sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Para onde foi todo mundo?


Acordei com o coração aos sobressaltos, com a impressão de que algo estava errado. De repente me dei conta que era manhã de Natal e pulei da cama, louco para abrir meu presente.
Corri até a porta do quarto para descobrir o que o Papai Noel havia deixado e meus sapatos não estavam lá. Será que alguém tinha roubado meus sapatos?
Não tinha presente, não tinha sapatos e o silêncio era ensurdecedor. Chamei pela minha mãe, nada; chamei pelo meu pai, nada.
Para onde havia ido todo mundo? Será que já tinham ido para a casa de meus avós e me deixado para trás?
Lavei o rosto para ver se tudo não passava de um sonho, mas o silêncio continuava o mesmo. Coloquei a primeira roupa que achei e saí correndo para a rua.
Subi correndo o escadão da Ladeira São João, dois passos em cada um dos enormes degraus tal era a pressa. Lá em cima, perto da casa do padre Henrique, já quase sem fôlego, decidi ir pela Avenida dos Biris para ganhar tempo, mas descobri que não havia mais biris.
Mesmo assim continuei correndo para chegar logo àquela ruazinha que dá acesso até a Rua João Pereira, mas a ruazinha já não existia mais. Como não havia outro caminho, dei meia volta e decidi contornar o muro do campo, passar em frente a cadeia e virar a esquina na casa do padre Matheus, em frente o coleginho.
E, para minha surpresa, não tinha campo, não tinha cadeia e muito menos a casa do padre ou o coleginho. Mesmo assim continuei andando, acreditando ser tudo um sonho ou mesmo um pesadelo, na certeza de chegar ao meu destino e encontrar todo mundo no rancho ou embaixo da parreira de uva.
Não via a hora de subir os dois quarteirões da Bentico Pereira e enfim dobrar a João Pereira, na esquina da casa do Tito Bianchi, e avistar a casa de meu avô João. Que nada, virei a esquina e encontrei foi nada, nem Tito Bianchi, nem os Artigiani, os Avancini ou os Paschoal e muito menos a casa do meu avô.
Como tudo havia mudado, para onde teria ido todo mundo? Já sem forças para continuar, sentei na beira da calçada debaixo da árvore onde meu pai estacionava o Fusca azul 67, placas RI 6792, mas nem mesmo a árvore resistira ao tempo.
E ali, sentado, sozinho, me dei conta que o tempo havia passado, que eu já não era mais uma criança e que tudo isso tinha ficado para trás. Será que chorar e pedir para o relógio voltar iria adiantar?
Claro que não, tudo isso já faz parte de um tempo que o próprio tempo se encarregou de perpetuar em minha memória. Um tempo que no meu livro da vida data mais de meio século, um tempo bom que um dia fez parte da minha história.

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