No meu tempo de criança, lá pelos idos da década de 60,
noite sim e a outra também o quarteirão de casa se transformava em área de
brincadeiras. Cada noite era uma modalidade, desde o pega esconde até os jogos
de futebol.
Nas noites em que a bola rolava solta no ‘gramado’ de
paralelepípedos, além dos garotos da rua, dois personagens eram figuras
carimbadas nas peladas noturnas. Era só escurecer e os dois subiam a ladeira
São João, vindos da coloninha, um conjunto de casas que havia ali perto do
escadão que dava acesso ao bairro do Cubatão, para quem vinha da praça central.
Um deles era o Claudio Maria, que por nós era chamado de
Claudio Pelé. Claudio morava na coloninha com os avós Pedro e Joana e sempre
subia o morro para bater uma bolinha com a gente, apesar de ser mais velho que
a maioria.
Com ele subia um outro personagem, igualmente morador da
coloninha, onde dividia a casa simples com a mãe Clementina e as irmãs, entre
elas a Dita, exímia cozinheira que por muito tempo serviu a família do
Geraldinho Teté, e que gostava de uma pinga. Conhecido como Querosene ou
Nelsinho Cascudo, Nelson da Costa, também mais velho que a maioria, não era um
craque, mas corria e dividia as bolas com a mesma volúpia com que atacava um
prato de comida.
E, via de regra, sempre que aparecia na rua de casa,
Nelsinho Querosene estava faminto e, para não perder a viagem, batia palmas na residência
do maestro Américo Passarela, vizinho de parede de minha casa, e sua esposa, a
dona Olga, de bom coração, sempre lhe dava um prato de comida. Nelsinho batia o
prato de comida e depois entrava na pelada, onde geralmente saía sem a ‘champa’
do dedão do pé, que ficava grudada em algum paralelepípedo mais saliente.
Mas, como nem sempre as pessoas estão com o humor em
alta, um dia ele se viu em uma enrascada. Ao bater palmas na casa dos
Passarela, Nelsinho ouviu a dona Olga, lá de dentro, avisar que não tinha
comida. Esfomeado, perguntou se não tinha ao menos um pão com banana e resposta
foi negativa novamente. De pronto, na sua ingenuidade, lascou: “nossa, a coisa
tá feia então”. E foi aí que quase levou um carreirão da dona da casa.
Querosene, por muito tempo, ficou conhecido por nós como
Nelsinho Pão com Banana por causa desse fato, mas nunca reclamou disso ou dos
demais apelidos. Alma pura, sempre tratou bem todos os amigos que tinha na rua
de casa.
Nelsinho, hoje com mais de 70 anos, ainda lembra desses
fatos e daquele tempo bom, que subia a ladeira para matar quem estava te
matando e ainda bater uma bolinha com a gente. Sempre que me encontra na rua
lembra de tudo como se fosse ontem.
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