sexta-feira, 18 de março de 2011

A copa que não vi

Sou de um tempo em que as crianças ainda obedeciam aos mais velhos. Um tempo em que aquilo que os pais diziam era lei. E ai de quem desobedecesse.

Lembro bem daquele tempo, embora eu ainda fosse um menino magricela de orelhas grandes. Nós, crianças da casa, tínhamos sempre que seguir aquilo que nos era determinado, principalmente quando havia visita em casa.

Como morávamos com minha avó Carmela, mãe de minha mãe, era comum tios e tias estarem sempre em casa. Era um tempo em que, embora as dificuldades impostas pela precariedade nos meios de locomoção, sempre se dava um jeito de um visitar o outro.

Da família de minha mãe, além de nós, apenas meu tio Nine morava em Itapira. Os demais residiam em outras localidades, uns mais longe, outros em cidades vizinhas, mas era comum, por exemplo, minha tia Hilda, irmã mais nova de minha mãe, que naquela época residia na vila da Rhodia, aparecer em casa com tio Valdemar e os filhos Diná, Jorge, Márcia, Célia e Neto.

Minha tia Jacira morava mais perto, na fazenda São Miguel, no distrito de Martim Francisco, em Mogi Mirim, e sempre aparecia. Os demais já não eram visitas tão freqüentes. Tia Nira morava na distante Álvares Machado, na Alta Sorocabana, e levava meses para nos visitar.

Tio Nico vinha às vezes de Casa Branca e tia Chiquita, a mais velha, raramente aparecia, embora morasse em Campinas.

Além de todo esse pessoal ainda tinha os irmãos de minha avó, que de vez em sempre estavam em casa. E é um deles que protagonizaria essa história.

Quem olha lá no alto e lê o título deste artigo pode pensar, pela minha proximidade com o esporte e pelos anos de atuação no jornalismo esportivo, que se trata de um Mundial que deixei de ver, mas a realidade é bem diferente. Lembro bem que minha mãe e minha avó haviam comprado carne de porco para transformá-la em copa, aquilo embutido que parece muito com salame, mas é mais forte e mais carregado na gordura.

Eu e minha irmã Vera, ávidos por experimentar aquela iguaria, passávamos o dia todo debaixo das peças que haviam sido penduradas no teto do porão para chegarem ao ponto de serem consumidas. Foram dias e dias de vigília, contando os minutos para que o dia finalmente chegasse.

E depois de tanta espera, finalmente, minha mãe anunciou que aquele era o dia de fatiar a copa e devorar aquela iguaria. Esperamos o dia todo pela hora do jantar para que fosse dado o pontapé inicial, mas, para nosso desespero surgiu um visitante de última hora e passamos a temer pelo adiamento.

Um dos irmãos de minha avó, o José Galli, genitor da Cida Galli, prima muito querida, apareceu de última hora e tudo indicava que nossos planos iriam por água abaixo e teríamos que esperar mais um dia pela hora de saborear a tal copa.

E não é que, para nosso desespero, minha avó e meu tio, como bons italianos, sentaram à mesa para conversar bem debaixo das peças mais cobiçadas da casa. Daí para iniciarem a comilança e devorarem tudo foi uma fração de segundo.

E, como naquele tempo criança não participava das conversas e muito menos das decisões, nos restou engolir em seco a vontade e esperar pela nova remessa de copa. Além de torcer para que outro visitante não aparecesse no momento exato para estragar nossa festa.


Claro que não demorou muito para que pudéssemos matar nossa vontade de experimentar a iguaria mas, aquela copa posso dizer que não vi. Ficou apenas registrada na memória, assim como tantos outros momentos de minha infância feliz.

2 comentários:

Ana Maria disse...

Muito legal...que diferença da nossa infância com a de hj! O respeito aos mais velhos, à tradição!! Vemos com tristeza o descaso com que nossos idosos são tratados até por familiares. Éramos
felizes e não sabíamos!!!
Abraço

Humberto Butti disse...

Com certeza, apenas hoje damos valor a tudo aquilo. Obrigado

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