quinta-feira, 31 de março de 2011

Se eu pudesse voltar no tempo

Sou de um tempo em que o próprio tempo custava a passar. Um tempo diferente de tudo que se vê hoje em dia.

Se eu pudesse voltar no tempo, com certeza, escolheria momentos inesquecíveis de minha passagem por esse mundo. Faria um tour por minha infância e adolescência para reviver um tempo feliz.

Experimentaria, logo de saída, beber um guaraná Itamira, sem esquecer de fazer um furo na tampa com um prego, ao invés de abrir a garrafa. Não poderia deixar de lado também os deliciosos quindins da Padaria Modelo, que ficava onde hoje está o banco Santander.

Deixaria um espaço também para os pães d’água da Padaria do Samora, entregues em casa pelo Irineu Samora e sua inseparável Kombi. E as roscas e sequilhos do Tico Donatti.

Aos domingos iria com meu pai até a casa dos meus avós paternos, sempre subindo o escadão da Ladeira São João, passando pela avenida dos Biris. E à tarde iria com ele ao velho Chico Vieira, ali no Parque Juca Mulato, ver um jogo do futebol amador e saborear um guaraná da Brahma.

Se não fosse, ficaria em casa e ouviria o jogo pela Rádio Clube. Até parece que ouço, pelo rádio, a voz grave do narrador Geraldo Marconi: “Boooola nas mãos do goleiro Orlandinho Boretti, que levaaaanta para o ataque....”. Ah, que saudade desse tempo.

Como era bom esse tempo. Um tempo em que as pessoas podiam andar tranquilamente pelas ruas, sem medo de assaltos.

Um tempo em que tudo era diferente, mais gostoso. Um tempo em que eu era um menino magricela de orelhas grandes.

Às vezes, paro no tempo e me pego pensando se não estou no tempo errado. Aí, caio na real e vejo que minha realidade é bem outra, diferente daquela que gostaria de ter.

Como seria bom poder voltar no tempo e reviver tudo aquilo que ficou para trás. Ler um gibi com estórias de Walt Disney, ver as notícias do Palmeiras no exemplar da Gazeta Esportiva do Carlos Venturini, assistir na TV do vizinho um episódio do Nacional Kid ou simplesmente brincar na rua com os amigos de infância.

Ou, quem sabe, sentar à mesa de casa para o jantar e ter ao meu lado meus pais e minhas irmãs. Almoçar aos domingos na casa de meus avós, cercado de tantas pessoas queridas, que já não estão mais nesse mundo.


Mas, infelizmente, os tempos são outros. Tudo isso ficou no passado, mas bem guardado em meu baú de memórias. Me resta fechar os olhos, remexer em minhas recordações e trazer de volta esse tempo feliz e tudo aquilo que tive em minha infância.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Branca de Neve

Sou de um tempo em que estórias infantis eram contadas por nossas mães. Um tempo em que não se tinha os recursos de hoje, como TV, DVD ou computador e a mãe usava a imaginação para passar ao filho todos os detalhes de cada fábula.

Lembro bem desse tempo. Das riquezas de detalhes que as estórias que minha mãe contava continham.

Hoje, com todos os recursos tecnológicos possíveis, a tarefa ficou mais fácil. Basta ligar a TV e o aparelho de DVD e a estória está ali, pronta para ser vista e ouvida.

Uma de minhas estórias prediletas sempre foi Branca de Neve e os Sete Anões. Talvez pela forma que minha mãe contava, com riqueza de detalhes.

Lembro que ela sempre frisava que a casa dos anõezinhos tinha sete cadeirinhas e sete caminhas. E na mesa eram sete pratinhos, com sete garfinhos e sete copinhos.

Era fechar os olhos e imaginar tudo aquilo. Sua forma de contar ainda hoje permanece em minha memória e me inspira na hora de contar as estórias para minha filha.

E, por coincidência ou não, minha pequena Mariane também tem predileção pela Branca de Neve e os Sete Anões. Até mesmo seu fascínio pelo inocente Dunga - não aquele da Copa do Mundo – repete meus passos na infância. Isso me faz voltar aos meus tempos de infância, quando eu ainda era um menino magricela de orelhas grandes.

Naquele tempo, sem os recursos de hoje, minha imaginação viajava enquanto minha mãe contava a estória com todos os detalhes. E como era bom ouvir aquilo, poder criar em minha mente as formas descritas por ela para cada personagem.

Mais tarde, quando o extinto Cine Paratodos, um dos cinemas da cidade daquela época, exibiu a fábula adaptada pelos Irmãos Grimm e incrementada pelos estúdios do fabuloso Walt Disney, pude ver como minha mãe realmente tinha um dom especial para detalhar as fábulas.
Olhando naquela telona e visualizando os personagens era como se estivesse ouvindo minha mãe ao fundo, contando o desenrolar da estória da bela moça acolhida pelos pequeninos.

Curiosamente, ainda hoje, quando vejo e revejo o filme ao lado de minha filha, é como se estivesse ouvindo a descrição de minha mãe. Parece que ela está ali, ao nosso lado, nos contando a fábula mais famosa do mundo.

E como é bom ouvir minha pequenina imitando os personagens, repetir a fala da bruxa, quando ela diz que Branca de Neve será sepultada viva, ou cantar a canção dos anões retornando para casa. Sua cabecinha recheada de imaginação até criou uma versão especial para quando estamos indo para a escola.

São momentos que me fazem voltar aos meus tempos de criança. Tempos que ficaram perdidos no passado, mas que retornam de forma veloz a cada fagulha de lembrança que as eternas fábulas provocam.


Viajo no tempo e me vejo no colo de minha mãe, ouvindo atentamente cada detalhe narrado por ela. O tempo é implacável em muitos sentidos, mas não consegue apagar as boas lembranças que guardamos de tempos felizes.

sexta-feira, 18 de março de 2011

A copa que não vi

Sou de um tempo em que as crianças ainda obedeciam aos mais velhos. Um tempo em que aquilo que os pais diziam era lei. E ai de quem desobedecesse.

Lembro bem daquele tempo, embora eu ainda fosse um menino magricela de orelhas grandes. Nós, crianças da casa, tínhamos sempre que seguir aquilo que nos era determinado, principalmente quando havia visita em casa.

Como morávamos com minha avó Carmela, mãe de minha mãe, era comum tios e tias estarem sempre em casa. Era um tempo em que, embora as dificuldades impostas pela precariedade nos meios de locomoção, sempre se dava um jeito de um visitar o outro.

Da família de minha mãe, além de nós, apenas meu tio Nine morava em Itapira. Os demais residiam em outras localidades, uns mais longe, outros em cidades vizinhas, mas era comum, por exemplo, minha tia Hilda, irmã mais nova de minha mãe, que naquela época residia na vila da Rhodia, aparecer em casa com tio Valdemar e os filhos Diná, Jorge, Márcia, Célia e Neto.

Minha tia Jacira morava mais perto, na fazenda São Miguel, no distrito de Martim Francisco, em Mogi Mirim, e sempre aparecia. Os demais já não eram visitas tão freqüentes. Tia Nira morava na distante Álvares Machado, na Alta Sorocabana, e levava meses para nos visitar.

Tio Nico vinha às vezes de Casa Branca e tia Chiquita, a mais velha, raramente aparecia, embora morasse em Campinas.

Além de todo esse pessoal ainda tinha os irmãos de minha avó, que de vez em sempre estavam em casa. E é um deles que protagonizaria essa história.

Quem olha lá no alto e lê o título deste artigo pode pensar, pela minha proximidade com o esporte e pelos anos de atuação no jornalismo esportivo, que se trata de um Mundial que deixei de ver, mas a realidade é bem diferente. Lembro bem que minha mãe e minha avó haviam comprado carne de porco para transformá-la em copa, aquilo embutido que parece muito com salame, mas é mais forte e mais carregado na gordura.

Eu e minha irmã Vera, ávidos por experimentar aquela iguaria, passávamos o dia todo debaixo das peças que haviam sido penduradas no teto do porão para chegarem ao ponto de serem consumidas. Foram dias e dias de vigília, contando os minutos para que o dia finalmente chegasse.

E depois de tanta espera, finalmente, minha mãe anunciou que aquele era o dia de fatiar a copa e devorar aquela iguaria. Esperamos o dia todo pela hora do jantar para que fosse dado o pontapé inicial, mas, para nosso desespero surgiu um visitante de última hora e passamos a temer pelo adiamento.

Um dos irmãos de minha avó, o José Galli, genitor da Cida Galli, prima muito querida, apareceu de última hora e tudo indicava que nossos planos iriam por água abaixo e teríamos que esperar mais um dia pela hora de saborear a tal copa.

E não é que, para nosso desespero, minha avó e meu tio, como bons italianos, sentaram à mesa para conversar bem debaixo das peças mais cobiçadas da casa. Daí para iniciarem a comilança e devorarem tudo foi uma fração de segundo.

E, como naquele tempo criança não participava das conversas e muito menos das decisões, nos restou engolir em seco a vontade e esperar pela nova remessa de copa. Além de torcer para que outro visitante não aparecesse no momento exato para estragar nossa festa.


Claro que não demorou muito para que pudéssemos matar nossa vontade de experimentar a iguaria mas, aquela copa posso dizer que não vi. Ficou apenas registrada na memória, assim como tantos outros momentos de minha infância feliz.

terça-feira, 1 de março de 2011

A Rádio Nacional

Sou de um tempo em que novela se ouvia no rádio. Um tempo em que o rádio tinha válvulas que iluminavam o aparelho por dentro.

Lembro bem que minha mãe era fã de carteirinha das rádionovelas. E era através da rádio Nacional do Rio de Janeiro, que ela sintonizava pelas Ondas Curtas, que acompanhava os capítulos todas as tardes, de segunda a sexta.

Naquele tempo o rádio era o companheiro inseparável e as emissoras produziam programas de qualidade, muitos deles em auditórios. Cantoras e cantores que faziam sucesso eram figurinhas carimbadas nesses programas.

E era em um desses programas de auditório que minha mãe acompanhava as atrações apresentadas por César de Alencar. Comunicativo, como todo bom carioca, o animador tinha uma audiência enorme em todo o país e minha casa se incluía nesse contexto.

Pela forma como gostava de ouvir os programas do animador, minha mãe acalentava o sonho de um dia estar naquele auditório no Rio de Janeiro, mesmo sabendo que aquilo era algo difícil de acontecer, quase impossível. Mas, quis o destino que meu pai resolvesse comprar quatro passagens para uma dessas excursões ao Rio de Janeiro. Corria o ano de 64 e eu, um menino magricela de orelhas grandes, iria, pela primeira vez, pisar naquele paraíso chamado Rio de Janeiro.

Lembro que a excursão foi organizada pelo Laércio Mazon, hoje um dos nomes fortes da Viação Santa Cruz, e que ficamos em um simpático hotel, cujo nome se não me falha a memória era Flórida, na rua do Catete, no Flamengo. Feliz com a oportunidade, minha mãe não perdeu tempo e no primeiro dia na Cidade Maravilhosa fez o pedido e meu pai, de pronto, atendeu,

E lá fomos nós, meu pai, minha mãe, minha irmã Vera e eu para o programa de auditório do César de Alencar, na rádio Nacional – a Cláudia nasceu só no ano seguinte e perdeu a oportunidade. Se não me falha a memória o auditório ficava no 21º andar em um prédio na praça Mauá. Dotado de um palco com duas cabines laterais, por onde os cantores entravam em cena, o auditório era imponente com suas poltronas vermelhas.

Não me lembro das atrações que vimos, mas só de estar ali, naquele lugar mágico, presenciando de perto o que só podíamos ouvir através do rádio era algo fantástico. E, além disso, ver a alegria de minha mãe, extasiada por ver de perto seus ídolos, já valia a pena.

O programa durou cerca de duas horas que valeram por uma vida toda. Mal sabia eu, um garotinho apenas, que um dia também me tornaria um radialista. Mas, talvez, tivesse sido ali, com apenas sete anos, que minha paixão pelo rádio tenha se manifestado pela primeira vez.

Claro que visitamos outros lugares tradicionais do Rio, com o Corcovado, o Pão de Açúcar, as praias de Copacabana e Ipanema, mas o que guardo em meu baú de memórias é aquele programa de auditório da rádio Nacional. Agora, muitos anos depois, ainda me lembro com saudade daquele dia glorioso para minha mãe e para nós também, porque não.

Afinal, fizemos um passeio diferente e vimos de perto grandes nomes da música brasileira. Apesar das dores que senti nos pés durante todo o tempo por ter calçado os sapatos nos pés trocados.


E, em relação ao Laércio Mazon, com quem eu ficava na maior parte do tempo, posso citar uma passagem no mínimo hilária. Foi ele quem me convenceu a subiu no bondinho do Pão de Açúcar e foi lá em cima, no Morro da Urca, primeira parada antes do Pão de Açúcar, que ele, ao se sentar na grama, não reparou que no lugar que havia escolhido para descanar tinha um monte deixado por um cachorro mal educado.

A quarta série ginasial

Faz tempo que isso não ocorre, mas um tempo atrás eu vivia sonhando que estava nas dependências da escola onde cursei o ginasial e também ...