sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Meu tio Nine Papaléo


Muita gente pode estranhar o fato de minhas recordações da infância citarem tanto o lado de meus avós paternos, mesmo eu tendo crescido no mesmo teto que minha avó materna. Mas, se do lado da família de meu pai guardo recordações, do lado de minha mãe também as tenho.
Lembro bem de meu tio Januário Papaléo, ou Nine Papaléo, como todos o conheciam. Era folheiro como o pai Antonio Papaléo e, apesar de ser uma pessoa que muitas vezes procurava tirar proveito em cima dos outros, eu gostava dele.
Em sua mocidade passou dois anos na penitenciária na Capital por um crime que não cometeu e que, nos dias atuais, nem crime seria. Hoje, por muito mais, por ludibriar milhões de pessoas e roubar descaradamente, nenhum político fica preso.
Meu tio foi acusado de engravidar uma moça e, como negou a culpa, acabou preso por alguns anos. Depois ficou-se sabendo que o autor do serviço teria sido o próprio patrão da moça, que por ser casado e de posses, não poderia revelar a culpa, que acabou sobrando para o meu tio.
Fora isso, meu tio era um cara engraçado e muito divertido. Minha mãe costumava contar que ele gostava tanto de amendoim que um certo dia, para poder enxergar o jogo que se desenrolava no velho estádio Chico Vieira, ao lado do Parque Juca Mulato, de tanto comer amendoim, subiu no monte de pelinhas para ver os lances por ter tido o azar de escolher um lugar na grade que servia de alambrado justamente atrás de um baita soldado, alto e encorpado, que insistia em ficar plantado na sua frente.
Claro que era pura invenção da minha mãe, que sabia muito bem o irmão que tinha. E sabia também que meu pai não era muito chegado naquele cunhado.
Certa vez, como sabia que meu pai tinha colocado um certo valor a juro nas mãos de um comerciante da cidade, meu tio disse para minha mãe para alertar meu pai sobre a eminente quebra do tal senhor. Era questão de tempo para aquilo acontecer e meu pai perderia o dinheiro que havia emprestado.
Sabendo que meu pai não acreditaria se ela revelasse que fora meu tio quem havia contado, minha mãe pensou rápido e decidiu falar que tinha ouvido a história no consultório do dentista. Meu pai acreditou e imediatamente foi até o tal senhor resgatar seu dinheiro, fato que conseguiu após algumas horas, a pedido do próprio comerciante.
Dias depois minha mãe descobriu que o dinheiro que o tal homem usou para pagar meu pai tinha vindo justamente do meu tio, que a tinha alertado. Ou seja, talvez querendo mostrar que tinha dinheiro para emprestar, meu tio acabou, sem querer, salvando meu pai do prejuízo, que sobrou para ele mesmo.
São lembranças, fatos do passado, momentos que vivi e nunca mais esqueci. Meu tio era assim, meio maluco, meio insolente, mas eu gostava dele.


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