segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Rojões não combinam com o Natal

Sou de um tempo em que Natal se comemorava em família, dentro de casa, com a ceia e o almoço entre familiares. Um tempo que ficou bem lá trás, esquecido no tempo.

Lembro bem que a noite de Natal era dedicada à Missa do Galo e à ceia com a família reunida. Minha mãe preparava a leitoa, o frango assado, a maionese, a farofa, o arroz, o virado de feijão e a sobremesa. As castanhas-do-pará, nozes, castanhas portuguesas, avelãs e as frutas ficavam por conta do meu pai.

Tenho gravadas na memória as noites natalinas de minha infância. Geralmente a hora de dormir era bem antes da meia-noite. O silêncio imperava nas ruas, não se ouvia carros buzinando, gente berrando ou rojões, como nos dias de hoje.

A noite de Natal era dedicada à confraternização e ao encontro com familiares que vinham de longe. Não havia essa loucura dos dias de hoje, quando não se tem paz nem mesmo para uma simples troca de presentes, tal o barulho dos fogos e das buzinas.

Talvez os tempos tenham mudado ou eu esteja ficando velho, mas a verdade é que rojões, gritaria e buzinas não combinam com a celebração do nascimento de Jesus. Esse tipo de algazarra, típico da juventude atual, está mais para o Ano Novo, que para mim não tem significado algum, a não ser o fim de um ano e o começo de outro.

Sei que minhas lembranças de um tempo que não volta mais são apenas lembranças, mas como seria bom se o tempo parasse e o relógio retrocedesse para tudo aquilo voltar. Seria bom ver tantas pessoas que já se foram, sentir novamente a ansiedade pela espera para abrir o presente de Natal, acreditar em Papai Noel e olhar no espelho e ver um menino magricela de orelhas grandes.

Mas, como não sou senhor do tempo, é preciso viver o tempo de hoje e me contentar com o que tenho, que não é pouco. Na noite de Natal, deitado em minha cama, tive o prazer de acariciar a cabeça de minha pequena Mariane para protegê-la do barulho dos fogos.


Sentir que aquela pequena criatura confiava no pai para não ter medo do barulho foi o maior presente de Natal que eu poderia ter. Muito mais do que qualquer presente material de grande valor. Ouvi-la perguntar se o barulho já ia acabar preencheu o vazio que meu coração sentia pela falta de meus pais e das noites de Natal de antigamente.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Água e capim

Sou de um tempo em que o respeito aos pais era o ponto de partida para a educação dos filhos. Um tempo em que pai e mãe eram figuras imponentes no seio de uma família. Cada um com seu valor dentro da criação dos filhos, mas com o mesmo peso no momento das decisões.

Lembro bem de minha infância e da participação que cada um teve para minha formação. Aquele era um tempo em que, geralmente, só o homem trabalhava, enquanto que para a esposa sobravam os deveres de casa e a criação dos filhos.

Minha mãe tinha seus métodos eficazes para resolver as situações que surgiam, deixando meu pai em paz para que pudesse desenvolver suas atividades como marceneiro. Se algum problema mais grave ficasse pendente, somente após o jantar é que o mesmo seria levado ao seu conhecimento.

Sua forma de agir e pensar sempre colocou em evidência sua inteligência e perspicácia para resolver algum problema ou influenciar nas decisões dentro de casa. Como ela mesma dizia, era preciso usar a cabeça e a psicologia para resolver as mais diversas situações.

Naquele tempo a última palavra era do homem da casa, mas minha mãe sempre conseguia, com sua psicologia, influenciar nas decisões e mudar o rumo das coisas.
Lembro bem como ela foi decisiva para que minha irmã mais velha continuasse seus estudos após o quarto ano primário, ao invés de entrar para um curso de corte e costura, como era desejo de meu pai.

Em minha memória guardo inúmeras passagens de minha infância, dos tempos em que eu era um menino magricela de orelhas grandes. E a presença de minha mãe nessas recordações é forte e reflete sua importância em minha existência. Uma dessas passagens, embora de consequência não muito agradável para mim, ficou gravada em minha memória pela forma como ocorreu.

Lembro bem que, por algum motivo, depois de ter torrado bastante a paciência de minha mãe, ouvi dela que se não sossegasse iria levar um pescoção. Sem saber o que era aquilo, disse a ela que queria saber o significado daquela palavra.

Depois de tanta insistência de minha parte minha mãe me pegou pelo cangote e me aplicou o tal pescoção. Com o joelho ralado, levantei do chão e imediatamente recebi um abraço de minha mãe e começamos a rir da situação.

Daquele dia em diante nunca mais ousei duvidar das coisas que ela dizia, procurando sempre ficar atento ao seu método eficaz de resolver cada problema. Ainda hoje, depois de ter dobrado a curva dos cinqüenta, sempre recordo de como ela agia nas mais diversas situações.

Lembro bem também de como minha mãe cuidava para que minha crença em Papai Noel se mantivesse viva. No dia 24, apesar das tarefas finais na cozinha, ela sempre encontrava um tempinho para cortar o capim que eu colocaria ao lado dos meus sapatos, junto com a vasilha com água.

Segundo ela, se o Papai Noel chegasse em casa e o capim e a vasilha com água não estivessem ao lado dos meus sapatos, seus burrinhos não poderiam se alimentar e matar a sede antes do velhinho seguir sua viagem. Claro que, quando eu acordava e corria para abrir o presente, a água e o capim já haviam sumido, aumentando ainda mais minha crença na existência daquele velhinho de barbas brancas e roupa vermelha.


Talvez seja por isso que até hoje eu goste tanto do Natal e guarde na memória tantas boas recordações. E, claro, já esteja com a vasilha pronta para colocar a água e o capim preparado para que minha pequena Mariane coloque perto de seus sapatinhos, ao pé da árvore de Natal, ávida para abrir seus presentes de Natal.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Meu pai

Sou de um tempo em que tudo caminhava de forma mais branda. Um tempo em que não havia essa loucura de hoje.

Um tempo em que se podia andar pelas ruas sem medo de ser atropelado ou assaltado. Tempo em que as pessoas se conheciam mais, valorizavam mais cada minuto vivido.

Lembro bem das noites de dezembro, das lojas com as portas abertas, expondo as novidades de final de ano. Os pais à procura do presente para os filhos. Os filhos, ávidos pela chegada do Natal e do presente tão aguardado.

Meu tempo de criança não foi diferente. Com a chegada do mês de dezembro tudo mudava, parecia que o tempo teimava em caminhar ainda mais devagar. A espera se tornava mais angustiante, mas ao mesmo tempo podia se viver aqueles momentos de forma intensa.

Lembro do meu último presente de criança. Meu pai, que nunca deixou de nos dar um presente no Natal, fazia mistério o tempo todo, não deixava que a gente visse o que era, apenas dizia que era um presente só para os três filhos, aumentando ainda mais a nossa ansiedade e, claro, a curiosidade.

Sempre que a gente perguntava sobre o dito cujo, meu pai, sempre sorridente, nos enchia de curiosidade e ficava feliz como se ele fosse a criança a espera do presente de Natal.
E era com esse espírito de criança que meu pai guardava a surpresa a sete chaves.

Quando tirava da caixa fazia questão de trancar a porta do quarto e somente minha mãe tinha acesso. O máximo que eu minhas irmãs conseguíamos era ouvir o barulho que o misterioso brinquedo fazia.

Com a chegada do dia de Natal a ansiedade tomou conta daquele menino magricela de orelhas grandes. A noite custou a passar e quando o dia amanheceu pudemos finalmente ver o que tinha naquela caixa enorme.

Meu pai, com sua bondade e o coração do tamanho do mundo, havia comprado um jogo eletrônico de futebol, algo raro naqueles tempos, na Casa dos Presentes, e nossa alegria era tanta que dava pra ver seus olhos brilhando de satisfação com a felicidade dos filhos.

Lembro dessa época como forma de reverenciar a figura de meu pai, que apesar das dificuldades que aquela época impunha, nunca nos deixou sem um presente de Natal, sem os chocolates, as castanhas e, principalmente, sem a alegria de se viver em uma família feliz. Um pai que sempre foi um exemplo, rígido, austero, mas que nunca deixou de cuidar de sua família e de todos que o cercavam.

Um pai que Deus levou para junto de si, mas que nos deixou um legado de ensinamentos e um mundo de boas recordações. Recordações que o tempo não apaga e que para sempre estarão presentes em nossas vidas, principalmente nessa época em que ficamos mais sensíveis às emoções.

E, quando se escreve com o coração, as palavras fluem em nossa mente e escorregam para os dedos banhadas pelas lágrimas de saudade que escorrem dos olhos e teimam em turvar a visão. Por isso, a cada lembrança, volto no tempo e revivo cada momento como forma de alegrar meu coração.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Tenho saudade

Sou de um tempo em que tudo era mais difícil. Um tempo em que, por ser mais difícil, tudo era mais saboroso.

Ao contrário dos dias atuais, naqueles tempos eram poucas as opções em qualquer das situações. Além da pouca variedade, não havia tanta facilidade para se adquirir algo.

Lembro bem de como era gostoso poder saborear um refrigerante ou um chocolate. Apesar das dificuldades que a vida impunha, meus pais nunca deixaram de comprar aquilo que tínhamos vontade.

Apesar das facilidades de hoje tenho saudade daqueles tempos. Tenho saudade de sentir o sabor do guaraná da Itamira, que eu tomava pelo furo na tampo feito por um prego só para que ele durasse mais, ou dos chocolates Sonksen que meus pais compravam no final de ano no Buraco da Onça.

Tenho saudade das noites em saímos para passear e da felicidade que tomava conta de nós quando parávamos na doceria das irmãs Dini, que depois passou a ser Brasília Bar. Posso ver aqueles doces e sentir o sabor de cada um.

Tenho saudade de ir ao Itapira Bar com meu pai após a missa de domingo pela manhã e saborear uma Crush. Ou de ir à praça Bernardino de Campos nas noites de domingo e ver tanta gente sentada nos bancos ou simplesmente passeando.

Tenho saudade de ir à praça ver a fonte luminosa. Saudade de ouvir a banda Lira, naquela época apelidada carinhosamente de Furiosa.

Tenho saudade dos doces de batata-doce que minha mãe fazia e colocava ao sol em uma assadeira para secarem em cima do telhado do rancho de casa. Saudade de subir nesse mesmo telhado e comer esses doces antes mesmo que eles secassem, deixando apenas marcas na assadeira.

Tenho saudade de descer ao quintal de casa para subir na goiabeira. Saudade de ouvir o canto dos canários que minha mãe fazia gosto de ter em casa.

Tenho saudade de atravessar a coloninha e comprar biscoitos e sequilhos no Tico Donatti. Saudade de descer a ladeira São João e ver a represa do ribeirão da Penha e sua água limpa.

Tenho saudade dos meus tempos de infância, quando eu era um menino magricela de orelhas grandes que atravessava o parque Juca Mulato para ir à casa de meus avós paternos na rua João Pereira. Saudade da parreira de uva, do pé de limão galego e do rancho daquela casa que já não existe mais, mas que continua firme e forte em minhas lembranças.

Tenho saudade de chegar à casa de meus avós e ver o presépio enorme que minha avó Leonor montava no chão da sala, ao pé da árvore de Natal enfeitada com bolas enormes. Saudade de sentir o aroma dos assados preparados para o Natal ou Ano Novo, do corre-corre com os preparativos para o almoço natalino.

Tenho saudade de ver a mesa grande repleta de gente, das músicas natalinas e do valor que tudo isso tinha pra todos. Saudade de ser criança e não ter tanto ainda para recordar e sofrer com a falta que tudo isso faz.

Tenho saudade desse tempo que não volta mais. Tempo em que tudo era mais difícil, mas ao mesmo tempo muito melhor e mais valorizado.


Como dói ter tanto para recordar. Mas como é bom ter vivido tudo isso e sentir saudade desse tempo que não volta mais.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A menina magricela de orelhas quase grandes

Sou de um tempo em que se dizia ‘cara de um, focinho do outro’ quando duas pessoas se pareciam. Um tempo em que as pessoas se davam mais, se conheciam mais e se valorizavam mais.

Um tempo bem diferente dos dias atuais, mas que me faz lembrar, mesmo que por alguns instantes, meus tempos de infância. Instantes que me fazem retroceder no tempo e ser novamente um menino magricela de orelhas grandes.

Volto no tempo a cada momento que sento para brincar com minha pequena Mariane. A cada gesto dela me é possível fazer uma analogia entre nós. Não que eu tenha pretensão de afirmar que era tão bonito quando criança ou mesmo que ela tenha orelhas grandes como as minhas, mas as semelhanças são muitas entre as duas figuras.

Seu corpinho miúdo, o rostinho afilado e as orelhas destacadas fazem dela um retrato fiel daquele menino canhoto e miudinho. E essa semelhança enche meu coração de alegria e orgulho, principalmente quando a ouço dizer que sou seu ‘amigãozão’ e ela é minha companheirinha.

Olho para ela, com seu jeitinho meigo de cantar ou desenhar e imediatamente retrocedo no tempo. Vejo aqueles olhinhos brilhantes e atentos a tudo e lembro do meu interesse por tudo que era diferente.

E essa relação, que se estreita a cada minuto que passamos sentados frente a frente com as pernas cruzadas, desenhando, cantando ou, como ela mesma diz, conversando, me faz entender o quanto é bom ser pai.

E, mais do que isso, vivenciar tudo isso em sua plenitude. Poder participar de seu desenvolvimento


E é essa criaturinha magricela de orelhas quase grandes que me renova e revigora minhas forças a cada dia. É dela que saem os fluidos que movem meu corpo e minha mente.

A quarta série ginasial

Faz tempo que isso não ocorre, mas um tempo atrás eu vivia sonhando que estava nas dependências da escola onde cursei o ginasial e também ...