corria, o Vanderlei ficou encarregado de bater o pênalti.

O chute saiu forte, longe do alcance do goleiro. E, imediatamente, iniciamos nossa fuga até as carrocinhas ‘estacionadas’ bem atrás do gol.

Lembro bem da cena dantesca. A gente correndo e pulando nas charretes e aquele pessoal todo atrás de nós.

E, como se dizia antigamente, era sebo nas canelas. Claro que escapamos e ainda saímos de lá comemorando a vitória por 4 a 3 e, principalmente, o fato de ter ludibriado nossos algozes.


Esse tempo não volta mais, mas as lembranças de infância ainda estão bastante claras. Hoje já não é mais possível se jogar futebol no meio da rua, mas se fechar os olhos ainda posso ver aquele menino magricela de orelhas grandes correndo atrás da bola.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Dois frangos e um mico

Sou de um tempo em que frango de granja era novidade. As galinhas e os frangos caipiras predominavam na face da terra e os branquelos eram motivo de curiosidade.

No meu tempo de criança quase todo sábado era dia de pagar mico. Está certo que essa gíria ainda não existia, mas, com certeza, cairia como uma luva diante da situação que me era imposta.

Quando tinha meus 10 ou 11 anos meu pai era um dos sete sócios da Fábrica de Móveis Santa Terezinha. Situada no final da avenida Rio Branco, onde depois funcionou a Fábrica de Calçados Bellini, a empresa fabricava móveis de qualidade, que eram comercializados em lojas de móveis de toda a região, além do atendimento direto ao cliente.

E para fabricar os móveis era necessário serrar a madeira que vinha de Caçador, em Santa Catarina. O processo resultava também em um monte de cavaco, que virava piso de granja.

O destino desse cavaco era um granja de Serra Negra, que em troca oferecia aos proprietários alguns galináceos. O presente era dividido de forma justa e cada um dos sócios da fábrica levava dois frangos para casa. Quer dizer, levavam coisa nenhuma, pois essa tarefa cabia a nós, filhos, que tínhamos que buscar os bichinhos e fazer o trajeto de volta com eles a tiracolo até chegar em casa.

Atravessar a Rio Branco inteira com aqueles dois bípedes, um em cada mão, era uma tarefa árdua. Talvez, por saberem que o destino deles seria uma panela, ficavam irriquietos e tentando a todo custo subir pelos braços daquele menino magricela de orelhas grandes, ávido por chegar em casa e se livrar daquele mico.


Está certo que depois de virarem um belo e suculento complemento para a polenta que minha mãe fazia os bichinhos até que se tornavam simpáticos, mas a viagem de pouco mais de um quilômetro com eles a bordo era terrível. Sorte mesmo tinham o Tatão e o Tatinha, filhos do Tila Avancini, que por serem dois podiam dividir a tarefa e o mico.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

O trem das seis

Sou de um tempo em que o trem era um dos principais meios de transporte do país. Um tempo em que nossos políticos ainda não tinham tido a infelicidade de extinguir esse meio de locomoção de cargas e pessoas.

E, naquele tempo, andar de trem era uma das mais fantásticas aventuras que havia. Demorava pra chegar? Sim, mas valia a pena e, quem não teve a oportunidade de viajar de trem não sabe o que perdeu.

Quando eu tinha meus seis anos de idade e era um menino magricela de orelhas grandes, passear na fazenda São Miguel, em Martim Francisco, era algo que me fazia feliz. Minha tia Jacira, irmã de minha mãe, residia naquela propriedade, que era administrada por meu tio Osório.

Bem cuidada, a fazenda, de propriedade dos Cavenaghi, tinha um pomar defronte a casa em que meus parentes residiam que era algo de dar inveja a qualquer produtor. Ali eram encontradas as mais variadas frutas, desde a simples laranja até a castanha portuguesa, aquela que se cozinha antes de comer.

Lembro bem de como era gostoso acordar cedinho no sábado e descer a rua José Bonifácio até a esquina da Alfredo Pujol e depois subir até a estação da Mogiana. O trem saía às seis da manhã com destino a Mogi Mirim, onde era feita a baldeação até Martim Francisco. Dali até a fazenda o trajeto era feito na charrete em que meu primo Beto ia nos buscar.

Lembro de tudo isso com aquela saudade que aperta o peito, dá um nó na garganta e nos deixa triste e feliz ao mesmo tempo. Triste por não ter mais como voltar no tempo e reviver tudo aquilo. Feliz por ter vivido aqueles momentos prazerosos.


Lembro também de como minha avó materna descia a José Bonifácio em desabalada carreira com medo de perder o trem. Até aí tudo bem, não fosse o fato do trem sair as seis da estação e minha avó iniciar o trajeto quando o velho relógio de parede de casa ainda não ter dado as cinco badaladas.

A quarta série ginasial

Faz tempo que isso não ocorre, mas um tempo atrás eu vivia sonhando que estava nas dependências da escola onde cursei o ginasial e também ...