Sou de um tempo em que as crianças ainda obedeciam aos mais
velhos. Um tempo em que aquilo que os pais diziam era lei. E ai de quem
desobedecesse.
Lembro bem daquele tempo, embora eu ainda
fosse um menino magricela de orelhas grandes. Nós, crianças da casa, tínhamos
sempre que seguir aquilo que nos era determinado, principalmente quando havia
visita em casa.
Como morávamos com minha avó Carmela, mãe
de minha mãe, era comum tios e tias estarem sempre em casa. Era um tempo em
que, embora as dificuldades impostas pela precariedade nos meios de locomoção,
sempre se dava um jeito de um visitar o outro.
Da família de minha mãe, além de nós,
apenas meu tio Nine morava em Itapira. Os demais residiam em outras
localidades, uns mais longe, outros em cidades vizinhas, mas era comum, por
exemplo, minha tia Hilda, irmã mais nova de minha mãe, que naquela época residia
na vila da Rhodia, aparecer em casa com tio Valdemar e os filhos Diná, Jorge,
Márcia, Célia e Neto.
Minha tia Jacira morava mais perto, na
fazenda São Miguel, no distrito de Martim Francisco, em Mogi Mirim, e sempre
aparecia. Os demais já não eram visitas tão freqüentes. Tia Nira morava na
distante Álvares Machado, na Alta Sorocabana, e levava meses para nos visitar.
Tio Nico vinha às vezes de Casa Branca e
tia Chiquita, a mais velha, raramente aparecia, embora morasse em Campinas.
Além de todo esse pessoal ainda tinha os
irmãos de minha avó, que de vez em sempre estavam em casa. E é um deles que
protagonizaria essa história.
Quem olha lá no alto e lê o título deste
artigo pode pensar, pela minha proximidade com o esporte e pelos anos de
atuação no jornalismo esportivo, que se trata de um Mundial que deixei de ver,
mas a realidade é bem diferente. Lembro bem que minha mãe e minha avó haviam
comprado carne de porco para transformá-la em copa, aquilo embutido que parece
muito com salame, mas é mais forte e mais carregado na gordura.
Eu e minha irmã Vera, ávidos por
experimentar aquela iguaria, passávamos o dia todo debaixo das peças que haviam
sido penduradas no teto do porão para chegarem ao ponto de serem consumidas.
Foram dias e dias de vigília, contando os minutos para que o dia finalmente
chegasse.
E depois de tanta espera, finalmente,
minha mãe anunciou que aquele era o dia de fatiar a copa e devorar aquela
iguaria. Esperamos o dia todo pela hora do jantar para que fosse dado o pontapé
inicial, mas, para nosso desespero surgiu um visitante de última hora e
passamos a temer pelo adiamento.
Um dos irmãos de minha avó, o José Galli,
genitor da Cida Galli, prima muito querida, apareceu de última hora e tudo
indicava que nossos planos iriam por água abaixo e teríamos que esperar mais um
dia pela hora de saborear a tal copa.
E não é que, para nosso desespero, minha
avó e meu tio, como bons italianos, sentaram à mesa para conversar bem debaixo
das peças mais cobiçadas da casa. Daí para iniciarem a comilança e devorarem
tudo foi uma fração de segundo.
E, como naquele tempo criança não
participava das conversas e muito menos das decisões, nos restou engolir em
seco a vontade e esperar pela nova remessa de copa. Além de torcer para que
outro visitante não aparecesse no momento exato para estragar nossa festa.
Claro que não demorou muito para que
pudéssemos matar nossa vontade de experimentar a iguaria mas, aquela copa posso
dizer que não vi. Ficou apenas registrada na memória, assim como tantos outros
momentos de minha infância feliz.
2 comentários:
Muito legal...que diferença da nossa infância com a de hj! O respeito aos mais velhos, à tradição!! Vemos com tristeza o descaso com que nossos idosos são tratados até por familiares. Éramos
felizes e não sabíamos!!!
Abraço
Com certeza, apenas hoje damos valor a tudo aquilo. Obrigado
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