sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Pão com banana


No meu tempo de criança, lá pelos idos da década de 60, noite sim e a outra também o quarteirão de casa se transformava em área de brincadeiras. Cada noite era uma modalidade, desde o pega esconde até os jogos de futebol.
Nas noites em que a bola rolava solta no ‘gramado’ de paralelepípedos, além dos garotos da rua, dois personagens eram figuras carimbadas nas peladas noturnas. Era só escurecer e os dois subiam a ladeira São João, vindos da coloninha, um conjunto de casas que havia ali perto do escadão que dava acesso ao bairro do Cubatão, para quem vinha da praça central.
Um deles era o Claudio Maria, que por nós era chamado de Claudio Pelé. Claudio morava na coloninha com os avós Pedro e Joana e sempre subia o morro para bater uma bolinha com a gente, apesar de ser mais velho que a maioria.
Com ele subia um outro personagem, igualmente morador da coloninha, onde dividia a casa simples com a mãe Clementina e as irmãs, entre elas a Dita, exímia cozinheira que por muito tempo serviu a família do Geraldinho Teté, e que gostava de uma pinga. Conhecido como Querosene ou Nelsinho Cascudo, Nelson da Costa, também mais velho que a maioria, não era um craque, mas corria e dividia as bolas com a mesma volúpia com que atacava um prato de comida.
E, via de regra, sempre que aparecia na rua de casa, Nelsinho Querosene estava faminto e, para não perder a viagem, batia palmas na residência do maestro Américo Passarela, vizinho de parede de minha casa, e sua esposa, a dona Olga, de bom coração, sempre lhe dava um prato de comida. Nelsinho batia o prato de comida e depois entrava na pelada, onde geralmente saía sem a ‘champa’ do dedão do pé, que ficava grudada em algum paralelepípedo mais saliente.
Mas, como nem sempre as pessoas estão com o humor em alta, um dia ele se viu em uma enrascada. Ao bater palmas na casa dos Passarela, Nelsinho ouviu a dona Olga, lá de dentro, avisar que não tinha comida. Esfomeado, perguntou se não tinha ao menos um pão com banana e resposta foi negativa novamente. De pronto, na sua ingenuidade, lascou: “nossa, a coisa tá feia então”. E foi aí que quase levou um carreirão da dona da casa.
Querosene, por muito tempo, ficou conhecido por nós como Nelsinho Pão com Banana por causa desse fato, mas nunca reclamou disso ou dos demais apelidos. Alma pura, sempre tratou bem todos os amigos que tinha na rua de casa.
Nelsinho, hoje com mais de 70 anos, ainda lembra desses fatos e daquele tempo bom, que subia a ladeira para matar quem estava te matando e ainda bater uma bolinha com a gente. Sempre que me encontra na rua lembra de tudo como se fosse ontem.

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