segunda-feira, 25 de abril de 2011

O sino da igreja, o bolinho de bacalhau e o lanche de aliche

Sou de um tempo em que a Sexta-feira Santa era algo sagrado. Um dia para se recolher em casa e respeitar.

Lembro bem como era a rotina das pessoas na Semana Santa. Lembro que meu pai, cumprindo as determinações da igreja, participava da vigília noturna, velando o Nosso Senhor Morto.

Era um tempo em que havia respeito pelos desígnios de Deus. A partir das três da tarde da quinta-feira tudo ficava parado, como se esperasse o tempo passar e com ele chegasse o Sábado de Aleluia.

Lembro que a partir das três da tarde da quinta não se ouvia mais as buzinas os carros, as sirenes das fábricas, o apito do trem ou o badalar dos sinos. Tudo era um silêncio só e nós, crianças, obedecendo as regras, nem às ruas saíamos.

Ao contrário do que acontece nos dias de hoje, o silêncio respeitoso imperava. As pessoas não comiam carne vermelha de forma alguma e não havia a algazarra que se tem hoje, com carros com o som nas alturas, as buzinas soando e até o sino da igreja repicando firme e forte.

Às vezes, paro e penso se tudo que era certo no meu tempo de criança já não vale mais. O respeito pelas tradições da Igreja já não existe mais, principalmente no seio das famílias e isso dói no fundo da alma de quem sempre acreditou nisso tudo.

Mas, voltando ao tempo que realmente interessa, lembro bem de como era a Semana Santa para mim, um menino magricela de orelhas grandes. A partir das três da tarde da quinta-feira tudo parava e só restava aguardar por cada momento da Semana Santa.

Na Sexta-feira da Paixão o ritual consistia em visitar o Senhor Morto na Matriz e acompanhar a Procissão do Enterro, como dizia minha mãe. Claro que no meio de tanta religiosidade havia o respeito às determinações da Santa Igreja.

Como não era permitido o consumo de carne vermelha, minha mãe preparava o bacalhau ensopado com batata e o tradicional bolinho de bacalhau. À noite, depois da procissão, íamos para casa e aguardávamos a chegada de meu pai com aquele embrulho envolto em papel cor-de-rosa, contendo um prato de papelão recheado de sanduíches de aliche comprados no Bar Central ou no Brasília Bar. Ainda sinto o sabor daquela iguaria consumida apenas uma vez por ano.

Bons tempos aqueles. Tempos em que a tradição era algo importante na vida das pessoas, assim como o respeito a tudo que era sagrado.

Lembro que no Sábado de Aleluia a tradição mandava que se malhasse o Judas ao meio-dia. Era o momento em que os rojões espocavam no ar anunciando que a alegria pela volta de Jesus estava próxima.

Na manhã do domingo minha família acordava cedo, ainda de madrugada, para acompanhar a Procissão do Encontro. Minha ansiedade era grande pela hora de voltar para casa e ganhar meu ovo de páscoa.

A Páscoa era comemorada na casa de meus avós paternos, que ficava na rua João Pereira, nas proximidades do Bairral, com a presença de todos os integrantes da família. Como era bom aquele tempo e como seria bom poder reviver tudo aquilo.

Hoje, quando ouço o sino repicar na igreja, mesmo no período de silêncio da Semana Santa, entendo que aquele tempo nunca mais irá voltar. Sinto que a magia dos bons tempos foi quebrada e nunca mais nada será com antes.

Isso faz meu coração doer de tristeza. E essa dor aumenta cada vez que lembro que nunca mais terei os bolinhos de bacalhau de minha mãe para saborear ou os lanches de aliche, envoltos em um embrulho cor-de-rosa, que meu pai fazia questão de comprar para a nossa noite de Sexta-feira Santa.


Que pena que tudo isso acabou. Que pena que não tenho mais ao meu lado meu pai e minha mãe. E, que pena que não exista mais o respeito por parte das pessoas pelas tradições religiosas. Que pena...

2 comentários:

anamariasoriani@hotmail.com disse...

Meus olhos ficaram marejados...
Vc retratou fielmente neste texto o que está retido em minha memória. Parabéns pela beleza de imagens!!

Humberto Butti disse...

Obrigado, é o que tento fazer sempre. Só assim consigo ter de volta tudo aquilo.

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